Foto comemorativa da assinatura do Tratado de Petrópolis em 17 de novembro de 1903.

Foto comemorativa da assinatura do Tratado de Petrópolis em 17 de novembro de 1903.

O tratado de Petrópolis

Fonte: Terra Educação

Rio-Branco estabeleceu dois frontes para evitar o choque militar com a Bolívia. Num deles arregimentou o apoio da Casa Rothschild, de Londres, instituição financeira de históricas ligações com o Brasil, para que os banqueiros intermediassem um acordo com o Bolivian Syndicate de Nova York. Operação bem-sucedida, pois os norte-americanos aceitaram uma compensação de 110 mil libras esterlinas para desistir do negócio, o que enfraqueceu o lado do governo de La Paz.

O outro, foi mostrar à Bolívia que o Brasil estaria mesmo disposto a ir a guerra na defesa do povo extrativista do Acre, visto que a opinião pública não aceitaria que o governo do Rio de Janeiro cruzasse os braços caso soubesse que os seringueiros fossem expulsos pelas armas daquela área. Um admirador exaltado da posição tomada pelo barão escreveu na imprensa: “Temos um Homem no Itamaraty.”

Para dar prova de seriedade, como demonstração de força, ordenou-se a mobilização de tropas federais em Mato Grosso e no Amazonas para que se deslocassem para o território do Acre. Assim, com essa articulada combinação de diplomacia e do uso do argumento militar, só restou ao governo da Bolívia retroceder. Aceitou um acordo provisório, assinado em março de 1903, e decidiu por comparecer à mesa de negociação. O local acertado foi Petrópolis no estado do Rio de Janeiro, honorável cidade imperial onde se encontravam as delegações estrangeiras no Brasil.

O principio sustentado pelo Brasil na sua demanda para com a Bolívia foi o mesmo utilizado pelos portugueses nos tempos dos tratados de 1750 e 1777, assinados então entre o Reino de Portugal e o Reino da Espanha para acertarem suas diferenças fronteiriças na América Ibérica: o do uti possidetis solis. Quer dizer, tem direito ao território quem o possui, quem tomasse a terra contestada era o seu dono de fato. Pelo lado brasileiro atuaram Ruy Barbosa e depois o gaúcho Assis Brasil, que o substituiu, enquanto que representando a Bolívia encontrava-se o senador Fernando Guachalla e o ministro Cláudio Pinilla. No primeiro dos seus dez artigos fixou-se: “Do Rio Beni na sua confluência com o Mamoré (onde começa o Rio Madeira), para o oeste seguirá a fronteira por uma paralela tirada da sua margem esquerda, na latitude 10º20’, até encontrar as nascentes do Rio Javari”.

O acerto final

Acordou-se então que o Brasil indenizaria a Bolívia com 2 milhões de libras esterlinas em troca de um território que incorporaria não somente o Acre inferior (142.000 km²), como o Acre superior (48.000 km²), rico em florestas e reservas de seringais. O Brasil, por igual, comprometeu-se a entregar em permuta certas áreas da fronteira do Mato Grosso que, no total, perfaziam 3.164 km, bem como dar início a construção da estrada-de-ferro Madeira-Mamoré, numa extensão de 400 km, para permitir uma saída da Bolívia para o oceano Atlântico (promessa feita a primeira vez em 1867).

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As negociações, entre os legatários bolivianos e os brasileiros, iniciadas em julho de 1903, enceraram-se quatros meses depois com a assinatura solene do Tratado de Petrópolis no dia 17 de novembro de 1903. Consagrou-se como uma das maiores vitórias diplomáticas do Brasil visto que conseguiu incorporar ao território nacional, sem deflagrar guerra, uma extensão de terra de quase 200.000 km², que foi entregue a 60 mil seringueiros e suas famílias para que lá pudessem exercer as funções extrativas da borracha.

E, fundamentalmente, evitou-se um conflito bélico com a Bolívia, um país pobre e isolado do mundo. Guerra que, se travada, traria uma mancha indelével para a imagem do Brasil, pois iria aparecer no cenário mundial como um valentão prepotente tirando proveito dos mais fracos. O barão do Rio-Branco, por sua parte, foi homenageado pelo povo acreano com a fundação da Vila de Rio-Branco, atual capital do estado do Acre.

Referências bibliográficas

Calmon, Pedro – História do Brasil: a República, volume V, São Paulo, Editora nacional, 1956.

Costa, Craveiro – A conquista do deserto ocidental, São Paulo, Editora Nacional, 1940.

Cunha, Euclides – Um paraíso perdido: reunião de ensaios Amazônicos, Petrópolis, RJ, Editora Vozes, 1976.

