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Regulação do transporte aéreo

O setor aéreo alia a característica de ser de trabalho intensivo com a de também ser atividade de capital intensivo

O Brasil é um país de dimensões continentais onde o transporte aéreo constitui verdadeira necessidade.

O irônico, ao se rever a história desse meio de locomoção entre nós, brasileiros, é que o número de cidades servidas por aviões diminuiu em relação aos prevalecentes na década dos sessenta do século passado.

Essa redução se deveu a vários fatores, dentre eles o aumento da malha rodoviária. Mas um dos mais importantes motivos foi o da ausência (ou inadequação) de aeroportos, e o custo das passagens.

A indústria aérea apresenta enorme complexidade. Para que um avião decole e chegue com segurança no lugar de destino, um verdadeiro exército de pessoas se faz necessário, desde os que vendem passagens, os que atendem nos aeroportos, os que cuidam do abastecimento, da alimentação a bordo, da segurança do tráfego aéreo, para não dizer da tripulação e da sofisticação tecnológica do avião em si mesmo.

Sendo indústria de ponta com esse nível de exigências, ela é altamente suscetível a crises, a começar com o aumento do querosene, dependente do volátil mercado do petróleo.

Trata-se de setor que alia a característica de ser trabalho intensivo com a de também ser capital intensivo, com grande faturamento, mas com pequena lucratividade, que pode ser afetada por um sem número de fatores.

O Brasil não tem mostrado uma política pública adequada para com o segmento aéreo ao longo dos últimos anos.

As autoridades reguladoras têm um comportamento dúbio quanto à própria natureza jurídica da relação entre Estado e companhias aéreas. Existe uma resistência delas em reconhecer que se trata de uma verdadeira atividade dependente do "nada obsta" da autoridade para começar a atuar e conferir a isso todas as suas consequências.

Obtida essa permissão (aqui usada em seu sentido leigo), a companhia deve submeter-se às normas e regras do transporte tal como colocadas por essa mesma autoridade -dentre as quais uma das mais importantes é a de poder aterrissar em determinados horários e a de poder decolar em outros- deve atender aos princípios do direito do consumidor e deve pagar as taxas aeroportuárias que lhe forem impostas.

Não há hipótese jurídica de que uma companhia comece as suas atividades sem que se submeta a todo esse conjunto de obrigações.

Portanto, não se trata de atividade liberada para a livre iniciativa, mas de verdadeiro serviço público.

Apesar disso, em alguns aspectos cruciais para a indústria aérea as autoridades se omitem e não conferem todas as consequências ao fato de que a atividade se insere naquelas que constituem serviço público.

Citemos dois exemplos flagrantes.

Com as altas taxas de juros praticadas no Brasil, com reflexo na obtenção de empréstimos externos, o financiamento de aeronaves para companhias brasileiras é muito mais caro do que para as internacionais.

Acrescente-se a isso que no Brasil, por ter uma das cargas tributárias mais altas do mundo, o ônus fiscal sobre a atividade reduz substancialmente a competitividade das empresas nacionais. Esses dois fatores, facilmente comprováveis, têm sido ignorados quando as autoridades exigem das empresas um ambiente competitivo, quer entre elas, quer entre elas e suas congêneres externas, como se fossem empresas "privadas" normais a atuar em segmento sem regulação. Ou seja, ainda que serviço de interesse público, seu tratamento em nada difere daquele dispensado a atividades privadas.

A próxima consequência dessa dubiedade consiste na indução de que as companhias mantenham uma estrutura tarifária "barata" mediante o estímulo a que novas empresas atuem no setor. Atrás dessa política estão idéias como a de "popularizar" o transporte aéreo e exigir das companhias um constante ambiente de "competição" entre elas.

Disso resultam as seguidas "guerras tarifárias" que redundam em pesados prejuízos, e necessidades constantes de capitalização.

Por outro lado, no começo a entrada de novas empresas é sempre mais fácil, já que podem se endividar para o financiamento dos primeiros aviões, ou usados ou com prazos de carência, sem a sobrecarga de manterem uma malha aérea mais ampla, consistente e cumpridora de todas as exigências de pontualidade, segurança e eficiência.

Esse continuar de empresas combalidas sucedidas por outras, que ocupam o seu lugar, e assim por diante, é o que tem acontecido, infelizmente, no mercado.

Esse modelo, em qualquer outro serviço público -como energia, água, transporte urbano etc.-, levaria a uma situação de incerteza, cujo prejudicado final acaba sendo o usuário, aquele exatamente que se busca proteger.

Isso também ocorre com o transporte aéreo, e a melhor prova disso está na sobrevida das empresas do setor, que tem sido bastante breve ou tem sido pontilhada de sucessivas atuações de socorro financeiro.

No momento atual, depois da falência de várias empresas, assistimos a um momento raro de estabilidade no setor, com duas grandes e sólidas companhias que têm-se esforçado para atender a todas as exigências e que têm dado mostras de profissionalismo e seriedade, além de outras que se dedicam a linhas regionais, ou de menor porte.

Seria uma pena novamente ignorar a complexidade do setor, estimulando uma artificial e impossível competição no setor.

Barreiras de entrada, desde que conjugadas com exigências de eficiência e produtividade, constituem a solução ideal para preservar o setor de aventuras (que não decorrem dos participantes, mas das condições nas quais são obrigados a sobreviver).

Oxalá essas idéias prevaleçam agora que se discute um novo marco de regulação para o transporte aéreo.

Fonte: DCI - Noticias Sobre Aviação