Uma aventura da ELO no Norte da Itália – 1944

Fonte: Revista Força Aérea - Ano 10 / Nº 38 - Via: Blog Sala de Guerra

O episódio descrito neste artigo, mesmo sendo um fato histórico ocorrido em 1944, não deixa de ser um “furo” de reportagem. Saiba como um piloto da 1ª ELO que participava da campanha da FAB nos céus da Itália na Segunda Guerra Mundial acabou tripulando um Westland Lysander III da RAF em uma missão secreta atrás das linhas inimigas.

Os aviões da Segunda Guerra Mundial que mais atraem a atenção costumam ser os caças Spitfire, os Me-109, os P-51, os P-47, os Zero, todos nomes que qualquer entusiasta da aviação reconhece logo; ou então são bombardeiros que tiveram papéis dramáticos, como os Lancaster, os B-17 e os B-24 do bombardeio da Alemanha, o B-29 que arrasou o Japão e lançou as bombas atômicas, ou o velho Heinkel He-111 da Blitz contra Londres. Bem menos gente ouviu falar sobre o Westland Lysander, um monomotor de asa alta com trem de pouso fixo, criado pela Real Força Aérea britânica (RAF) para a bem menos nobre função de “cooperação” com o Exército.

O conceito de um avião leve e pouco armado como o Lysander estava errado, porém, assim como a idéia de “cooperação” da RAF teria de ser modificada pela realidade. A Segunda Guerra Mundial logo demonstrou que o verdadeiro apoio tático que uma Força Aérea dá a um Exército na linha de frente necessita de aviões mais robustos. O Lysander tinha uma velocidade máxima de apenas 341 km/h. O armamento era também demasiado leve: duas metralhadoras de calibre 7,7 mm disparando para a frente, localizadas nas “polainas” das rodas do trem de pouso. Ele podia levar também mais duas metralhadoras como essas na parte de trás da cabine e bombas leves, de menos de 50 kg, em suportes fixados nas “polainas”.

A inadequação do Lysander para o combate moderno ficou patente logo no começo da guerra. Desde o começo do conflito na Europa, em setembro de 1939, até a Blitzkrieg alemã que conquistou a França em maio de 1940, foram perdidos 118 desses aviões.

Na falta de coisa melhor, a RAF foi usando os seus Lysander na linha de frente do Oriente Médio até serem substituídos por modelos melhores. Ainda havia centenas de Lysander na RAF. Era mais comum então que fossem usados para reconhecimento, mas depois que surgiram melhores aviões para a tarefa, o Lysander passou para missões bem menos arriscadas, como reboque de alvos para treinamento ou a busca de pilotos caídos no mar.

Mas como todo avião tem sempre uma qualidade, mesmo que escondida, o Lysander encontrou sua vocação: avião para apoio de operações especiais. Sua capacidade de operar em pistas de pouso simples e de pousar e decolar em pistas curtas fez dele o avião ideal para levar e trazer agentes para a Europa ocupada pelos nazistas. A asa alta e uma cabine bem envidraçada davam a ele uma visibilidade excelente. De repente o avião que tinha sido relegado à segunda linha voltou a fazer parte de um time titular, sob o comando do da organização britânica Special Operations Executive [SOE]. O Lysander voltou à linha de frente da guerra contra o Terceiro Reich.

Foi um avião desses que um piloto da 1ª ELO (Esquadrilha de Ligação e Observação) voou, por acaso, naquela que provavelmente foi a única missão desse tipo feita durante a guerra por um aviador brasileiro.

A 1ª ELO era a unidade da FAB cuja função era tanto o reconhecimento da linha de frente como observação de tiro para as unidades de artilharia da Força Expedicionária Brasileira (FEB). O equipamento da esquadrilha era o pequeno Piper Cub L-4H de fabricação americana. O L-4 era um avião ainda menos imponente que o Lysander. Tinha motor de 65 hp e era capaz de voar a 75 milhas por hora (120 km/h) em velocidade de cruzeiro. Sua velocidade máxima era de 85 milhas por hora (137 km/h). O teto de serviço era de 9.300 pés (2.835 metros). Seu alcance de vôo era de 306 km. Vazio, pesava somente 331 kg! Envergadura de 10,74 metros, comprimento de 6,71 metros, altura de 2,03 metros e uma área de asa de 16,63 metros quadrados completavam a lista de dados técnicos pouco impressionantes desse avião que os brasileiros apelidaram de “teco-teco”.

