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Operação França

Fonte: O Estado de S. Paulo - Por: Marcelo de Paiva Abreu, Ph.D. em economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio

Qualquer avaliação estratégica responsável da política de defesa do Brasil leva à conclusão de que é imperioso e urgente o reequipamento das três Forças singulares. Embora a vulnerabilidade brasileira em relação à fronteira sul seja atenuada pelo efeito combinado do declínio militar argentino e da melhoria das relações bilaterais nos últimos anos, a situação ao norte é crítica.

O desequilíbrio que já existia entre o Brasil e seus vizinhos amazônicos vem sendo intensificado pela aquisição de equipamentos modernos pela Venezuela e pela Colômbia, bem como pela instalação de bases norte-americanas na região. As recentes descobertas petrolíferas na costa brasileira tornaram ainda mais complexo o desafio enfrentado pelos estrategistas do governo.

Com base nas declarações governamentais sobre as compras militares recentes, praticamente todo o pacote foi definido com base na decisão crucial de conceder prioridade à construção de um submarino nuclear. Seu desenvolvimento, num prazo de pelo menos 12 anos, envolverá casco construído com tecnologia francesa e propulsão nuclear desenvolvida no Projeto Aramar, da Marinha. Da importância crucial atribuída pelo Brasil a esse projeto decorreram decisões em cascata que acabaram por afetar a compra de submarinos convencionais e de helicópteros de transporte militar. E, provavelmente, também a compra de 36 aviões de caça.

A compra de helicópteros franceses parece natural, dados os atuais equipamentos do Exército e da Marinha, a cooperação bilateral de longo prazo entre a França e o Brasil e a participação da Eurocopter na Helibras. Já a escolha dos submarinos convencionais Scorpène é mais controvertida. Muitos especialistas - mesmo os que não sublinham as incertezas que cercam o desenvolvimento da opção nuclear - não veem vantagem substancial dos Scorpène em relação a outras opções e têm dúvida quanto à fertilização cruzada de sua construção com o projeto do submarino nuclear.

Mas é em relação aos aviões de caça que a controvérsia se tornou mais intensa. O caça francês Rafale - concorrente do norte-americano F-18 e do sueco Gripen - é bem mais caro e não é melhor do que os concorrentes. O insucesso comercial em escala global atesta as suas debilidades: só a França comprou o avião. A justificativa para deslocar o F-18 baseia-se na alegada maior confiabilidade francesa quanto à transferência de tecnologia.

O ministro da Defesa brasileiro, Nelson Jobim, disse que, como advogado, trabalha com antecedentes e os bons antecedentes franceses contrastam com os dos norte-americanos. Dos pobres suecos não se fala: devem ter sido eliminados por seu compromisso com a neutralidade… A perfídia dos Estados Unidos seria comprovada pelo veto à venda, à Venezuela de Hugo Chávez, pela Embraer, de aviões Supertucanos recheados de equipamentos norte-americanos.

É certo que a política dos Estados Unidos em relação à cessão de tecnologia é duríssima, mas a memória do ministro quanto ao assunto não deveria ser assimétrica. O resultado da Guerra das Falkland/Malvinas dependeu crucialmente da capacidade argentina de otimizar o uso de seus poucos mísseis Exocet disparados em aviões Super Etendard, ambos de fabricação francesa.

O que dizem os antecedentes? Que, depois que o destroier HMS Sheffield foi afundado pelos argentinos, os códigos dos mísseis Exocet foram revelados à Grã-Bretanha por François Mitterrand, que não teve como resistir aos “olhos de Calígula e boca de Marilyn Monroe” da senhora Thatcher.

Há também antecedentes não muito brilhantes em relação à venda ao Brasil, por uma bagatela, do porta-amianto São Paulo (ex-Foch), apenas parcialmente “desamiantado” e ainda recheado de material tóxico. O descomissionado Clemenceau, irmão mais velho do Foch, já na condição de mero casco, foi objeto de enorme controvérsia relativa à tonelagem de amianto que carregava e às violações da Convenção de Basileia sobre movimentos de resíduos. Vendido para desmanche na Índia, teve de voltar por causa de problemas ambientais. Finalmente está sendo desmantelado na Grã-Bretanha. O que ocorrerá no não muito longínquo fim da vida útil do São Paulo? Quem vai pagar a conta?

Ainda segundo autoridades brasileiras, os franceses “não nos olham de cima para baixo”, em contraste com os norte-americanos. Fala mansa de vendedor e falta de arrogância são coisas diferentes, como revelam as declarações de Hervé Morin, ministro francês da Defesa. Ao rebater críticas ao compromisso, no bojo das negociações, de comprar de 10 a 15 dos planejados cargueiros KC-390, da Embraer, referiu-se ao avião como um “carrinho de mão voador” quando comparado ao Airbus A400M, seu possível concorrente. É improvável que a observação ajude as vendas futuras do KC-390.

Em meio aos embaraços provocados pela manifestação prematura de preferência pelos caças franceses, o presidente da República - em clima de “l"Etat c"est moi” - enfatizou que as decisões sobre as compras militares são essencialmente de natureza política e ressaltou a condição da França como parceira estratégica do Brasil.

Mas a reiterada ênfase governamental não mitiga dúvidas quanto ao assunto. O que poderia justificar essa parceria estratégica? Do ponto de vista econômico há um claro conflito de interesses, em particular em relação ao protecionismo agrícola. Aliança no G-20? Parece pouco. Os mais desconfiados poderiam pensar que quase tudo gira em torno do apoio francês às pretensões brasileiras na reforma da ONU. Mas custa acreditar que nossos estrategistas sejam tão simplórios e obcecados.