Guerra de R$ 5 bilhões no ar

Em entrevista a ÉPOCA, Jim Albaugh, presidente da divisão de defesa da Boeing, defende a americana em licitação do governo brasileiro para compra de caças.

Fonte: Revista Época - Murilo Ramos

Adriano Machado
"Podemos oferecer tecnologia. Podemos criar empregos. Podemos reforçar os laços com a indústria brasileira e ajudar para que ela faça, ainda mais, parte da indústria global da aviação", diz Jim Albaug defendendo a Boeing em licitação do governo brasileiro

No início de fevereiro, o governo anunciou os três aviões finalistas na concorrência para renovar a frota de caças da Força Aérea Brasileira (FAB): o Rafale, da francesa Dassault, o Gripen NG, da sueca SAAB, e o F-18 da americana Boeing. No estágio atual, oficiais da Aeronáutica estudam detidamente as características das aeronaves e analisam propostas das empresas de transferência de tecnologia e compensações comerciais para o Brasil. O programa da Aeronáutica, denominado F-X2, conta com cerca de US$ 2 bilhões (R$ 5,2 bilhões) para a aquisição de 36 aeronaves. Segundo o cronograma da FAB, os aviões começariam a ser entregues em 2014. Com a aproximação da decisão, cresce o vai-e-vem de representantes das empresas candidatas a Brasília na tentativa de alardear as qualidades das aeronaves e das propostas ao governo brasileiro.

Em dezembro, o presidente Nicolas Sarkozy esteve com o presidente Lula no Rio de Janeiro e tratou do assunto. No começo do mês passado, o presidente da SAAB, Ake Svensson, aterrissou no Brasil para conversar com autoridades. Na semana passada, foi a vez do presidente mundial da divisão de defesa da Boeing, Jim Albaugh, desembarcar em Brasília. Antes de um encontro com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, ele concedeu uma entrevista a ÉPOCA na quarta-feira (4). Afirmou que o F-18 atende às exigências do governo brasileiro, que a Boeing está pronta para entregar os aviões dentro do prazo e que o Brasil pode tirar proveito da transferência de tecnologia. Disse ainda estar entusiasmado com o encontro que o presidente Lula terá com o presidente Obama, na segunda quinzena de março. Albaugh, no entanto, não dá garantias de que as armas serão fornecidas – o governo americano costuma vetar a venda de alguns equipamentos – nem que o software gerenciador da aeronave será aberto ao Brasil. Abaixo os principais trechos da entrevista:

ÉPOCA – Qual o objetivo de sua visita a Brasília?
Jim Albaugh –
A razão de eu ter vindo ao Brasil é acompanhar mais de perto a concorrência, ajudar as pessoas a entender a importância da nossa participação e, óbvio, conversar com o nosso cliente potencial [o governo brasileiro]. A gente aproveita para falar com autoridades e também com possíveis parceiros da nossa empresa.

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ÉPOCA – Então o senhor veio conversar com o ministro da Defesa Nelson Jobim e com o comandante da Aeronáutica Juniti Saito?
Albaugh –
Nós geralmente não falamos com quem especificamente viemos conversar, mas é com autoridades e oficiais do governo que trabalham na concorrência [ÉPOCA confirmou que havia na agenda do ministro Nelson Jobim uma audiência com Jim Albaugh na quarta-feira].

ÉPOCA – O senhor acredita que o governo vai anunciar o vencedor até o final do ano?
Albaugh –
Pelo o que ouvimos até agora a decisão do governo brasileiro sobre o vencedor deverá sair lá pelo mês de outubro. Acho que a concorrência vem sendo conduzida de forma muito profissional e transparente. Imagino que não há razões para acreditar que o governo brasileiro não cumprirá o cronograma. Mas isso está completamente fora do nosso controle. Tudo o que podemos fazer é deixar claro nossos objetivos e tentar planejar uma parceria com as indústrias locais.

ÉPOCA – Na última vez que o governo brasileiro lançou um programa para renovar a frota (final do governo Fernando Henrique Cardoso) ele não foi adiante.
Albaugh –
Um das coisas que aprendi nesse negócio é ser extremamente paciente. Essa é uma decisão muito importante para o Brasil. Nos Estados Unidos também já tivemos muitos programas que foram cancelados e outros que foram amplamente reestruturados. Essas compras precisam ser conduzidas com planejamento e, claro, precisam de financiamentos. A crise econômica global é um complicador nessa conjuntura.

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ÉPOCA –
Em sua avaliação, qual é a importância do programa F-X2 para o Brasil?
Albaugh –
Os aviões atualmente em uso têm muitas horas de voo. São antigos. As exigências previstas na concorrência deixam claro que o governo quer revitalizar seu sistema de defesa. E estou certo de que nós [Boeing] temos capacidade de atender os desejos do governo brasileiro. Nosso avião é muito eficiente em ataques, apoio aéreo e reconhecimento. Um prova de sua capacidade é que a marinha americana está substituindo aviões mais antigos por esse modelo. Além do mais podemos garantir a entrega desses aviões no prazo estipulado. Nossa linha de produção está a todo vapor. Temos entregado entre quatro e cinco aviões desse modelo por mês. Até hoje nunca entregamos um avião fora do prazo combinado. Além disso, é um avião de baixo custo, bem como sua operação e manutenção.

