Atrás de qualquer prisão feita pela Gestapo ocultava-se a perspectiva de interrogatório. A Gestapo foi criada para combater o crime de natureza política, diferindo bastante o seu procedimento do das demais polícias. Um dos mistérios que cercam a atividade deste órgão é o motivo pelo qual os membros mais evidentes da resistência alemã a Hitler, homens muito conhecidos por suas atividades subversivas, como Cari Goerdeler, não foram detidos mais cedo, para interrogatório. É verdade, que fazia parte da técnica da Gestapo dar um pouco de "linha" aos elementos suspeitos, para, através da vigilância a distância, pegar não só os suspeitos mas também os que com eles tivessem ligação.
Uma vez presa e levada para o QG da Gestapo, na Prinz-Albrechtstrasse (se morasse em Berlim), a vítima estava totalmente desprotegida. As técnicas de interrogatório da Gestapo já foram tratadas pormenorizadamente em livros e filmes, em que os interrogadores sádicos são mostrados submetendo seus suarentos prisioneiros a interrogatório cerrado, sob lâmpadas fortes e ordenando, para quebrar a resistência da vítima, a frios torturadores profissionais o aumento da intensidade da dor. Os métodos usados eram tão variados quanto os homens que os aplicavam, e variavam também com o status do prisioneiro e conforme o "crime contra e estado" praticado. Um prisioneiro como o
Pastor Ditrich Bonhoeffer foi interrogado sem tortura direta. Confinaram-no em circunstâncias cruéis por um período que foi de abril de 1943 até sua execução, realizada no campo de concentração de Flossenburg em abril de 1945. se alguém que possuísse uma ficha considerada importante pela facinorosa polícia, lhe caísse nas malhas por intermédio de outra qualquer organização nazista (subentendendo que o prisioneiro poderia vir a ser reclamado), tinha melhor oportunidade de receber um tratamento mais inteligente e menos bestial do que um qualquer que fosse preso pela Gestapo nos termos do decreto Nacht und Nebel, por exemplo. A Gestapo freqüentemente prendia gente relativamente sem importância e sem qualquer sombra de envolvimento submetendo-as a interrogatório intenso, mas inútil, apenas para ver se "pingava" do terror da vítima alguma coisa que lhe permitisse farejar mais adiante.
Ninguém na Gestapo progrediu por expressar consideração pelo próximo. Assim como nenhum de seus membros "ascendeu" à condição de dirigente de inquérito sem haver antes cursado a universidade nazista da brutalidade. Todavia, a Gestapo permitia-se às vezes uma técnica diferente do habitual, que era basicamente o pescoção, o pontapé e a luz intensa nos olhos por horas e horas. Quando isso acontecia, o método era o seguinte: faziam tudo para pegar o prisioneiro desprevenido. Por exemplo, uma inquirição direta e de certo modo intelectual era repentinamente interrompida por um tratamento de choque, acompanhado de gritos e insultos.
Mas sempre havia a possibilidade de o torturador medieval encontrar-se à espera, atrás da porta. Os interrogadores, homens de início treinados como investigadores de polícia ou mesmo advogados, normalmente não eram obrigados a aplicar pessoalmente as torturas, embora o fizessem também, e com grande eficiência. A Gestapo tinha em seus quadros especialistas para realizar os tipos mais variados de tortura. Uma pessoa submetida a interrogatório pela Gestapo, se passível de desconfiança de que soubesse alguma coisa, depois de chutada ou espancada, freqüentemente por vários homens ao mesmo tempo, era suspensa pelos braços previamente atados às costas; as unhas arrancadas; o corpo queimado com ponta de cigarro; despidos e torturados com choques elétricos aplicados às partes mais sensíveis do corpo; mergulhados em água fria até que os pulmões estivessem a ponto de explodir, depois de reanimados, falava tudo: o que fez, o que não fez, o que sabia e o que não sabia. Os torturadores masculinos não respeitavam as mulheres; também elas eram despidas, humilhadas e estupradas de modo a alquebrá-las com facilidade.