Lins, Álvaro – Rio-Branco, São Paulo, Editora Nacional, 1965

Viana, Hélio – História das fronteiras do Brasil, Rio de Janeiro, Edição da Biblioteca Militar, 1948.


Brasil X Bolívia: a guerra evitada

Fonte: Terra Educação

Entre 1899 e 1903, o Brasil e a Bolívia, em vista da Questão do Acre - território boliviano penetrado por brasileiros que vinham atrás das seringueiras no tempo do ciclo da borracha - , por pouco não entraram em guerra aberta. Conflito este que foi evitado pelas negociações diplomáticas encaminhadas pelo barão de Rio-Branco, ministro das relações exteriores do Brasil (1902-1912).

Ele teve o mérito de transferir o confronto de um possível campo de batalha para a mesa de negociações. Tirou-o da selva da Amazônia para os altos da serra do Rio de Janeiro. Sucesso que culminou na assinatura do Tratado de Petrópolis, firmado com a Bolívia em 17 de novembro de 1903, e que veio a ser uma das maiores vitórias da diplomacia brasileira em todos os tempos.

O barão do Rio-Branco, herói da república


O barão do Rio-Branco, ministro da republica (1902-1912)

Estimaram a multidão que o recepcionou em dez mil pessoas que se espalhava desde o cais do porto até as avenidas do centro do Rio de Janeiro. Todos lá estavam, naquele dia jubiloso de 2 de dezembro de 1902, para saudar o barão do Rio-Branco, o Juca Paranhos, como era conhecido entre os cariocas. Viram-no como um bom filho que retornava à casa, o Brasil. Recepcionaram-no desde o porto com bandas, palmas e aclamações, espalhando os retratos dele por toda parte. Até a estátua do pai do barão, o visconde do Rio-Branco, merecera uma bela ramada de flores.

Provavelmente muitos deles, dos que lá estavam presentes para aplaudir o novo ministro da relações exteriores, recém vindo da Europa, tinham estado umas semanas antes na frente do Palácio da Catete para vaiarem estrepitosamente o presidente Campos Sales, quando esse deixava o poder coberto de impopularidade. Enquanto o político paulista saia debaixo de apupos, o chanceler carioca desembarcava com vivas.

A república, o novo regime recém implantado no Brasil fazia 13 anos atrás, tinha causado enormes decepções ao povo. Primeiro pela inflação e pelos escândalos financeiros provocados pelo Encilhamento, em 1890/1, em seguida a Armada rebelou-se por duas vezes, uma em 1891, e outra em 1893, disparando contra a própria Capital Federal, ocasião que também rebentou no Rio Grande do Sul a sangrenta Revolução Federalista de 1893/5, e, mal cauterizada essa, foi a vez da revolta de Canudos fazer correr sangue no sertão da Bahia, em 1896/7.

Como uma espécie de arremate de tanta desgraça, o presidente Campos Sales, herdando os rombos orçamentários daquilo tudo, teve que apelar para o Fundig Loan, uma renegociação geral da divida externa do país, acertada em 1898, que implicou em tomar mais 10 milhões de libras esterlinas das casas financeiras.

Uma república sem bons exemplos




Deodoro da Fonseca morrera, Floriano Peixoto também, Benjamin Constant fora-se antes de todos os outros, a república não tinha heróis, não oferecia alguém de peso, um vulto ilustre, um varão a lá Plutarco com quem o povo pudesse se empolgar ou se orgulhar. Daí a vibração com o barão, ironicamente um monarquista, alguém do antigo regime derrubado em 1889, mas que naquele momento muito especial, quase que de depressão coletiva, encarnava por assim dizer as melhores expectativas da nacionalidade.

Rodrigues Alves (1902-1906), o novo presidente, o convidara para o ministério, e ele , deixando Londres, viera assumir o posto. E chegou em boa hora porque os atritos na fronteira do Brasil com a Bolívia, lá longe, na floresta amazônica, soltavam chispas para todos os lados. Como observou Álvaro Lins, o melhor biógrafo do barão, “o caso do Acre fora a princípio de geografia e história, depois, uma questão de ordem política e econômica.” (in Rio-Branco, S.P.,1965, pag. 270).


A questão do Acre

Fonte: Terra Educação.

Trinta e cinco anos antes de eclodir o problema do Acre, território que o Brasil reconhecia ser da Bolívia, o governo do império do Brasil assinara o Tratado de Ayacucho, em 1867, com aquele país no sentido de mais ou menos fixar áreas limítrofes em comum. Dez anos depois, assombrados pela violenta seca de 1877/9, que devastou o Ceará, milhares de cearense partiram para os fundões da Amazônia atrás de uma alternativa para a sua sobrevivência. Em 1882, fundaram o Seringal Empresa que mais tarde veio a ser a capital do Acre, rebatizada de Rio-Branco.

