A opção de dizer “não” aos Estados Unidos e a outras nações industrializadas é um dos indicadores de que o Brasil emerge não apenas como líder regional na América do Sul, mas também como um poder global no cenário mundial.
Esta nova realidade se revela pelo destacado papel que Lula, o carismático presidente brasileiro, vem desempenhando em fóruns internacionais como o G-20. Uma recente matéria do Los Angeles Times parece sublinhar o crescente perfil do Brasil e de Lula: “Sustentado por uma robusta economia e por sua habilidade de trabalhar com líderes de todo espectro ideológico, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva emerge na América do Sul como um interlocutor e um mediador poderoso”.
O cenário global O anseio do Brasil em tornarse um protagonista no cenário global ficam evidentes na aspiração brasileira em tornar-se membro do Conselho de Segurança da ONU e em sua disposição de ajudar a reescrever as regras do sistema financeiro global.
Em 1993, Brasil e Índia se organizaram nas Nações Unidas para opor-se à entrada do Japão e da Alemanha como novos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU. Eles argumentaram, com sucesso, que a indicação apenas do Japão e da Alemanha acentuaria o poder das nações industrializadas em detrimento das nações em desenvolvimento.
Segundo eles, isto iria acentuar as desigualdades existentes, historicamente, no Conselho de Segurança. O embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Antonio de Aguiar ,enfatizou: “Se a Alemanha e o Japão tivessem sido incluídos, aumentaria o desequilíbrio, no Conselho de Segurança, a favor do mundo desenvolvido – não haveria representantes da África ou da América Latina. Nós tivemos sucesso em evitar que isso acontecesse, reconfigurando o debate”. Desde essa época, o Brasil tem se empenhado consistentemente em conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança.
O presidente Lula confirmou seu objetivo dizendo: “Queremos que mais continentes participem do Conselho de Segurança. O Brasil deveria ter uma cadeira, e o continente africano deveria ter uma ou duas”.
O presidente francês, Nicolas Sarkozy, apoiou esta posição, dizendo que o Brasil tem um papel vital a desempenhar na tomada de decisões relacionadas à crise financeira. Sarkozy declarou: “Estou sendo honesto quando digo que precisamos do Brasil no governo do mundo”, e disse ainda: “Penso que necessitamos do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança”.
Como a maior nação e a mais poderosa economia da América do Sul, o Brasil tem sido frequentemente chamado o “país do futuro”: agora está preparado para assumir o seu potencial.
Goldman Sachs, por exemplo, argumenta que, em 2050, o Brasil será a quarta economia do mundo, ultrapassado apenas por China, Estados Unidos e Índia, respectivamente. Assim, o Brasil procura ampliar seu papel nos negócios econômicos globais. É membro do Bric, um grupo das quatro maiores economias em desenvolvimento no mundo (Brasil, Rússia, Índia e China).
O embaixador brasileiro Antonio de Aguiar Patriota alega que o que começou em 2001, simplesmente como uma sigla, evoluiu para um grupo formal e coordenado, com os presidentes de cada país do grupo se reunindo em uma cúpula anual.
Como estão se desenvolvendo rapidamente, as economias combinadas dos países do Bric deverão eclipsar as economias combinadas dos países mais ricos do mundo. Após o encontro de março de 2009 dos ministros das finanças do G-20, os países membros do Bric lançaram o seu primeiro comunicado conjunto enfatizando que Brasil, Rússia, Índia e China deveriam ter maior expressão nas organizações internacionais.
A nova postura agressiva do Brasil foi reforçada pela crise econômica internacional deflagrada pelo colapso financeiro nos Estados Unidos. Enquanto grande parte do mundo luta, o Brasil parece estar se saindo bem.
De acordo com matéria de julho de 2008 do New York Times, “o Brasil finalmente pensa em realizar o seu tão esperado potencial como um protagonista global.
Economistas dizem que o país vive sua maior expansão econômica em três décadas... e uma expansão econômica que deve durar. Enquanto os Estados Unidos e partes da Europa lutam com a recessão e a falência do setor imobiliário, a economia do Brasil mostra poucas das vulnerabilidades de outros poderes emergentes”. O Times continua, dizendo que o Brasil “diversificou muito a sua base industrial, tem enorme potencial de expandir seu setor agrícola em direção a terras virgens e tem um imenso potencial de recursos naturais. Novas descobertas de petróleo vão colocar o Brasil nas fileiras dos produtores deste recurso na próxima década”.