A sede da Gestapo em Berlim, Prinz-Albrecht-Strasse 8 |
Rostow, Rússia, Inverno 1943, no pátio da cadeia da Gestapo |
Prisioneiros dotados de espírito muito forte se preparavam para receber as lacerações e as agonias infligidas por acessos de dor e procuravam relaxar momentaneamente durante os intervalos entre os ataques sucessivos dirigidos contra seus corpos. Ou então desmaiavam, depois do que eram violentamente reanimados com um balde de água fria. Os muito fortes conseguiam resistir a tais tratamentos, e a resistência significava não revelar informações essenciais, fossem quais fossem as agonias inventadas para dobrá-los.
O Dr. Fabian von Schlabrendorff, membro da resistência alemã a Hitler e que foi aprisionado depois do fracasso atentado contra a vida do Fuhrer em julho de 1944, fez um relato minucioso das torturas progressivas a qu foi submetido no QG da Gestapo, em Berlim. Schalabrendorff, homem de grande coragem e que conservou a mente lúcida quando sob coação, aplicou sua habilidade de advogado ao resistir aos ataques de Habecker, seu interrogador. Ele conhecia os truques que primeiro seriam usados para alquebrá-lo - a pretensa evidencia contra ele existente na pasta aberta sobre a mesa e cujo conteúdo não lhe permitiam ver, as ameaças à sua família e amigos, a apresentação de depoimentos forjados e etc. Em sua cela, onde sempre ficava de mãos e pés acorrentados, ele estava sempre pronto para a chamada súbita, para enfrentar as luzes e o interrogatório intensos a qualquer momento do dia ou da noite. A alimentação que recebia era totalmente inadequada. Mas ele estava na determinação de negar qualquer conhecimento que fosse útil para a Gestapo e esperava alcançar algum tipo de impasse. De certo modo, foi ele quem venceu a resistência de Habecker, e não o inverso.
A equipe de Habecker, que incluía uma jovem, pôs-se a trabalhar nele. O próprio Habecker o golpeou e instigou a jovem a fazer o mesmo. Outros inquiridores utilizaram a técnica da mudança súbita de tratamento, alternando perguntas com acusações e ofensas em altos brados, uma sensação enervante, a menos que se esteja muito bem preparado para ela. A calma de Schlabrendorff serviu apenas para aumentar a raiva de Habecker, que fez questão de lhe aplicar os primeiros castigos físicos, acorrentando as mãos de Schlabrendorff às costas e prendendo seus dedos, um a um, num torno que lhe introduzia cravos nas pontas. Mais tarde, ele foi atado a uma estrutura em que havia um torno maior que o anterior, que lhe meteu farpas metálicas nas coxas e pernas. A seguir, foi acorrentado numa maquina de tortura medieval que lhe distendia lentamente o corpo ou esticava em safanões violentamente dolorosos. Durante esse sofrimento, nada lhe conseguiram arrancar. Por várias vezes desmaiou, sendo, quando isso acontecia, levado para sua cela a fim de recuperar-se. Em uma dessas sessões de suplício, seu corpo ficou empapado de sangue e ele sofreu um ataque cardíaco. Até mesmo Schlabrendorff estava surpreso com tanta resistência, e no fim, quando já pensava em suicidar-se, lembrou-se do artifício de inventar uma confissão que não pudesse prejudicar qualquer pessoa ainda viva. As torturas cessaram imediatamente; ele fez uma espécie de confissão que não satisfez a Gestapo. Depois disso, ele só teve de suportar o que todos os seus companheiros de prisão sofriam - fome e dormir fortemente acorrentado em sua cela, com a luz intensa ferindo-lhe os olhos.
Alguns métodos de tortura usados. |
Fonte: MANVELL, Roger- SS e Gestapo - A caveira sinistra - Ed. Renes; pg.82-85
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