Nacionalização da Embraer e criação da Aerobrás
por BETO ALMEIDA* - Do Blog do Luiz Carlos Azenha
*Beto Almeida é presidente da TV Cidade Livre de Brasília
Não faz muito tempo, em uma de suas viagens pela América do Sul, o presidente Lula mencionou a possibilidade de que o Estado brasileiro viesse a criar uma empresa aérea regional, caso os empresários não se dispusessem a tal empreitada. Segundo explicou, esta empresa aérea regional seria necessária para dar acompanhamento, suporte, servir de continuidade lógica do processo de integração econômica em curso na América Latina, aliás, conforme inscrito no preâmbulo da Constituição Cidadã, como ocorre também nas demais cartas constitucionais dos países da Unasul.
Pois agora o colapso financeiro do capitalismo central reclama gestos ainda mais arrojados: a demissão de 20 por cento dos trabalhadores da Embraer vem mostrar a quem ainda não havia percebido o lado mais trágico da privatização. Pode-se imaginar quanta dor há em tantos lares de bairros operários hoje? Quantas crises familiares terão sido esgarçadas? Quantos trabalhadores não estarão agora com problemas de saúde agravados? Quantos não se desesperarão para o álcool ou a depressão? Quanto isto agrava as tensões sociais, a violência juvenil, as estatísticas de homicídio e a selvageria na sociedade em geral?
Pela gravidade, é totalmente inadmissível que os representantes do governo no Conselho de Administração da Embraer (BNDES, Previ, Aeronáutica) tenham “comido mosca” deixando a bomba das demissões explodir, sem apresentar qualquer alerta ou plano alternativo. Também chama atenção que no último balanço semestral os números falavam em lucratividade crescente e expansão das vendas externas.
A privatização da Embraer, feita com recursos do BNDES, recursos dos próprios trabalhadores, entregou uma empresa criada com recursos nacionais, com poupança nacional, para um projeto sem sentido, vulnerável à oscilação das tão elogiadas economias do Primeiro Mundo, agora se revelando com o Pior dos Mundos. O mercado externo se retrai e a Embraer lança mão da guilhotina, como se pudesse não dar satisfações, como se não tivesse compromissos a cumprir com os interesses nacionais e , dentre estes, o mais precioso é o povo trabalhador, que não pode ser sacrificado em razão de uma privatização que se revela criminosa do ponto de vista sócio-econômico.
Qual a saída? Os acionistas originários - o povo brasileiro - merecem respeito. Todo o esforço de décadas para a construção de uma indústria aeronáutica no país de Santos Dumont não pode simplesmente resultar numa verdadeira delinqüência social, em razão do colapso financeiro nos EUA que está longe de ter solução. Afinal, a delinqüência financeira permitida, tolerada, este cassino monetário, ainda tem 600 trilhões de capitais especulativos circulando artificialmente pelo mundo. O pacote do Obama é de apenas 1 trilhão. Ou seja, a quebradeira está longe de acabar.
A história ensina
Entretanto, se abrirmos os olhos para as lições que História oferece é possível sim perceber que há saídas, desde que haja arrojo para rupturas com estes laços de subordinação e esmagamento às economias em degringolada geral. Márcio Pochmann, em artigo no Valor Econômico, argumenta sobre a necessidade de um novo estado. Sim, foi assim que lá atrás, na década de 30, aquela crise serviu de alavanca para uma nova formatação de estado. Nacionalização do sub-solo, criação do Instituto do Açúcar e do Álcool para abrir a etapa da energia da biomassa que avança pelo mundo, mais tarde a Vale do Rio Doce, também construída com os recursos dos acionistas originários (Povo Brasileiro), depois a Siderúrgica Nacional, a Petrobrás, a necessária criação de direitos trabalhistas tirando o povo pobre da senzala do emprego-zero, o ensino público e gratuito e obrigatório. Era toda uma nova plataforma de país. O país arrancou. Sua arrancada foi interrompida em 1945 pela enganosa idéia da alternância do poder, na qual Dutra, eleito por Vargas com uma frase pronunciada entre um chimarrão e uma charutada, traiu clamorosamente tudo o que vinha sendo construído, entregando o país novamente à vassalagem colonial. Vargas volta pelo voto em 1950, voto que pedia a continuidade da plataforma nacionalista iniciada pela Revolução de 1930, quando o povo se levantou de armas nas mãos. Não dos porões escuros da repressão do Estado Novo, mas daquela etapa que dentro do processo contraditório vivido pelo país, via nascer também a Rádio Nacional e a Rádio Mauá, a Emissora do Trabalhador, o Instituto Nacional do Cinema, o do Livro, o do Teatro. Aquele programa econômico permitiu ao Brasil organizar uma das economias que mais cresceu em décadas sucessivas, ciclo interrompido em 1980. Segundo cálculos do professor Márcio Pochmann, se o programa econômico da Era Vargas tivesse se mantido......... hoje o Brasil seria a terceira maior economia do mundo. As ordens coloniais para destruir a Era Vargas foram muito claras.
