Entrevista com General Augusto Heleno

Narcotráfico, biopirataria e contrabando no lugar das FARC como maiores ameaças na Amazônia

Fonte: BAND NEWS

Nos últimos anos, o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira tem se especializado em missões complicadas. De junho de 2004 a setembro de 2005, ele comandou a Missão das Nações Unidas para a estabilização no Haiti (minustah). Na capital haitiana, Port-au-Prince, um dos maiores desafios da missão era reorganizar uma cidade esfacelada pela guerra civil e ameaçada por bandos criminosos. Sob a liderança de militares do Brasil, o trabalho no Haiti foi bem-sucedido, fato reconhecido pela ONU, que insistiu para que o país permanecesse no comando da missão.

Sempre pronto para novas missões, o general Augusto Heleno assumiu o Comando Militar da Amazônia assim que retornou ao país. Na região, a lista de desafios é proporcional ao gigantismo da floresta e dos vastos recursos naturais que estão à flor do solo, cada vez mais alvo da cobiça de interesses de governos, ONGs e, principalmente, do crime, organizado ou não. Não bastasse a necessidade de vigilância atenta, mas nem sempre suficiente, aos caminhos por terra, ar e água que conectam a floresta ao mundo, os militares da Amazônia ainda são obrigados a conviver com vizinhos incômodos, como as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).

Combalidas, as FARC deixaram de liderar a lista de preocupações do comando da região. "O aumento do narcotráfico, do contrabando de madeira, da biopirataria, exploração ilegal de minério, pesca predatória, exportação ilegal de animais silvestres, tudo isso forma um conjunto de crimes transfronteiriços, transnacionais, que nos preocupa muito, mais do que ações militares", explica o general.

Para o combate aos grupos ilícitos, os 24 mil militares brasileiros instalados na Amazônia contam com a colaboração das forças armadas de vizinhos, como a Venezuela. O país do presidente Hugo Chávez tem incrementado o intercâmbio militar com a Rússia, de quem comprou alguns bilhões de dólares em equipamentos. Mas o investimento dos venezuelanos não preocupa. "Para nós, a Venezuela é um país amigo, soberano e a iniciativa deles é perfeitamente válida", diz Augusto Heleno, em entrevista concedida ao site bandnewstv.com.br. (Fábio Piperno).

No projeto de reaparelhamento das Forças Armadas, quais seriam as principais demandas do comando da Amazônia?
General Augusto Heleno-Acho que seremos contemplados, porque a Amazônia é a prioridade um do Exército brasileiro. A minha prioridade quando falo com o ministro da Defesa, Nélson Jobim, e com o ministro dos Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, é em relação a ter poder de combate. E hoje, quando falamos em poder de combate, falamos em projeção de poder, que significa ter condições de estar presente em uma determinada hora, no mais curto prazo, no lugar que quisermos, com a força que acharmos necessária. Para isso, precisamos ter plataformas de combate compatíveis com o século 21. Então, uma das primeiras aspirações é melhorar nossa frota de helicópteros aqui na Amazônia. Depois, a frota de embarcações, que é outro vetor de projeção de poder muito importante na Amazônia, uma vez que a maioria das regiões amazônicas não dispõe de rede de estradas. Depois, ter viaturas compatíveis. Apesar de não ter rede de estradas em toda a Amazônia, eu tenho brigadas, que no nome são brigadas de infantaria de selva. Só para orientar, brigadas são cerca de 3,5 mil a 4 mil militares. Tenho brigadas de infantaria de selva que na verdade são brigadas de infantaria de selva também motorizadas, que têm possibilidades de utilizar uma rede de estradas que, sem ser uma rede maravilhosa, existe e tem que ser considerada. Então, preciso de viaturas capazes de permitir esses deslocamentos rápidos. É fundamental que isso ocorra no mais curto prazo. E nós vamos rapidamente mudar esse perfil da nossa capacidade de projetar poder na Amazônia.

Quantos homens as Forças Armadas têm hoje para fazer a segurança da Amazônia?
AH- O Exército brasileiro tem hoje 24 mil, com a perspectiva de receber um batalhão a partir do ano que vem em Barcelos e mais um batalhão de engenharia de combate, com sede em Manaus. Assim, chegaremos a ter em torno de 28 mil militares em um prazo relativamente curto.

