Com Amorim, Hillary insinua que o Irã está ludibriando o Brasil
Secretária de Estado diverge de posição brasileira em relação ao programa atômico iraniano e à Venezuela
ENCONTRO - Amorim cumprimenta Hillary durante visita ao Itamaraty
Brasil e EUA evidenciaram ontem suas divergências em temas como o programa nuclear iraniano e a democracia na Venezuela. Após de três horas de conversa com o chanceler Celso Amorim, a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, insinuou à imprensa que o Irã está manobrando o Brasil, a Turquia e a China, e defendeu novas sanções contra Teerã.
Como sinal de que não se dobraria à pressão, Amorim insistiu em uma solução negociada e rejeitou a ideia de que o Brasil estaria sendo "enrolado" pelo Irã. O chanceler ouviu ainda o lobby da secretária em favor dos caças F-18 Super Hornet, da americana Boeing (mais informações na pág. A18).
"Estamos observando que o Irã vai ao Brasil, à Turquia e à China e conta histórias diferentes para cada um. Pessoalmente, acredito que só depois de passarem as sanções no Conselho de Segurança da ONU (é que) o Irã vai negociar de boa-fé", afirmou Hillary Clinton.
Amorim rebateu: "É possível ainda encontrar uma solução com base nos mesmos conceitos e nas mesmas ideias e preocupações que inspiraram o acordo? A nossa avaliação é que sim", disse, referindo-se ao acerto que prevê a troca de urânio iraniano por combustível nuclear. "Temos a visão de que, de modo geral, as sanções têm efeitos contraproducentes."
Horas antes do encontro de Hillary com Amorim, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva falou da posição brasileira em relação à questão nuclear iraniana: "Não é prudente encostar o Irã na parede. É preciso estabelecer negociações. Quero para o Irã o mesmo que quero para o Brasil: usar energia nuclear para fins pacíficos. Se o Irã for além disso, não poderemos concordar."
Em missão de convencer o Brasil a afinar sua posição com a de cinco potências (EUA, França, Grã-Bretanha, Rússia e Alemanha) e apoiar sanções, Hillary alertou o governo brasileiro sobre o fato de que, em um momento próximo, a decisão sobre o Irã terá de ser tomada. Com isso, deixou no ar a responsabilidade do Brasil por sua posição.
Diante da imprensa, a secretária de Estado tentou derrubar as principais teses que mobilizam o Itamaraty para uma solução negociada. Defendeu que o Irã tornou-se uma força desestabilizadora no Oriente Médio e afirmou ainda ser "evidente" a determinação do Irã em produzir armas atômicas.
A número 1 da diplomacia americana insistiu que os EUA, assim como o Brasil, também preferem a negociação com o regime persa. Mas completou que o Irã manteve a sua porta fechada para a solução diplomática. Por fim, lembrou que as sanções constituem uma saída "pacífica".
Apesar do cuidado de não deixar escapar nenhuma nesga de flexibilização da posição brasileira, Amorim lembrou que "nunca" informou como o Brasil vai votar no Conselho de Segurança da ONU. Mas insistiu que o acordo de troca de urânio iraniano por combustível nuclear terá o mérito de permitir ao país o enriquecimento do minério em baixos teores, para fins pacíficos. "Será uma perda se o Irã desperdiçar essa oportunidade."
VENEZUELA
A divergência entre Brasil e EUA sobre o regime do presidente venezuelano, Hugo Chávez, também ficou evidente. À imprensa, Hillary declarou que o governo venezuelano "mina as liberdades" de seus cidadãos e, com isso, prejudica também os países vizinhos.
Ela advertiu ainda que é preciso haver a restauração da democracia e das regras de mercado no país, que deveria "olhar um pouco mais para o Sul e seguir os exemplos do Brasil e do Chile".
Amorim agarrou-se a essa abordagem de Hillary para marcar a diferença de posição do governo brasileiro, que considera a Venezuela como uma democracia plena. "Concordo que a Venezuela tenha de se integrar mais com o Sul. Por isso, integramos a Venezuela ao Mercosul, o que será positivo em todos os sentidos", afirmou o chanceler.
COLABOROU TÂNIA MONTEIRO
DECLARAÇÕES
Hillary Clinton
Secretária de Estadodos EUA
"Estamos observando que o Irã vai ao Brasil, à Turquia e à China e conta histórias diferentes"
"Só depois de passar as sanções no Conselho de Segurança o Irã vai negociar de boa-fé"
Celso Amorim
Chanceler brasileiro
"Nunca disse como o Brasil vai votar no Conselho de Segurança. Mas nós temos a nossa visão de que, de modo geral, as sanções têm efeitos contraproducentes"
Fonte: Estadão - Denise Chrispim Marin
4 Comentários
Fique claro; está nos incomodando muito este impasse, e sua solução urgentíssima.
- Lula esteja muito certo, tire logo seu coelho da cartola, agora ou nunca, pois Brasil e Irã enrolando não suportamos mesmo.Inaceitável, deplorável, chegando ao limiar da burrice. Sem tem carta na manga, apresente-a de imediato, e bem vinda, se não...CAIA FORA AGORA DESSE EMBRÓLIO.
Se, de fato, o Irão se submete a Agência Internacional de Energia Atômica, este é o Trumfo.
Miguel Junior.
Ao mesmo tempo em que resiste a sanções ao Irã por seu programa nuclear, o governo brasileiro engrossa críticas ao TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear), a menos de três meses da conferência de exame do acordo, em Nova York.
Os gestos fazem parte de um único movimento de reação às pressões de potências que dispõem de bombas nucleares contra países que desenvolvem a tecnologia nuclear, avalia o ministro Samuel Pinheiro Guimarães (Assuntos Estratégicos), que assumirá em breve o comando do grupo interministerial encarregado do programa nuclear brasileiro.
"O TNP não é apenas um tratado de não proliferação, é um tratado de desarmamento. As potências nuclearmente armadas se comprometeram a se engajar no desarmamento completo e não o fizeram. Mais do que isso: possivelmente aumentaram o seu potencial de destruição", disse à Folha.
Expoente da ala antiamericana do governo e ex-secretário-geral do Itamaraty, Guimarães diz que o Brasil não é um ator coadjuvante no debate nuclear mundial: "O Brasil é 1 dos 3 países do mundo -ao lado da Rússia e dos EUA- que têm reservas de urânio e tecnologia para enriquecer".
Dono da sexta maior reserva de urânio conhecida, o Brasil tem meta de dominar a tecnologia de enriquecimento em escala industrial até 2014.
A resistência a inspeções mais amplas e sem aviso prévio da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) está expressa na Estratégia Nacional de Defesa, de dezembro de 2008. O documento deixa claro que o país não aceitará acréscimos ao TNP que ampliem restrições a países que desenvolvam tecnologia nuclear.
"O protocolo adicional prevê inclusive inspeção sem razão, sem motivo, sem aviso, em qualquer parte do território brasileiro. Isso não convém a países que têm a tecnologia de enriquecimento de urânio", diz ele.
As centrífugas brasileiras usam eletromagnetismo para girar em seus eixos, tecnologia considerada inovadora que reduz o desgaste das peças.
Representará o Brasil na conferência o embaixador Luiz Filipe de Macedo Soares. Concluído em 1968, o TNP entrou em vigor no Brasil apenas em 1998, sob o governo Fernando Henrique Cardoso.
FONTE: Folha de São Paulo