Como resultado da crise, o presidente Lula insiste que nações emergentes, como o Brasil, merecem agora maior influência no desenho de novas regras de gerenciamento de instituições financeiras internacionais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.
O embaixador Patriota enfatiza também a nova natureza “multipolarizada” das relações entre as economias desenvolvidas e emergentes do mundo.
Havia uma realidade, diz Patriota, quando o mundo acreditava que “os americanos compreendem o capitalismo, que eles sabem o que estão fazendo.
Mas após o colapso do sistema financeiro... os americanos mostraram que não sabiam o que estavam fazendo. Então, devemos seguir os conselhos americanos (em questões econômicas)? Não, faremos o que pensamos ser o melhor”.
O desejo do Brasil em desempenhar um papel maior no cenário global é evidente. De acordo com a Global Research, “o Brasil está seriamente empenhado em solidificar seu papel como poder regional, o que é um passo decisivo que propiciará uma posição de maior poder”. A Global Research também aponta que se quisermos projetar o equilíbrio de poder no globo no fim deste século, o Brasil terá que ser levado em conta.
De qualquer forma, antes que possa assumir completamente seu papel como um protagonista importante no cenário mundial, o Brasil precisa reformar suas instituições, segundo Roberto Mangabeira Unger, ex-ministro do Planejamento. O ministro Unger se licenciou de seu cargo como professor da Faculdade de Direito da Universidade de Harvard para assumir o compromisso de ajudar a “formular um projeto para o futuro do país”. Entre outras coisas, Unger “propõe um novo modelo de desenvolvimento para certas regiões menos desenvolvidas – como o Amazonas, o Nordeste e o Centro-Oeste – baseado na ampliação de oportunidades”.
O projeto de reforma do Brasil, segundo Unger, exige que o país “aprenda a fazer o que nós raramente fizemos em nossa história, que é renovar nossas instituições, inclusive as que definem o mercado e a democracia”.
Unger acredita que a atual transformação no sistema financeiro e econômico mundial exige, na esfera internacional, a mesma espécie de reexame necessário dentro das fronteiras do Brasil, e acrescenta: “Nosso projeto nacional coincide com a mudança de foco no mundo todo, a competição entre o Estado e o mercado, que dominou a discussão mundial por 200 anos, está morta ou morrendo.
Está no processo de ser substituída por um novo conflito e uma nova controvérsia sobre arranjos institucionais alternativos de mercados e democracia.
Assim, nossa condição nacional, em um sentido profundo, coincide com a condição do mundo.” Ações recentes do Brasil a respeito de suas Forças Armadas e defesa nacional também indicam o desejo de tornar-se um maior poder.
Primeiro se coloca a nova estratégia de defesa nacional para o Brasil, com a coautoria de Unger e revelada pelo presidente Lula em dezembro de 2008. A estratégia enfatiza a modernização das Forças Armadas e determina que o país se torne mais independente de tecnologias militares de outros países. Ao mesmo tempo, destaca a reorganização da indústria de defesa da nação, focalizando a criação de parcerias com outros países, dando ao Brasil maior conhecimento a respeito de tecnologias de defesa.
Segundo, o Brasil assinou com a França um acordo de defesa de US$ 12 bilhões que proporciona ao país tecnologia para desenvolver sua própria indústria de armas, segundo o New York Times. O embaixador Patriota aponta que “a América do Sul é uma das áreas menos armadas do mundo”, e deve modernizar seu armamento.
Patriota pensa que Sarkozy fez uma “aposta” em que o Brasil é o mais “confiável” e o mais previsível dos países emergentes do Bric. A França, segundo Patriota, tem um interesse antigo em uma “sinergia” com o Brasil para desenvolver a indústria de armamento. Patriota explica que “o Brasil tem uma capacidade de produção de larga escala e uma sociedade mais avançada que permitirá uma fertilização cruzada. Tivemos uma crescente indústria de armamento no passado... e agora a temos novamente”.
Não obstante, a ênfase brasileira em nova tecnologia militar cria alguns problemas. Tecnologia avançada, particularmente a tecnologia que é considerada de uso duplo (que tem aplicações civis e militares) provocou críticas nos Estados Unidos.