Perto disso, até o Lysander fazia bonito. O modelo que a RAF usava para aquele trabalho era basicamente o Lysander Mark III, com um motor de 870 hp, velocidade máxima de 341 km/h a 5.000 pés (1.525 metros). O teto de serviço era de 21.500 pés (6.555 metros) e o alcance era três vezes maior que o do pequeno L-4: 600 milhas (966 km). O peso do avião era bem maior, 1.980 kg vazio. Envergadura de 15,34 metros, comprimento de 9,30 metros, altura de 4,42 metros e área de asa de 24,15 metros quadrados são dados que mostravam que o Lysander, apesar de também ser um avião leve, era bem mais robusto que o L-4 da ELO.

Esses dados são úteis para colocar em perspectiva a sensação pela qual passou o Segundo-Tenente Aviador Darci da Rocha Campos [66 missões de observação, foto à esquerda], que de um minuto para o outro teve que fazer uma missão noturna em um Lysander. Não só o avião era bem mais potente, mas o tipo de missão era diferente. Apesar de terem experiência com vôos noturnos, os pilotos da ELO faziam missões apenas de dia, pois sua função era de observação.

A missão de Darci começou quando ele e seu colega, 2º Ten. Av. Carlos Alberto Klotz [68 missões de observação], foram enviados de caminhão até Florença para obter suprimentos, no período em seguida ao Natal de 1944 e o ano novo. Klotz dirigia. Já chegando à cidade, começou a passar mal e terminou hospitalizado por alguns dias. Par obter ajuda, Darci acabou entrando em contato com os britânicos. Ao descobrirem que ele era piloto, terminou recrutado para uma missão especial.

"Eles tinham perdido onze aviões, só havia aquele que eu voei e estavam sem pilotos naquele momento", disse Darci. A falta de aviões leves entre os britânicos fez com que a própria ELO fizesse vôos de observação para a artilharia britânica em várias ocasiões [observadores ingleses voaram com os pilotos da ELO em 22 missões].

O Lysander é um avião de dois lugares. O passageiro de Darci era um agente britânico, provavelmente um sabotador, vestido a caráter: todo de preto, capuz deixando apenas os olhos de fora, repleto de equipamentos pelo corpo.

Não foi difícil se acostumar com o novo avião. "O Coronel chamou o Sargento, que me mostrou o avião. Os instrumentos eram padrões. O Sargento deu a partida e eu e meu passageiro fomos adiante, eu seguindo o rumo que me tinha sido dado", continuou Darci.

Assim como a decolagem, às 19h45m, foi sem problemas, o vôo noturno sobre a paisagem coberta de neve também foi tranqüilo. "A noite estava limpa, estava tudo cheio de neve. O Lysander era um avião extraordinário, robusto", comentou o aviador brasileiro.

O rumo entregue a Darci fez com que o Lysander voasse bem dentro das linhas alemãs, passando entre as montanhas e chegando mesmo bem perto da fronteira italiana com a Áustria. "Eu via de longe, à esquerda, o Lago di Como", disse o Tenente da ELO. Pelo tempo de vôo transcorrido da decolagem até o momento em que o "passageiro" saltou de pára-quedas, de 45 minutos a uma hora, e pela localização de Florença, é possível deduzir que o ponto de "desova" era bem próximo da fronteira.

De repente o passageiro deu um tapinha nas costas do piloto e apontou para luzes no chão, seu "comitê de recepção". Darci passou sobre as luzes, o agente saltou. O brasileiro abriu a janela e gritou "boa sorte", em inglês.

Para a volta, tinham prometido que o Domo de Florença estaria iluminado. "Voltei rezando para que estivesse", afirmou o piloto. Estava. A pista fora tornada visível pelo farol dos caminhões. O pouso também foi fácil. "O Lysander podia pousar e decolar em pistas bem curtas", salientou Darci.

Tempos depois, o comandante da artilharia da FEB, General-de-Brigada Oswaldo Cordeiro de Farias, recebia um agradecimento do Comando inglês pela ajuda do piloto da 1ª ELO.