Pesquisador alemão resgata história do sistema de prostituição criado por nazistas para estimular trabalho de prisioneiros

“Todas as noites, tínhamos de deixar os homens ficarem em cima de nós por duas horas. Eles vinham para o bordel, mas antes tinham que ir para a sala médica, para obter uma injeção. Depois, pegavam um número, aí poderiam fazer suas coisas no quarto, em cima, depois para baixo, para fora. Voltavam para a sala dos médicos, onde mais uma vez recebiam uma injeção. Logo depois vinha o próximo. Sem parar. Eles não tinham mais que 15 minutos para gastar conosco.” [Depoimento da presa Magdalena Walter, recuperado de documentos para o livro Kz. Bordell]

Sob neve fina, jovens alemãs e polonesas presas por causarem “desordem social” se estendiam lado a lado diante dos olhos atentos dos soldados da SS, a organização paramilitar ligada ao partido nazista alemão. Dessa fila saíam as próximas trabalhadoras dos bordéis destinados a atender prisioneiros em campos de concentração entre os anos de 1941 e 1945. Por que os nazistas se preocupavam com a vida sexual dos presos? A ideia, do líder da SS e arquiteto do holocausto Heinrich Himmler, era usar a prostituição como estímulo para o trabalho dentro docampo de concentração.

Os detalhes desse sistema de prostituição forçada, um tabu mesmo entre os pesquisadores do nazismo, são agora revelados no livro Kz. Bordell. Sexuelle Zwangsarbeit in nationalsozialistischen Konzentrationslagern (Sexo Forçado nos Campos de Concentração Nazistas, ainda sem tradução no Brasil), do historiador alemão Robert Sommer. “As visitas eram permitidas para aqueles que se destacassem. Os ‘melhores trabalhadores’ tornavam-se então exploradores sexuais das mulheres obrigadas a se prostituir”, diz o autor. Sommer gastou 9 anos para vasculhar 70 arquivos e entrevistar 30 sobreviventes. Nesse período, constatou que pelo menos 210 mulheres foram forçadas a se prostituir em uma dezena de campos de concentração. Ele descobriu que, ao contrário dos prostíbulos que serviam aos soldados nazistas, nas casas destinadas aos presos não havia judias — e nem prisioneiros judeus poderiam usar o sexo pago. Dentre as mulheres obrigadas a ir para os bordéis, a maioria (71%) havia sido considerada “perturbadora da ordem pública”. O restante se dividia entre prisioneiras de guerra e criminosas.

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SEXO SISTEMÁTICO

A rotina nos prostíbulos parecia mais com a de uma clínica médica. As mulheres acordavam às 7h30, tomavam banho e se vestiam. Durante o dia, se ocupavam de cuidar da casa e deixar os quartos limpos. À noite, logo após os homens voltarem do trabalho, atendiam por duas horas. “Passavam o dia todo apreensivas esperando o momento em que teriam de se prostituir”, afirma Sommer.

Para frequentar o estabelecimento era necessário pagar com cupons que os prisioneiros recebiam como gratificação eventual por seu trabalho. O cupom era uma espécie de moeda interna do campo de concentração. O direito de usar uma prostituta custava dois Reichsmark (moeda da Alemanha entre 1928 e 1948), sendo que apenas um quarto disso ia para a prostituta. Era mais barato que um maço de cigarros (3 Reichsmark). Entretanto, só dinheiro não era o suficiente. Quem quisesse ir ao bordel precisava pedir, via formulário, analisado pelos comandantes da SS.

Os aprovados eram chamados no fim do dia e se organizavam em duas filas esperando a sua vez. Antes de entrar, passavam por uma consulta médica e tomavam uma injeção com contraceptivo. Depois, iam para o quarto que estava disponível (não havia a possibilidade de escolha da prostituta). O “cliente” tinha 15 minutos e só era permitida a posição “papai e mamãe”. Deitar na cama com sapatos também era proibido. Os guardas da SS fiscalizavam as regras por meio de buracos na porta do quarto. Se não saísse no tempo determinado, um oficial tirava o prisioneiro à força do recinto. Antes de deixar o bordel, o trabalhador passava novamente por inspeção médica.

RESTRIÇÕES

Apesar de parecer contraditório, havia uma hierarquia entre prisioneiros no campo de concentração, e os frequentadores dos bordéis eram divididos em 3 classes. No topo da hierarquia estavam os comandantes das diferentes frentes de trabalhos, cozinheiros, barbeiros e funcionários dos correios. Apesar de pouco numeroso, esse primeiro grupo era o que mais visitava o bordel. Na sequência, um bloco maior, que ia muito pouco ao estabelecimento, era formado pela grande massa trabalhadora das plantações e das fábricas. Nesse segmento, havia muitos jovens que teriam sua primeira experiência sexual ali no campo.

A última classe era a dos trabalhadores forçados pela SS a frequentar o bordel — mesmo que não quisessem ir ao prostíbulo, os militares acreditavam que o sexo iria aumentar a produtividade deles. Pegos de surpresa, não recusavam a ordem oficial por medo de punição. Há relatos de homossexuais obrigados a manter relações com prostitutas durante experimentos para que fossem “curados”. Após as experiências frustradas, os nazistas decidiam infringir terror ainda maior aos gays. “Diante da impossibilidade de curar os homossexuais, foi necessário castrá-los para privá-los, daí em diante, de qualquer prazer”, relata o pesquisador ítalo-argentino Daniel Borrilo em seu livro Homofobia – História Crítica de um Preconceito.

Mesmo após mais de 6 décadas, há ainda muito receio em tocar no assunto. “Alguns museus sobre nazismo na Alemanha não queriam dar informações. Foi muito difícil reunir o material”, diz Sommer. Quanto às mulheres forçadas ao sexo, a dificuldade é ainda maior. “Só encontrei uma viva, mas ela não quis me dar entrevista porque nunca mais quis falar com um alemão de novo.”

Fonte: Galileu