Historicamente, houve certa resistência do governo braao que era percebido como uma “opressiva” influência americana sobre “as questões internas dos aliados”. A diferença agora, particularmente na administração Lula, é que o Brasil sentese mais confortável em afirmar publicamente sua independência das pressões americanas.
Durante anos, o Brasil indicou sua intenção de planejar e construir seu próprio foguete e tornar o campo de lançamento de Alcântara um centro espacial internacional para o lançamento de satélites comerciais. Por mais de uma década, o governo dos Estados Unidos pressionou o Brasil para coibir seus esforços em tecnologia de lançamento.
Para ganhar a aquiescência dos Estados Unidos, o Brasil finalmente concordou em assinar o Acordo de Controle de Tecnologia de Mísseis, um acordo internacional com o objetivo de restringir a proliferação de tecnologia que poderia ser usada para construir mísseis.
Mais tarde, os Estados Unidos insistiram em que o governo brasileiro assinasse também um documento bilateral chamado Acordo de Tecnologia de Defesa (TSA) antes de permitir o lançamento de satélites americanos (ou satélites com componentes americanos) do campo de lançamento brasileiro. O TSA contém alguns procedimentos e condições rigorosos adotados para prevenir a transferência de tecnologia avançada de foguetes para os brasileiros e para outros países com quem o Brasil negocie.
Muitos membros influentes do governo brasileiro consideraram a concordância com muitas dessas condições “um abandono de nossa soberania” e “desrespeito pelos objetivos do Brasil em seu programa espacial”.
Alguns vão além ao dizer que o verdadeiro propósito do acordo não foi a salvaguarda de transferência tecnológica, mas de “desencorajar o Brasil no desenvolvimento de sua capacidade de lançamento de seu próprio satélite independente e exigir a contínua dependência do programa espacial brasileiro do programa dos Estados Unidos”.
O Brasil avançou com o desenvolvimento de seu foguete VLS apesar da preocupação dos Estados Unidos e dos constantes revezes, incluindo a trágica explosão do foguete na plataforma de lançamento, em 2003, que matou 22 oficiais espaciais brasileiros.
O governo brasileiro avançou gradualmente com a expansão de sua base de lançamento de Alcântara, incluindo planos eventuais de lançar um satélite desenvolvido em conjunto com a China a bordo de um foguete ucraniano. Em 2004, o Brasil afirmou sua posição de independência dos Estados Unidos e do resto do mundo quando recusou-se a permitir o acesso de inspetores das Nações Unidas a todos os aspectos de seu programa de energia nuclear, especificamente as centrífugas usadas no enriquecimento de urânio. O Brasil alegou que visava evitar o conhecimento detalhado de sua tecnologia de centrífugas porque esta “propriedade” dá ao país uma vantagem competitiva no mercado comercial.
Os esforços espaciais e nucleares do Brasil inicialmente encontraram resistência por parte dos Estados Unidos sob alegação de que a posse de tecnologia avançada de “uso duplo” poderia ser usada para fins pacíficos ou belicosos. Estas preocupações – no caso de foguetes, que podem evoluir para mísseis e no caso da energia nuclear, que pode ser usada para desenvolver armas atômicas – estiveram na imprensa recentemente em relação ao lançamento de mísseis da Coreia do Norte e ao programa de enriquecimento de urânio do Irã. A principal diferença entre o Brasil e esses países, porém, é que os Estados Unidos e o mundo se convenceram de que a nação sul-americana é um poder mundial emergente responsável e confiável no exercício de controles pacíficos sobre ambas as tecnologias – Coreia do Norte e o Irã estão em uma categoria diferente.
Patriota indica que o papel do Brasil está em ajudar a liderar a integração da América do Sul. Nos últimos anos, depois de consolidar a democracia e revigorar sua economia, o Brasil tem posto ênfase em uma diplomacia criativa, focada na integração da América do Sul. Ele afirma que “nossa diplomacia está mais ativa e conseguindo maior atenção porque está focada na integração da América do Sul e no estabelecimento de novos mecanismos de cooperação internacional”. Patriota vê o Brasil assumindo a liderança regional na América do Sul como uma consequência natural do seu tamanho e do sucesso de sua economia. Ele afirma que será impossível para a região alcançar a integração se “um país como o Brasil, combinando todas as nossas características – tamanho, economia, democracia, diplomacia ativa e um bom relacionamento com todos os principais atores mundiais, com uma presença forte em organizações multilaterais – não assumir a liderança”.