ÉPOCA – Há espaço para empresas brasileiras no projeto da Boeing para o Brasil? Albaugh – Com certeza. Podemos também oferecer tecnologia. Podemos criar empregos. Podemos reforçar os laços com a indústria brasileira e ajudar para que ela faça, ainda mais, parte da indústria global da aviação.

ÉPOCA – Quantos F-18 voam ao redor do mundo atualmente?
Albaugh –
Existem mais de 300 entre os modelos existentes fornecidos à marinha americana. Em breve entregaremos o primeiro para a Austrália que fechou um contrato com a gente de 24 aeronaves. Estamos participando de concorrências em vários países.

ÉPOCA – No Brasil existe a desconfiança de que se a Boeing vencer ela não poderá fornecer armas para os aviões em função de vetos do governo americano.
Albaugh –
Nós fornecemos os aviões e conversamos muito com os órgãos do governo americano – como a Marinha, o Pentágono e o Departamento de Estado – para satisfazer as vontades dos nossos clientes. Acredito que temos tido sucesso até agora.

ÉPOCA – A Boeing vai abrir o código-fonte (programa utilizado para gerenciar a aeronave e suas funções) para o Brasil se vencer a disputa?
Albaugh –
Esse é realmente um assunto da responsabilidade do governo americano porque envolve tecnologia americana de mais de 35 anos. Estamos conversando em Washington e falando sobre as necessidades dos nossos clientes. Acho que estamos avançando.

ÉPOCA – A Boeing vai apoiar a Embraer na produção de unidades do F-18 no Brasil?
Albaugh –
Bom, ainda não decidimos exatamente como vai se dar a participação da indústria brasileira. E se tivéssemos decidido produzir o avião no Brasil, não diria a você porque essa é uma indústria muito competitiva, obviamente. É uma informação estratégica. O que posso garantir é que cumpriremos em 100% nossas obrigações de participação industrial, assim como já fizemos várias vezes em outros países. Já gastamos mais de US$ 29 bilhões na última década em 38 países em participação industrial. Empresas parceiras da Boeing estão conversando com 60 companhias brasileiras.

ÉPOCA – Além da Embraer, quais são as empresas que vocês estão procurando?
Albaugh –
Infelizmente não posso lhe dar a resposta, pois é estratégica nesse momento. Mas somos uma indústria aeroespecial. Precisamos de softwares, hardwares, equipamentos de rádio-comunicação, fontes alternativas de energia entre outras necessidades. No Brasil, há algumas empresas que podem nos ajudar nessa tarefa por terem capacidade. Estamos conversando com elas há cerca de um ano. Acreditamos que algumas já estão preparadas. Outras teriam de trabalhar conosco por mais tempo para estarem aptas.

ÉPOCA – Poderia dar um exemplo de país que se favoreceu por ter adquirido aeronaves da Boeing?
Albaugh –
Um exemplo é a Arábia Saudita. Como compensação pela compra de aeronaves F-15, uma empresa foi criada há 20 anos para fazer manutenção e reparos nos aviões. Hoje fatura cerca de US$ 300 milhões e mantém três mil empregados. E eles não trabalham apenas para a Arábia Saudita. Mas também para países vizinhos do Oriente Médio. É isso o que deixamos em outros paises; uma empresa capacitada provedora de serviços no mundo. É isso o que eu gostaria de obter num programa de compensação comercial se eu fosse o governo brasileiro.

ÉPOCA – O presidente Lula conversa há tempos como o presidente francês Nicolas Sarkozy sobre o F-X2. Mas o presidente Barack Obama só chegou agora. A França, com o Rafale, está na frente?
Albaugh –
Ahahaha. Bem. Obviamente quando você tem líderes dos países conversando sobre o assunto e colocando os detalhes em cima da mesa é uma situação interessante para os países. Os contatos que você têm são realmente importantes. Estou muito entusiasta com a notícia de que o presidente Barack Obama e o presidente Lula se encontrarão em breve (o encontro está previsto para o dia 14 de março). Se a renovação da frota brasileira vai ser objeto da conversa deles eu não tenho idéia.

ÉPOCA – Como descreveria o momento da aviação militar?
Albaugh –
Atravessamos um período de incertezas. Não sabemos por exemplo os rumos do orçamento do departamento de defesa dos Estados Unidos. Tem muita gente esperando os detalhes do orçamento para poder se programar. É preciso saber que programas serão apoiados e quais não serão.

ÉPOCA – Mas a expectativa é que o governo Obama reduza os gastos militares.
Albaugh –
Entendemos que a percepção das ameaças globais não mudou entre o dia 19 (último dia de George W. Bush na Casa Branca) e 20 de janeiro (primeiro dia de Barack Obama). Além disso, o presidente Obama já deixou claro que as questões da segurança e da defesa nacional são prioridades de seu governo.