Usina no Irã é imprópria para uso civil
Instalação não teria capacidade de produzir eletricidade, mas abrigaria centrífugas suficientes para enriquecer urânio
Andrei Netto - Estadão
A declaração conjunta de Estados Unidos, Grã-Bretanha e França na reunião do G-20 só foi possível porque os serviços secretos dos três países chegaram a informações semelhantes de que a usina de enriquecimento de urânio, na cidade de Qom, não só existe, como teria sido projetada para fins militares.
Segundo o governo de Mahmoud Ahmadinejad, a usina ainda não entrou em operação e teria capacidade de enriquecer urânio em 5%, nível insuficiente para a produção de uma bomba nuclear. Mas, como o país não permite a entrada de inspetores da AIEA, não há como verificar a garantia iraniana. Além disso, o fato de a usina abrigar 3 mil centrífugas para enriquecimento de urânio - uma quantidade reduzida para alimentar um programa civil, que necessita de milhares de centrífugas - também provoca o receio de que esconda um programa nuclear militar.
De posse dessas informações, o presidente francês, Nicolas Sarkozy, não hesitou ontem em juntar-se aos governos americano e britânico nas advertências contra o Irã. A posição de Sarkozy é inversa à assumida pela França em novembro de 2002, quando a declaração de guerra contra o Iraque de Saddam Hussein foi avaliada no Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Uma verdadeira rede de espionagem foi organizada pelos três países para montar o quebra-cabeça sobre a usina de Qom, uma cidade de 1 milhão de habitantes localizada a 150 km de Teerã.
Situada às margens da rodovia Qom-Aliabad, a usina foi construída, segundo os serviços secretos, em uma antiga fábrica de mísseis da Guarda Revolucionária do Irã, o que só aumenta as suspeitas sobre os supostos "fins civis" do programa nuclear iraniano.
Segundo as agências de espionagem - a americana CIA, a britânica MI6 e a francesa DGSE -, a fábrica está em construção há mais e quatro anos e não estaria em funcionamento. Parte das informações foi confirmada pelo Irã na carta enviada à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), na segunda-feira.
Na dúvida sobre o objetivo da usina, as agências de espionagem dos três países alertaram seus líderes políticos. "Os três serviços secretos chegaram às mesmas informações", afirmaram fontes do governo francês ligadas à investigação a um grupo de jornalistas, ontem, em Paris. "A busca desses dados foi feita de forma unilateral. Cada organismo vinha levantando informações sobre a natureza do programa nuclear iraniano. Quando tivemos convicções sólidas, precisas, entramos em contato e trocamos informações."
ESCONDERIJO
A região de Qom, montanhosa e desértica, dificultou a infiltração de agentes estrangeiros. O acesso ao local já era considerado muito complexo por causa da vigilância do governo de Ahmadinejad. "A obtenção de informações no Irã, em especial naquela área, não é nada simples. Mas a localização, pelos três serviços secretos, de uma instalação industrial física, secreta, mas visível, permitiu que chegássemos a algumas certezas semelhantes."
Com o cruzamento de dados obtidos por Washington, Londres e Paris, afirmam as mesmas fontes, ficou claro o risco de que se trate de uma instalação capaz de produzir ogivas nucleares. "Durante 1.204 dias, esta usina de enriquecimento de urânio existiu de forma clandestina", lembram os especialistas. "O governo iraniano, então, envia uma carta de duas linhas à AIEA afirmando que a usina de Qom existe. Mas o fato é que mentiu, trapaceou e enganou por quatro ou cinco anos as organizações internacionais ao afirmar que só mantinha a usina de Natanz", disseram as fontes ligadas ao caso.
NOVAS SANÇÕES
Depois de se opor à guerra do Iraque, o governo francês agora indica estar disposto a ir às últimas consequências, ao lado dos EUA, da Grã-Bretanha e de outras potências, contra o programa nuclear iraniano.
Na quarta-feira, os ministros das Relações Exteriores da França, Bernard Kouchner, e da Defesa, Hervé Morin, vão se encontrar em Moscou com seus homólogos e o presidente russo, Dmitri Medvedev. A intenção é aproximar cada vez mais os discursos dos cinco países-membros do Conselho de Segurança e da Alemanha, caso seja necessário aprovar sanções econômicas contra o Irã.
"Um Oriente Médio nuclearizado seria problemático também para a Rússia. Não estamos 100% de acordo com suas táticas, mas a verdade é que os russos sempre fizeram seu papel no dossiê iraniano", disseram as fontes do governo francês.
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