O Brasil atualmente promove um crescente número de acordos comerciais para incentivar cada vez mais a integração regional. Um desses acordos, o Mercosul, inclui a Argentina, o Uruguai, o Paraguai e o Brasil.
Entre os objetivos do Mercosul está o estabelecimento de uma moeda comum para a região, similar ao euro. A Venezuela e o Brasil estão liderando também uma iniciativa para formar o Banco do Sul (BancoSur), que reuniria uma parte das reservas dos países participantes na tentativa de substituir o Fundo Monetário Internacional. Diferente do FMI, que insiste em cortar serviços sociais e programas de infraestrutura como uma condição para conceder empréstimos, o BancoSur teria uma abordagem mais dirigida ao desenvolvimento. Além do Brasil e da Venezuela, Bolívia, Equador, Colômbia, Paraguai e Uruguai sinalizaram seu interesse em participar.
Além da integração econômica, o Brasil também está focado numa maior integração nos domínios político e militar. A União dos Países Sul Americanos (Unasul) é uma agência intergovernamental que incorpora os maiores blocos comerciais na região – Mercosul e a Comunidade Andina (que consiste na Bolívia, Colômbia, Equador e Peru). A Unasul tem servido ao Brasil para lançar suas iniciativas.
O Brasil incitou os países membros da Unasul a caminhar no sentido da criação de uma estrutura militar regional chamada Conselho de Defesa Sul-Americana (CDSA), que alguns consideram o equivalente sul-americano da Otan. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, apoia esse projeto, embora seus próprios esforços para criar uma aliança similar, em 1999, não tenham sido bem sucedido. O Brasil lidera a principal missão de paz das Nações Unidas na região, no Haiti, onde o Brasil tem 1.200 soldados.
Toda a ideia de uma América do Sul integrada requis muito trabalho, segundo Patriota. O Brasil enfrentou um desafio, por exemplo, ao tentar convencer a Colômbia, o mais forte aliado dos Estados Unidos na América Latina, a se unir à SADC. Não obstante, a integração regional já colheu proveitos. Patriota cita a SADC como um instrumento que ajudou a resolver a crise brasileira com a Bolívia no último ano, dizendo que “o presidente do Chile era o chefe do conselho naquele ano e convocou para um encontro da SADC para resolver a controvérsia com a Bolívia.
No passado, seria na Organização dos Estados Americanos que a controvérsia seria discutida. Desta vez, resolvemos a questão entre nós”.
Conclusão Estes desenvolvimentos são importantes porque demonstram que o “cacife” brasileiro tem crescido nos domínios econômico e geopolítico. A expansão paralela de blocos comerciais e de alianças militares sugere que o Brasil está crescendo no cenário regional e global.
Contudo, apesar de sua importância crescente, o Brasil ainda não pode traçar seu curso por si só. Por exemplo, o país ainda não enfrenta sozinho as pressões dos Estados Unidos e ainda procura manter as boas graças do mesmo. O Brasil procura fazer com que seja percebido regionalmente como imune às pressões americanas, no entanto, tem interesse em manter um bom relacionamento de trabalho com os Estados Unidos.
Em algum momento, os Estados Unidos não ficarão impassíveis à medida que potências de fora da região, tais como Rússia e China começarem a exercer sua influência através de alianças econômicas e militares com países sul-americanos que são hostis aos Estados Unidos. A pressão que os Estados Unidos podem exercer sobre os atores regionais poderá prejudicar a ascensão do Brasil como poder na região.
Todavia, o Brasil deve se afirmar no cenário internacional em algumas esferas. O colosso sul-americano tem a oportunidade única de influenciar eventos distantes de seu próprio quintal. O Brasil poderá ter um papel, por exemplo, na mediação dos conflitos com o Irã e a Coreia do Norte em relação aos seus programas nucleares. O Brasil compartilha tecnologia nuclear com esses países e é visto como um “bom cidadão” pela comunidade internacional, tendo assim uma oportunidade única como mediador.
Fonte: Jornal do Brasil - Frank Dirceu Braun
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