Foi assim, na chamada “transumância amazônica”, que os nordestinos adentraram na região do rio Acre, situada no extremo noroeste do Brasil, atrás das valiosas seringueiras. A revolução dos transportes que andava a galope nos países Europeus e nos Estados Unidos, paralela à expansão da eletricidade, tinha fome por borracha, que naquela época saía toda ela da Amazônia, sendo que 60% era extraída do território acreano.

Obviamente que o govenro andino não via com bons olhos aquela arribada crescente dos brasileiros. Para os bolivianos, a situação praticamente repetia o que ocorrera na década de 1870 com a penetração de trabalhadores chilenos na área do Atacama atrás do salitre. O que provocara a Guerra do Pacífico (1879-1883), que fez com que a Bolívia, derrotada, perdesse a sua saída para o oceano Pacífico, tendo que aceitar ficar isolada dos oceanos do mundo.

Num primeiro momento, José Paravicini, o embaixador boliviano no Rio de Janeiro, determinou que fosse fundado, em 3 de novembro de 1899, um posto alfandegário em Puerto Alonso, para se fazer presente na área. Ato de soberania que, se bem que legítimo, irritou profundamente os seringueiros brasileiros que cercaram o posto e expulsaram os funcionários dali. Neste entremeio, chega ao Acre o aventureiro Luís Galvez , dito “o Imperador do Acre” (apoiado por Ramalho Júnior, o governador do Estado do Amazonas), que decidiu proclamar um estado independente do Acre no dia 14 de julho de 1901. Cada vez ficava mais evidente de que a Questão do Acre repetia Atacama, portanto La Paz precisava agir para manter o território em mãos nacionais. Além de enviar uma força para lá, engendraram um outro caminho.

O Bolivian Syndicate




A solução encontrada pelo governo andino não podia ter sido pior. Fora o próprio Luís Galvez que, trabalhando então para o cônsul boliviano em Manaus, descobriu que os bolivianos estavam em tratativas de passar o controle do território do Acre para o Anglo-Bolivian Syndicate de Nova York, que tinha o milionário Withridge como seu acionista principal. Era um contrato do tipo conhecido como chartered companies, muito em voga na África naquela época, pelo qual uma empresa concessionária qualquer, européia ou americana, praticamente assumia as funções soberanas sobre certa área que ela desejava explorar economicamente. Detinha não só o monopólio sobre a produção e exportação como também auferia os direitos fiscais, mantendo ainda as tarefas de polícia local.

Concretizado o contrato, o Bolivian Syndicate associado a U.S. Rubber Co., que compraria toda a produção da borracha , fatalmente atrairia para dentro da região amazônica o poder dos Estados Unidos que, em última instância, assumiriam, ainda que indiretamente, a proteção dos interesses de uma empresa norte-americana no Acre que gozaria por lá de privilégios majestáticos. Portanto, qualquer desavença que ocorresse entre o seringueiros e os interesses do Bolivian Syndicate, oporia o Brasil aos Estados Unidos. Dois acontecimentos vieram então atrapalhar aqueles planos dos bolivianos: a rebelião acreana de Plácido de Castro, e a ação diplomática do barão de Rio-Branco, que considerou a concessão boliviana ao Bolivian Syndicate como uma “monstruosidade legal”.

A revolta dos seringueiros




Os conflitos anteriores entre brasileiros e bolivianos - entre os quais a célebre “expedição dos poetas”, uma romântica aventura de intelectuais e estudantes amazonenses, liderados por Orlando Corrêa Lopes, que, partindo de Manaus a bordo do vapor “Solimões”, quiseram ajudar os seringueiros a “libertar o Acre”, fracassando lamentavelmente-, fizeram-se quase espontaneamente, sem planos, sem estratégia, sem liderança.

Foi então que Plácido de Castro chegou àquela região. Tratava-se de um ex-oficial das forças Federalistas que lutara na revolução de 1893/5 no Rio Grande do Sul e que, tendo noções de agrimensor, partira para o norte em busca de outras aventuras. O governador Silvério Nery, do Amazonas, o apoiou na sua intenção de organizar uma resistência efetiva contra os bolivianos e na conseqüente proclamação da segunda independência do Acre, anunciada no arraial de Xapuri no dia 7 de agosto de 1901.

Nos finais de janeiro de 1903, depois de um demorado sitio, Puerto Alonso, a última resistência boliviana no Acre, rendeu-se ao caudilho vindo do sul, proclamador da terceira independência do Acre. A notícia revoltou a população de La Paz que exigiu imediata resposta do governo boliviano. Tão grave soou a coisa que foi o próprio presidente Pando quem tomou a si o comando de uma força que marcharia para o Acre para lavar a honra da Bolívia ofendida. Então foi a vez do barão de Rio-Branco movimentar-se.