Os africanos que lutaram na Segunda Guerra

Fonte: BBC News, 9 de novembro de 2009 - Via Sala de Guerra


O 70º aniversário da Segunda Guerra Mundial está sendo comemorado por todo o mundo, mas a contribuição de um grupo de soldados é quase universalmente ignorada. Quantos se lembram do papel de mais de um milhão de tropas africanas?

Mesmo assim, eles lutaram no deserto do Norte da África, nas selvas da Birmânia e sobre os céus da Alemanha. Um grupo de veteranos que encolhe, muitos agora vivendo na pobreza, amargurados de terem escrito a história.

Para a África, a Segunda Guerra Mundial não começou em 1939, mas em 1935.

Tropas Fascistas Italianas, apoiadas por milhares de forças coloniais da Eritréia, invadiram a Etiópia. O Imperador Haile Selassie foi forçado a fugir para a Grã-Bretanha, mas outros, conhecidos como patriotas, continuaram a luta. Entre eles estava Jagama Kello. Com 15 anos na época, ele deixou sua casa para montar uma guerrilha que atacou os invasores italianos.

Mein Kampf

Outros africanos aprenderam o que o fascismo poderia significar para eles. Eles esses, estava John Henry Smythe de Serra Leoa. Seu professor deu-lhe de presente o livro de Adolf Hitler, “Mein Kampf”.

Nós lemos o que esse homem iria fazer aos negros se ele chegasse ao poder. E ele atacou os ingleses e americanos por encorajarem os negros a se tornarem médicos e advogados”, disse o Sr. Smythe. “Era um livro que colocaria qualquer negro em alerta”.

Ele voluntariou-se para a Royal Air Force, tornou-se um navegador e voou em bombardeiros sobre a Alemanha. Outros tiveram uma visão similar.

Joe Culverwell, que foi lutar pela liberação do Zimbábue, voluntariou-se no dia que a guerra foi declarada, em 1939. “Não se esqueça que naquela época éramos leais aos ingleses – por mais estúpido que isso possa soar hoje”, diz. “Passamos por lavagem cerebral para nos sentirmos pequenos ingleses marrons”.

Outros foram convocados. Eles eram escolhidos quando iam visitar um mercado local ou sob ordens de um chefe local. E muitos descobriram que, uma vez alistados, foram muito maltratados. A realidade da vida militar dos soldados negros como a do nigeriano Marshall Kebby era muito diferente da propaganda.

Como um soldado colonial eu tive um tratamento muito ruim. Na época não tínhamos nenhum oficial nigeriano, todos eram ingleses. E muitos de nós nos revoltamos contra a injustiça, no que posso chamar de inumanidade do homem para com o homem”.

“Inferno”

Mas uma vez que a luta começasse, havia pouco tempo para protestar. Para homens como o Sr. Culverwell, servindo na Somália, ser bombardeado pelos italianos foi uma experiência aterrorizante.

Ah, aquilo foi o inferno. Todos tínhamos trincheiras. Nunca senti tanto medo na minha vida. Eles jogaram as bombas a 100 metros de mim. Não ousávamos nem mesmo olhar pra cima, sabe”.

O Sr. Smythe tomou parte nos bombardeios em território inimigo. Mas na noite de 18 de novembro de 1943 seu avião foi derrubado sobre a cidade alemã de Mannheim. Ele passou 18 meses como prisioneiro em um campo, onde os alemães tentaram conseguir informações dele.

Você deve usar instrumentos especiais para navegar até aqui”, disse o interrogador alemão. “Ele me disse: ‘Sabe, estão pensando se te executam amanhã ou não. Porque você, um negro, não devia se envolver numa guerra de brancos’”.

Encontrando Gandhi

No outro lado do mundo, o Sr. Kebby estava encontrando indianos. Entre eles estava o líder do movimento pela Índia independente, Mahatma Gandhi, que estava falando a uma multidão de um milhão de pessoas em Madras. O Sr. Kebby prosseguiu seu caminho para o front.

Foi uma das maiores coisas que fiz como soldado. Cumprimentei Gandhi com uma saudação militar e o perguntei: ‘O que fará pela África agora que a Índia será livre?’”

Ele disse: ‘a Índia não fará nada por você. Mas a Índia irá dar apoio moral com a condição de que confronte os ingleses de forma não-violenta’”.

Em 1945 a guerra havia terminado, e as tropas africanas haviam ajudado os Aliados a derrotar os poderes da Alemanha, Itália e Japão. O Sr. Culverwell se lembra de falar com outros soldados negros que conheceu sobre o que aconteceria com eles agora. “Costumávamos ter longas conversas sobre o problema da cor e estávamos determinados a não ser mais tratados daquela maneira”.

Guerreiros da liberdade

Mas para a maioria dos africanos, a independência ainda estava a 15 anos no futuro. Nesse meio tempo, os veteranos tiveram que voltar para casa e arrumar um emprego. Muitos encontraram pouca gratidão por seus anos de serviço e não acharam trabalho.

Em fevereiro de 1948 os veteranos de Gana, entre eles Kalimu Glover, fizeram uma petição ao governador. Mas ao invés de recebê-los, a polícia abriu fogo. Isso disparou uma onda de ódio nas ruas de Accra.

Após o tiroteio, resolvemos destruir todas as coisas britânicas na cidade. Pegamos pedras e paus para destruir as lojas. Quebramos todas elas. Aqueles foram dias maravilhosos: fevereiro de 1948, sábado e domingo”.

O Sr. Kebby está convencido de que ele e outros ajudaram a encerrar o domínio colonial. “Todo soldado que foi para a Índia voltou com novas idéias e aprendeu novas coisas. Nós voltamos com melhores idéias sobre a vida. Nós, ex-soldados, demos a este país a liberdade da qual desfruta hoje. Conseguimos esta liberdade e a demos ao nosso país”.