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'Lula está sendo um bom síndico na discussão da questão nuclear'

Vivemos na era da inautenticidade existencial, e isso se reflete nas nossas colocações sobre assuntos extremamente relevantes, como a questão nuclear. Como papagaios, repetimos aquilo que determinados dirigentes ou veículos de informação publicam ou veiculam. Não raro encontro pessoas opinando sobre a posição diplomática adotada pelo Brasil diante do Irã. Estranho, no entanto, a incapacidade de determinadas pessoas, às vezes jornalistas graduados, de perceber, por limitação intelectual ou má fé, que o apoio e o interesse do Brasil é comercial e não bélico ou militar. Não cabe no pacote vendido ao Irã, apoio técnico ou moral à produção de artefatos nucleares. O acordo firmado e defendido pelo nosso presidente é visa a criação de uma ponte que beneficiará a indústria brasileira.

É claro que, hoje, toda ação de um politico é tomada, e deve ser, como uma ação politica, mas, se pretendemos cobrar do Brasil um boicote comercial ao Irã ou qualquer país do Oriente Médio afim de enfraquecê-lo e fazê-lo recuar diante da pretensão de possuir ogivas nucleares, devemos então estender essa decisão também a Israel, que possui armamentos atômicos e é sim o centro de todo o conflito iniciado naquela região do planeta após o final da 2ª Grande Guerra.

Por que devemos permitir que um lado tenha armamentos nucleares e outro não? Acaso é lícito considerar os muçulmanos como uma raça de segunda? Será possível que exista alguém neste mundo que se ache preparado para escrever sobre o assunto e desconheça, no entanto, que também Israel possui grupos terroristas e radicais? Que posição adotaria os EUA caso o Brasil decidisse construir e investir em armamentos nucleares? Convocaria uma reunião de cúpula e tentaria desesperadamente convencer os dirigentes globais que nós brasileiros não temos condições éticas e psicológicas para administrar tal poderio?

Assusta-me a incapacidade de ampliação do assunto. Assusta-me perceber que alguns brasileiros, no afã de atacar nosso governo, se apressem a tecer opiniões irracionais se valendo de argumentos falaciosos. O tema é muito mais complexo e não pode nem deve ser discutido tendo como base disputas internas ou o racismo que já produziu tanta dor e injustiça.

A questão geopolítica que se apresenta não pode esquecer aquilo que os EUA e seus aliados fizeram ao Iraque, e os argumentos mentirosos dos quais se valeram para convencer a opinião pública. Onde estão as armas nucleares que Sadam Hussein possuía e que poderiam acabar com o mundo? Não foram encontradas, não existiam, mas as empreiteiras americanas e inglesas ligadas à família Bush estão lá, enchendo o bolso à custa da destruição e do sofrimento impetrado por eles mesmos.

O mundo não tem mais espaço para a visão imperialista que varreu e explorou o planeta no século XIX. É preciso que haja, sim, líderes políticos que proponham um novo ponto de vista e novas formas de discussão, que não beneficiem apenas os interesses imperialista e condenem à morte aqueles considerados de segunda pelos poderosos. E esses lideres precisam de aplauso, não de críticas tão infundadas e quase imbecis.

Seria muito fácil para o Brasil se curvar diante das exigências dos americanos e fingir que nada está acontecendo. Fingir que não vê os movimentos dos israelitas que fingem querer a paz e o entendimento mas não param com as invasões ao território palestino. O acordo para diminuição das ogivas nucleares entre Rússia e EUA é uma piada. De que adianta diminuir o arsenal de 1700 para 1400, quando sabemos que apenas 10% disso seria suficiente para destruir o planeta? Por que eles podem ter e outros países não podem?

George Bush é um calhorda que sempre se portou de maneira despótica, mas se mostrava menos covarde que Obama, que ensaia um jogo de cena sem originalidade para convencer o mundo a se juntar a ele numa pressão contra o Irã que só interessa aos EUA. Podemos fazer crítica à cultura, aos costumes, à postura do presidente iraniano e dos aiatolás, mas não podemos considerá-los, por isso, um povo de segunda.

Querer que as mulheres mulçumanas usem tanga nas praias, que os gays iranianos possam fazer uma parada sem serem presos e condenados à morte são reivindicaççoes justa e pertinentes a todos nós ocidentais, que gostamos de nos pensar civilizados e defensores dos direitos humanos, mas não podemos esquecer que a melhor maneira de defender os direitos de um ser humano é respeitando e procurando entender antes sua cultura, pois do contrário estaríamos apenas agindo de modo hipócrita como todos aqueles que, se achando superiores, adotaram e adotam uma postura messiânica de salvadores da humanidade.

Quando falamos da não proliferação das armas nucleares estamos falando de paz, mas não podemos falar sobre paz de maneira justa se começamos a discussão acreditando que alguns "bem nascidos" e educados podem ter poder sobre o outro. Não dá para discutir o mundo se não começarmos a discutir nosso cotidiano. Como reagiria você se alguém dissesse que seu vizinho, aquele que nunca gostou de você, que nunca respeitou seus costumes, aquele que mora no apartamento que dá de porta com o seu, possui ferramentas capazes de acabar com você e sua família a hora que quiser, mas você não poderá ter essas ferramentas e deverá portanto, passar o resto de seus dias se sujeitando às decisões tomadas por seu vizinho? Decisões que só levam em conta os interesses dele. O que aconteceria se você tivesse essas mesmas ferramentas? Você as usaria para destruir seu vizinho e, consequentemente, todo o prédio onde vive, inclusive seu apartamento, ou seu vizinho sabendo que você se iguala a ele em poderio, pararia de te desrespeitar, de usar sua vaga na garagem e começaria a pensar seriamente em sentar com você de igual para igual e discutir as decisões antes de tomá-las? O bom sindico é aquele que oferece direitos iguais, que confia no morador, e não aquele que fica do lado do mais forte. O presidente do Brasil tem se mostrado um bom síndico.

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Fonte: O Globo - Artigo do leitor Júlio Pereira