Agora, os 4 mil trabalhadores demitidos da Embraer são um vigoroso chamado à consciência nacional, ao governo Lula, aos sindicatos, aos pensadores, aos militares nacionalistas que se empenharam na levantar aquela indústria aeronáutica, não para vê-la retroceder em favor das concorrentes internacionais de países que lançam mão de modo descarado da impressão - já não é emissão - impressão de papel pintado, moeda falsa, sem lastro, que os países que têm lastro em riqueza física são obrigados a engolir. Este desemprego em massa é um basta!
A re-nacionalização da Embraer, com a apuração de responsabilidades sobre o porquê, como e quem fez este crime de lesa-pátria da privataria é medida que torna-se obrigatória e só um presidente como Lula, com 84 por cento de apoio popular , como antes teve Vargas, possui a possibilidade histórica e política de adotar, convocando os brasileiros para sustentar perante o mundo tal gesto de soberania. Os bolivianos não apoiaram a Evo Morales na recuperação da soberania nacional sobre as riquezas minerais? Hoje a Bolívia sai das trevas neoliberais, começa a comer e já foi declarada pela Unesco “Território Livre do Analfabetismo”.
Integração
Junto com esta medida é indispensável que o presidente concretize a idéia que anunciou em encontro com presidentes da Unasul: uma empresa nacional de aviação, aliás, revendo a injustificável e insustentável falência da Varig. Como se pode entender que na era das comunicações, da globalização econômica, um país do porte do Brasil não tenha sua própria empresa aérea??? A Argentina acaba de recuperar a Aerolíneas Argentinas, esquartejada no entreguismo carnal de Menen. E a Venezuela também recém recriou a Empresa Aérea Nacional, a antiga Viasa, falida na tragédia neoliberal agora é a Aeroven.
Se não há mercado externo - e pelo tamanho e profundidade da crise nos países centrais do capitalismo, tão cedo haverá - é preciso criar mercado interno e mercado regional. O Brasil precisa ter sua própria empresa aérea nacional para vôos internos e internacionais. Quanto mais avancemos de fato na integração econômica, quanto mais progrida a Unasul, mais possibilidades e demandas haverá para o escoamento da produção de uma nova Embraer nacionalizada e redimensionada para as peculiaridades de um mercado de cidades de grande e médio porte, para vôos regionais, e também para as conexões sul-americanas, latino-americanas e com a África, sem a obrigação de pagar pedágio em aeroportos dos EUA e por uma empresa norte-americana, aliás, sustentada por moeda sem lastro.
Aerobrás
Se o BNDES, alavanca fundamental criada na Era Vargas, tem feito aporte de capitais para uma Embraer que destina sua produção ao exterior, também pode fazê-lo mas para recuperar o controle acionário para o Estado, consolidando a presença da Aeronáutica neste mecanismo de protagonismo, de um novo estado que precisa ser desenhado. E pode também financiar encomendas de aviões da Embraer para a Venezuela, a Bolívia, a Argentina, para o Irã, para Angola, além de criar através da empresa nacional de aviação uma possibilidade de acesso das camadas populares ao transporte aéreo, sobretudo na Amazônia, onde a cada ano centenas e centenas de brasileiros pobres são tragados pelas águas traiçoeiras de uma navegação insegura, precária, muitas vezes delinqüente.
Aprofundando a linha já adotada pelo governo Lula de fortalecimento do sistema financeiro público, dos mecanismos de financiamento da produção, da construção de obras públicas em grande escala, de elevação dos salários e dos valores de todos os programas sociais e benefícios, haverá um mercado interno mais robusto, portanto a criação de escala necessária, socialmente justificada, para uma empresa aérea nacional capaz de absorver a produção de uma Embraer novamente controlada pelos acionistas originários, o povo brasileiro. Para isto é indispensável que sejam criados mecanismos de participação dos trabalhadores na gestão desta nova Embraer, dotando-a de transparência, evitando esta guinada trágica para milhares de famílias de seus operários demitidos. De um dia para o outro a empresa cantada em loas como produtiva, rentável, exemplar, moderna, primeiro mundista mostra toda sua cruel fragilidade, sua selvageria laboral, numa guinada que seguramente poderia ter sido percebida com antecipação, evitada com medidas preventivas, o seria no mínimo obrigatório para empresa com forte sustentação de recursos do BNDES, recursos dos próprios trabalhadores, do FAT, agora usados para o seu sacrifício.
A alternativa está na nossa própria história. Um novo tipo de estado, a recuperação das empresas estratégicas, a consolidação de uma nova plataforma que permita ao Brasil distanciar-se cada vez mais da instabilidade monetária delinqüente do chamado primeiro mundo aloprado, das vacas-loucas e dos papéis pintados. Cada vez mais distante da cartilha neoliberal, com protagonismo de estado, com a formatação de um estado de novo tipo é que encontraremos o caminho soberano e autônomo para sair da crise, crescendo quanto mais crescerem os países da América do Sul. O chamado primeiro mundo é exatamente o pior exemplo. A alternativa está no sul, o nosso norte é o sul.
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