Esse contingente será suficiente para fazer a segurança de uma área que é praticamente toda a Europa ocidental em extensão?
AH-Temos um dispositivo de vigilância em profundidade na Amazônia, os nossos pelotões especiais de fronteiras que barram as principais penetrantes, que são os rios, que vindo de fora, entram na Amazônia. Algumas penetrantes sobre as poucas estradas que entram em território amazônico. Então, esses pelotões são os olhos do comandante militar da Amazônia e, como eles mantêm um patrulhamento constante na área de fronteira, qualquer coisa de diferente que aconteça eu sou informado. Esses pelotões têm de 40 a 60 militares. Mais atrás, temos batalhões de infantaria de selva, que são em torno de 800 militares, capazes de prestar um primeiro reforço a esses pelotões. Mais atrás temos as brigadas de infantaria de selva, com cerca de 3,5 mil a 4 mil militares e, mais atrás, o Comando Militar da Amazônia.
Caso a situação seja tão grave que eu precise de mais forças do que disponho aqui, temos as forças estratégicas, que estão localizadas fora da Amazônia, mas que são adestradas anualmente em área de selva e que poderão atuar em um prazo entre 24 a 72 horas na Amazônia. São a Brigada de infantaria pára-quedista, a Brigada de operações especiais e a Brigada de Infantaria Aeromóvel, que depende diretamente da Brigada de Aviação. Mas as duas estão muito próximas, uma em Caçapava, outra em Taubaté. Então, elas trabalham juntas todo o tempo. Lógico que tudo isso que estou dizendo tem sérias restrições de material, de equipamento, como as restrições e a situação de obsolescência do material. Com todas as restrições, nós ainda temos um poder de dissuasão compatível em relação à Amazônia.

A Amazônia tem muitos vizinhos incômodos, como o narcotráfico, garimpeiros e guerrilha. O que mais incomoda hoje?
AH-Sempre digo que, por sorte, não temos nenhum inimigo potencial como vizinho. Ao contrário. Temos relações extremamente cordiais com todos os vizinhos. Sobretudo o que chamamos de diplomacia militar funciona muito bem. Temos chances de trocar informações com todos os vizinhos, relações bilaterais com todos eles. O que nos preocupa são problemas comuns. Problemas esses que pouco a pouco se agravam na medida da evolução tecnológica do século 21, da facilidade com que o sujeito ganha dinheiro atuando no ilícito. Então, o aumento do narcotráfico, do contrabando de madeira, da biopirataria, exploração ilegal de minério, pesca predatória, exportação ilegal de animais silvestres, tudo isso forma um conjunto de crimes transfronteiriços, transnacionais, que nos preocupa muito, mais do que ações militares. Esse combate é contra o crime que às vezes nem é tão organizado, mas é nefasto para o país e, pior, vai arrebanhando ribeirinhos, indígenas e vai colocando todo mundo sob a esfera do ilícito. Isso é a nossa grande preocupação hoje.

General, o enfraquecimento das FARC é uma preocupação a menos para o Comando Militar da Amazônia?
AH-É lógico que alguns anos atrás as FARC eram um fator de preocupação, porque não podíamos admitir que um movimento com a natureza das FARC atuasse a partir do território nacional. Então, tínhamos a preocupação de impedir de toda maneira que as FARC viessem a utilizar o território nacional como santuário, como base de apoio. Mas hoje essa preocupação está bastante neutralizada pelo enfraquecimento das FARC. Na verdade, é uma preocupação menor e que não está eliminada, mas hoje a possibilidade de isso ocorrer é bem menor.

Causa alguma preocupação para o Comando Militar os recentes acordos de cooperação militar entre a Venezuela e a Rússia?
AH-Quem tem que analisar isso é o Ministério das Relações Exteriores, o Ministério da Defesa e o presidente da república que é soberano em termos de política externa. Para nós, a Venezuela é um país amigo, soberano e a iniciativa deles é perfeitamente válida. É um problema deles. Não posso me preocupar porque não está na minha alçada.

O Brasil tem algum acordo de cooperação com a Venezuela de combate aos ilícitos, ao crime organizado fronteiriço?
AH-Temos uma excelente relação com a Venezuela. Nossas unidades na fronteira se visitam constantemente, fazem churrascos mensais para se conhecerem melhor. Perto de Pacaraima, onde do outro lado é Santa Elena de Uairén, temos um fluxo muito grande de veículos, sabemos que há um descaminho enorme de combustíveis e trabalhamos juntos para diminuir esse problema. E não temos nada que nos leve a qualquer tipo de atrito com a Venezuela. Mas é uma área de fronteira, onde as maiores preocupações são essas - garimpo ilegal, contrabando e praticamente não tem área de selva na fronteira com a Venezuela, a não ser na área de terra. Nas áreas mais transitáveis é uma área diferente, de lavrado. Convivemos muito bem e temos um intercâmbio muito grande de militares. Vários militares da Venezuela vêm fazer cursos no Brasil. Então, essa relação de amizade continua.