Transposição já muda a face do Sertão

Fonte: Jornal do Comércio

A transposição do São Francisco, principal obra do governo Lula, está, enfim, saindo do papel. Junto com a Transnordestina, segundo grande projeto para o Nordeste, o empreendimento já está mudando a face de pequenos municípios do interior. Hoje e amanhã, o JC mostra os reflexos positivos de duas das obras mais esperadas na região. Os textos são de Angela Fernanda Belfort e as fotos, de Renato Spencer.

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Os tratores e escavadeiras estão arrancando uma parte da vegetação nativa do Semi-Árido de Pernambuco, no município de Cabrobó. São as primeiras obras da transposição das águas do Rio São Francisco, o maior projeto de infra-estrutura hídrica já iniciado no Nordeste e que custará cerca de R$ 6 bilhões, bancados pelo tesouro nacional. As obras começaram em novembro de 2007 e já trouxeram impacto para a economia de cidades da região. Em Cabrobó, existem duas frentes de trabalho. A primeira é do Exército, que faz o canal de aproximação e a Barragem de Tucutu, ambos com 34% de realização. O projeto prevê a construção de dois grandes canais o Eixo Norte e o Eixo Leste, que vão levar a água para 15 milhões de pessoas e possibilitar a implantação de projetos de irrigação.

O Exército tem 348 homens trabalhando em Cabrobó, sendo 105 terceirizados. Já o Consórcio Águas do São Francisco contratou cerca de 800 homens, segundo informações da Prefeitura de Cabrobó. A empresa vai fazer os dois primeiros lotes do Eixo Norte. Natural de Cabrobó, o operário Cristiano Kenar Gomes Cavalcante está trabalhando nas obras da transposição. Ele estudou até o segundo grau e tinha um emprego numa loja de material de construção em Petrolina, a 200 quilômetros da sua cidade natal, mas ficou desempregado e voltou para Cabrobó. “Estou ganhando mais e a minha carteira está assinada”, disse Cavalcante, que ocupa o cargo de apontador há três meses.

O aumento na quantidade de pessoas em Cabrobó e Salgueiro alterou a rotina das duas cidades, que ficam a uma distância de 80 quilômetros. A principal fonte de renda dos dois municípios é o salário pago pelo poder público. As cidades fazem parte da região conhecida também como Polígono da Maconha, no Sertão de Pernambuco. “Calculamos que existem pelo menos 150 pessoas de Cabrobó trabalhando nas empresas privadas”, comentou o prefeito daquela cidade, Eudes Caldas (PTB), acrescentando que o desemprego diminuiu.

Uma demanda maior por trabalhadores provocou um ato inusitado em Salgueiro. No primeiro semestre deste ano, o Sine daquela cidade chegou a anunciar na rádio local, pelo menos três vezes, que estava procurando cargos mais raros, como por exemplo um motorista com 1º grau completo e com conhecimento de digitação. Esse tipo de anúncio ocorreu nos últimos seis meses em decorrência de pedidos feitos pelas empresas privadas. O Sine de Salgueiro já encaminhou pessoas para ocupar pelo menos 50 cargos que foram demandados pelas empresas que fazem as obras da transposição. O cadastro da entidade tem cerca de 10 mil pessoas inscritas, mas somente dois engenheiros. Um deles foi contratado por uma empresa que está fazendo outro serviço relacionado à transposição, a implantação do saneamento básico de Salgueiro, que custará R$ 25,9 milhões.

Não é só a demanda por gente que aumentou. “O Brasil virou um canteiro de obras e está difícil alugar alguns equipamentos. No Recife, as máquinas já estão alugadas e por isso trouxemos uma retroescavadeira de Brasília”, explicou o encarregado-administrativo da Construtora Augusto Velloso, Disney Jekson. A empresa tem 47 pessoas trabalhando em Salgueiro e se instalou lá depois de vencer uma licitação para fazer as obras de saneamento. Ele informou também que é difícil contratar pessoas para cargos mais especializados, como por exemplo, um cabo de fogo, que é o profissional que fica responsável pela detonação de explosivo em rochas.

Também impressiona a quantidade de trator, escavadeira e caminhão que circula na área da construção do canal, que terá uma base de seis metros e também seis metros de altura. Só o Exército tem 111 equipamentos em uso no local, dos quais apenas 12 são veículos leves. Os outros são veículos pesados. O canal de aproximação - que está sendo feito pelo Exército e que terá quase dois quilômetros de extensão - é a primeira parte do Eixo Norte, que vai retirar a água do rio em Cabrobó. Nessa mesma área, já começou a ser levantado um paredão - que vai ter 22 metros de altura - para armazenar os 250 milhões de metros cúbicos de água que poderão ser guardados na Barragem de Tucutu, que inundará uma área de 360 hectares, equivalente a 360 campos de futebol. A barragem e o canal de aproximação devem ficar prontos em dezembro do próximo ano.

A Barragem de Tucutu é apenas a primeira. Está prevista a construção de 25 barragens nas proximidades dos canais, das quais 12 ficarão no Eixo Leste e 13 no Eixo Norte. As do Eixo Leste ficarão em Pernambuco. A expectativa do governo federal é concluir o Eixo Leste em 2010, quando acaba o mandato do presidente Lula, um dos maiores defensores do projeto. O Eixo Norte deve ser concluído em 2012.