A China e a América Latina, as regiões que melhor suportaram a crise financeira mundial, aproveitaram estes anos de depressão generalizada no Ocidente para dar um salto qualitativo e quantitativo em suas relações bilaterais. Pequim encontrou do outro lado do Pacífico a importante fonte de matérias-primas de que precisa para alimentar a locomotiva de seu desenvolvimento e se lançou sem reparos à sua conquista. O desembarque chinês, entretanto, começa a criar incômodo e a dificultar as relações a que todos os países envolvidos atribuem a um marcado valor estratégico.
No primeiro trimestre deste ano foram superadas todas as expectativas de expansão bilateral. Segundo o Ministério do Comércio chinês, o intercâmbio comercial entre a China e a América Latina e o Caribe registrou um crescimento interanual de 44% nesse lapso de tempo, alcançando US$ 47,9 bilhões (36 bilhões de euros).
Enquanto os EUA se concentravam em sua guerra contra o terrorismo e descuidava de sua relação com os países do sul de sua fronteira, Pequim se propunha fazer da América Latina seu principal mercado de produtos manufaturados de médio e alto nível tecnológico. Assim, assinou importantes contratos com Brasil e Argentina para fornecer, entre outros, trens elétricos e de alta velocidade para os metrôs do Rio de Janeiro e Buenos Aires.
No entanto, os países da América Latina exigem, a partir de agora, novo equilíbrio nos intercâmbios comerciais. Não querem ser inundados por manufaturas chinesas. Em contra partida, Pequim reduz suas compras de matérias-primas.
A Argentina inclusive chegou a propor ao Mercosul em junho passado, através da ministra da Indústria, Débora Giorgi, o estabelecimento de barreiras conjuntas para limitar as importações chinesas.
"É importante que a América Latina não repita em suas relações com a China um modelo do século 19, e, sim, persiga um modelo integral, em que os intercâmbios incluam tanto matérias-primas quanto produtos manufaturados, que são os que criam emprego e riqueza nos países", afirma Enrique V. Iglesias, secretário-geral iberoamericano.
Segundo Iglesias, a relação da China com a América Latina "está em evolução" e, para o bom desenvolvimento da região, Pequim "precisa levar em conta" a capacidade de exportação latino-americana. "A erupção da China foi muito positiva, mas é preciso deixar claras as regras do jogo", acrescenta.
A necessidade de equilibrar o comércio foi o primeiro tema abordado pela presidente brasileira, Dilma Rousseff, durante sua visita oficial à China em abril passado, pouco depois de tomar posse do cargo. O Brasil, orgulhoso dos avanços alcançados nos últimos 20 anos, não está disposto a aceitar o menor matiz de uma relação colonial com a China. Por isso o compromisso alcançado para estabelecer no Brasil uma fábrica de trens, de maneira que além da exportação a China, transfira a tecnologia e facilite a geração de emprego local. Rousseff voltou também com um pedido de mais 35 aviões comerciais Embraer 190.
Até 30 de abril passado, o fabricante brasileiro havia vendido na China 135 aeronaves, das quais 90 já tinham sido entregues, segundo a agência Xinhua, que destaca que nos próximos dez anos "a China vai precisar de 470 aviões comerciais, no valor de US$ 40 bilhões", o que a Embraer tentará aproveitar ao máximo.
De trem, avião, carro ou barco, as relações da China com a América Latina tomaram um ritmo vertiginoso, alimentadas pelo estabelecimento na última década de "associações estratégicas" com Brasil, Venezuela, México e Peru. Além disso, Pequim subscreveu tratados de livre comércio com o Chile (2005), Peru (2009) e Costa Rica (2010).
O relatório de maio de 2010 da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe) afirma que a China se transformou em "um parceiro destacado para um número importante de economias latino-americanas. É o primeiro destino das exportações do Brasil e Chile e o segundo para Argentina, Costa Rica, Cuba e Peru". Em outro relatório sobre investimento estrangeiro direto na região, a Cepal indica que em 2010 a China se situou no terceiro lugar dos investidores na região, com um total de US$ 15 bilhões e uma cota de participação de 9%, atrás dos EUA (17%) e Holanda (13%).
O interesse de Pequim na região ficou demonstrado quando em 2008 decidiu entrar como doador no BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento). A contribuição inicial foi de US$ 350 milhões. A isto se somou o acordo assinado em setembro passado entre o BID e o China Eximbank, pelo qual fornece até US$ 200 milhões, que podem ser financiados em iuanes (renminbi, segundo o nome oficial da moeda chinesa) "para apoiar os fluxos comerciais entre China e América Latina".
Depois de afirmar que durante a última década a América Latina foi "o parceiro comercial mais dinâmico da China", a Cepal recomenda aos países da região que coordenem sua aproximação a Pequim e façam um esforço para "diversificar" suas vendas e promover os investimentos latino-americanos no gigante asiático. Também recomenda contatos políticos mais frequentes e a criação de uma cúpula China-América Latina.
Fonte: UOL/El País - Via: IHU
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