Direito de todos, privilégio de poucos
Qualquer cidadão brasileiro pode se candidatar a viajar sem custo em um dos aviões da FAB. Mas é quase impossível embarcar. Apadrinhados por militares de alta patente costumam passar à frente na lista de espera, que é organizada por prioridades
Muita gente não sabe, mas viajar para qualquer lugar do Brasil sem nenhum custo é possível. Por meio de uma inscrição feita sem muita burocracia numa sala do Correio Aéreo Nacional (CAN)(1), que fica no VI Comando Aéreo Regional (VI Comar), localizado na QI 5, Área Especial 12 do Lago Sul, qualquer cidadão brasileiro pode se candidatar a embarcar em um dos aviões da Força aérea Brasileira (FAB). Na teoria, deveria funcionar assim, mas na prática é bem diferente. Além do serviço ser pouco divulgado, entrar na lista de passageiros das aeronaves militares sem ter um “padrinho” de alta patente nos quadros das Forças Armadas é uma missão quase impossível. Qualquer cidadão brasileiro pode se candidatar a viajar sem custo em um dos aviões da FAB. Mas é quase impossível embarcar. Apadrinhados por militares de alta patente costumam passar à frente na lista de espera, que é organizada por prioridades
O artista circense Facundo Molina tentou entrar na lista do CAN, mas a resposta de um soldado foi frustrante: “Ele disse que minha chance era zero”
No CAN, existe uma lista de prioridades (veja quadro), que, não raras vezes, é atropelada por coronéis e brigadeiros que usam a autoridade para incluir na relação amigos e pessoas que teriam poucas chances se a ordem de chamada fosse seguida à risca. A reportagem do Correio conversou com um militar que já prestou serviço no CAN de Brasília e hoje trabalha em outra unidade. Segundo ele, que pediu anonimato, praticamente todas as semanas saem voos. O destino da maioria deles é o Rio de Janeiro. Os aviões decolam em missão, normalmente transportando cargas, e os assentos vazios deveriam ser preenchidos por pessoas inscritas, de acordo com as prioridades. O militar explica que uma lista de passageiros do CAN é modificada várias vezes por causa da interferência de oficiais. “Os soldados que trabalham no CAN têm a missão de ligar para quem fez inscrições. Depois que confirmamos todos os passageiros, os oficiais começam a telefonar exigindo a inclusão de fulano e sicrano. Os meninos (soldados) têm que ligar para a pessoa e explicar que o nome dela foi retirado da relação porque um oficial teve que colocar a filha com as amigas ou um colega. Isso é muito constrangedor”, afirma.
Os aviões com passageiros do CAN decolam da Base aérea de Brasília (BABr). De acordo com um ex-soldado que trabalhou por quatro anos no CAN, é comum, por determinação de oficiais, que a relação seja alterada momentos antes do embarque. “Acontecia muito de chegarmos à Base e, quando nos preparávamos para iniciar a chamada dos passageiros, alguém ligava e mandava incluir uma ‘peixada’. Tínhamos que relacionar esse novo passageiro às pressas e sacrificar o passageiro com a prioridade mais baixa. Às vezes, a pessoa que tínhamos que tirar da relação era alguém que precisava muito viajar e não tinha condições de pagar passagem. Eu ficava com raiva disso, mas tinha apenas que obedecer ordens”, disse o rapaz, que também preferiu não ter seu nome divulgado.
Sem chance
O artista circense Facundo Molina, 25 anos, ficou sabendo por um amigo que a FAB oferece um serviço de carona gratuita. Era sua chance de conseguir ir ao Sul do país sem pagar passagem. “Fiquei muito animado com a notícia. Meu objetivo era ir ao Sul e depois pegar um avião para a Argentina”, contou.
Porém, sua expectativa foi frustrada ao conversar com o soldado responsável por fazer a inscrição. “Ele disse que minha chance era zero. Pediu para que eu fosse até o gabinete do Comando da Aeronáutica e tentasse por lá”, lamentou. Facundo seguiu a sugestão e ligou para o número do órgão máximo da Aeronáutica. Mal conseguiu explicar sua situação, ouviu o questionamento do atendente. “O senhor conhece alguém na Força aérea?”. Diante da resposta negativa de Facundo, o homem completou: “É muito difícil”. “Vou tentar ir lá (Comando). Quem sabe eles não ficam sensibilizados com minha situação”, completou.
A indiferença com que Facundo foi recebido pelos militares da FAB nem de longe lembra o tratamento vip dado ao filho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fábio Luiz Lula da Silva. Em outubro do ano passado, um Boing 737 de prefixo 2116 da FAB, conhecido como Sucatinha, estava prestes a pousar em Brasília quando o piloto da aeronave, atendendo a ordens superiores, foi obrigado a voltar a São Paulo (de onde havia decolado) para embarcar Fábio com mais 15 acompanhantes. No avião estavam dezenas de militares a serviço, que foram orientados a ocupar os últimos assentos do Boing para que os passageiros ilustres ficassem à vontade. Diante da polêmica, a Presidência da República alegou que as 16 pessoas eram convidadas do presidente Lula e não de seu filho.
Por e-mail, o Centro de Comunicação Social da Aeronáutica enviou esclarecimentos sobre o serviço de passagens oferecidas pelo CAN. No texto, assegura que qualquer pessoa pode se inscrever. “Para isso, deve comparecer a um Posto CAN de origem, preenchendo uma ficha de inscrição e anexar cópia da identidade e cópia de um comprovante de residência.” Se o interessado for menor de 18 anos, os pais ou responsável legal devem pleitear a vaga por ele, “mediante a apresentação de documentos comprobatórios.” Além disso, informa que a viagem está condicionada à disponibilidade de vôos e do tipo de missão da Força aérea para o destino desejado, assim comom o número de vagas à disposição do CAN.
1 - Integração
O Correio Aéreo Nacional (CAN) surgiu em 1931. Sua missão é integrar as diversas regiões do país e permitir a ação governamental em comunidades de difícil acesso. Os mantimentos que o Brasil envia para países que necessitam de ajuda, como o Haiti, são organizados nos hangares do CAN em todo o Brasil. Em Brasília, o CAN fica no VI Comando Aéreo Regional (VI Comar), localizado na QI 05, Área Especial 12 do Lago Sul. Mais informações podem ser obtidas pelos telefones 3365-1002 ou 3364-8105.
Prioridades para viajar nos aviões da FAB
(1) Saúde / Internação
(2) Militares da FAB a serviço
(3) Saúde (consulta ou tratamento)
(4) Concedida pelo comandante do VI Comar
(5) Militares da ativa da FAB em férias, núpcias, luto, licença especial ou licença do serviço com a apresentação de boletins
(6) Militares da FAB e seus dependentes que o acompanhem
(7) Dependentes de militares do FAB da ativa e da reserva
(8) Militares da Marinha, Exército a serviço, mediante solicitação do comandante da Organização Militar
(9) Militares das Forças auxiliares (Polícia Militar e Corpo de Bombeiros) a serviço, mediante autorização do comandante da Organização Militar
(10) Afastamento temporário de militares da Marinha e Exército da ativa e da reserva e seus dependentes que os acompanhem
(11) Militares das Forças auxiliares e seus dependentes que os acompanhem
(12) Servidores Civis da FAB e seus dependentes que os acompanhem
(13) Concedida aos civis em geral
Por Saulo Araújo - Correio Brasileinse - Via NOTIMP/FAB
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