"Rui,

És cadete, amanhã, depois, mais tarde... general. Agora deves dobrar os teus esforços, estudar muito... Obediência aos teus superiores, lealdade aos teus companheiros, dignidade no desempenho do que te for confiado, atitudes justas e nunca arbitrárias. Sê um patriota verdadeiro e não te esqueças de que a força somente deve ser empregada ao serviço do Direito. O povo desarmado merece o respeito das forças armadas. Estas não devem esquecer que é este povo que deve inspirá-las nos momentos graves e decisivos. Nos momentos de loucura coletiva deves ser prudente, não atentando contra a vida dos teus concidadãos. O soldado não pode ser covarde e nem fanfarrão. A honra é para ele um imperativo e nunca deve ser mal compreendida. (...)
Trecho da carta de 31 de março de 1939, endereçada ao então cadete Rui Moreira Lima, firmada por seu pai, Desembargador Bento Moreira Lima,— na época, Juiz de Direito da comarca de Caxias — Maranhão. Posteriormente, foi transferido para a comarca de São Luís, onde terminou sua carreira como Desembargador e Presidente do Tribunal. Teve todas as promoções por antigüidade, sem que uma única sentença por ele proferida fosse reformada pela Instância Superior."


Da esquerda para a direita, os tenentes Rui Moreira Lima,
Alberto Martins Torres e Renato Goulart Pereira no dia da vitória

A respeito do período em que esteve na Itália, o brigadeiro Rui Moreira Lima pontua: "A maior preocupação que tínhamos era, basicamente, a de cumprir a missão". E no caso dele, hoje com 83 anos, não foram poucas: 94 missões no comando de um P-47 Thunderbolt, quase sempre sob o intenso bombardeio da artilharia alemã. Junto a outros oficiais do 1º Grupo de Aviação de Caça, muitos deles mortos e abatidos em combate, ele foi um verdadeiro — e indiscutível — herói nacional. "Era chato. Você ficava duas horas e quarenta e cinco minutos debaixo de pau, não tinha um lugar em que passasse e que não recebesse tiro." — brinca Rui, que pôde testemunhar, de uma posição bastante 'privilegiada', os horrores da Segunda Grande Guerra.

Durante oito meses — de outubro de 44 a maio de 45 — o 1º Grupo de Caça, formado especialmente para o combate na Itália, executou 445 missões. Somente no dia 22 de abril, com 22 pilotos, foram 11 missões e 44 surtidas. Vale dizer que o Brasil foi o único país sul-americano a enviar tropas para a Europa, contribuindo de maneira decisiva para o triunfo dos aliados.

A partir dessa experiência, o brigadeiro passou a descrever a história desses voluntários que, sob a liderança do comandante Nero Moura, arriscaram (ou perderam) a vida em nome de um ideal ainda maior - sintetizado no espírito antifascista e no amor à pátria. No exercício da arte militar, de nada valeria exterminar o inimigo, mas vencê-lo militarmente.

Elaborava assim, o embrião do que viria a ser o livro Senta a Pua! — um relato definitivo e emocionado sobre a participação dos oficiais da FEB no teatro de operações — participação que, devido ao ritmo das perdas e ao trabalho excessivo, superou em muito a atuação dos americanos. Recentemente, o livro veio dar origem a um belíssimo documentário, no qual essa parte da história, muito pouco difundida, é contada a partir dos depoimentos de seus próprios atores.

Dentre as inúmeras narrativas do livro, todas elas igualmente significativas em face da crueldade da Segunda Guerra, dramas como o do tenente Danilo Moura, ou o do capitão Joel Miranda impressionam. Abatido pela artilharia antiaérea, Joel foi acolhido pelos partizans (guerrilheiros italianos, antifascistas) e, estando gravemente ferido, conseguiu por duas vezes burlar a vigilância do Hospital de Sangue Alemão. Por 108 dias, ele permaneceu sob a proteção dos partizans. Abatido em Castelfranco, o tenente Danilo Moura não teve melhor sorte. Vestiu-se com trajes civis doados pelos guerrilheiros e iniciou uma marcha que só iria terminar em Florença. Ambos eram integrantes da Esquadrilha Amarela, que foi desativada em virtude do grande número de baixas.

Histórias como essas, em sua maioria desconhecidas do grande público, fazem parte do extenso repertório do brigadeiro Rui Moreira Lima que, dosando bom humor e emoção, nos revelou um pouco do que aconteceu na guerra, com a propriedade de quem esteve lá.

AND: Brigadeiro, qual a importância da FEB na Segunda Guerra Mundial? E a importância do Esquadrão Senta a Pua em particular?

Brigadeiro: Olha, primeiro eu vou falar do Esquadrão Senta a Pua, porque a FEB ficava lá na frente, enquanto nós ficávamos mais atrás. Eram dois treinamentos diferentes e operávamos um com a Força Aérea Americana, e outro com o Exército Americano, o Quinto Exército.

Quando esse Esquadrão foi para guerra, foi com a consciência de que estava realmente defendendo a soberania do Brasil, e contra o fascismo. Foram todos voluntários, não houve ninguém que não tivesse sido voluntário. Isso fez uma diferença muito grande, inclusive na seleção. Assim, a primeira seleção que nós fizemos foi a do voluntariado, a da vontade de ir do sujeito.

A segunda seleção foi a seguinte: nós estivemos numa escola de caça em que o nosso coronel recebeu uma missão do Pentágono que dizia "Esse grupo tem que dar certo". Como eram todos voluntários, ele saiu lá de West Point, veio direto para esse esquadrão, um Esquadrão de Instrução de Guerra norte-americano, o trigésimo esquadrão, da sua Sexta Força Aérea. E nós fomos, sob a orientação dele, e com a liderança do nosso comandante, o Nero Moura, que era um cara tranqüilo e sabia mandar, além de ter uma convivência conosco muito presente, em todos os momentos, e ser um excelente piloto — suas missões não diferiam das nossas. A gente tinha muita confiança nele, era um homem de muito caráter. A lealdade era a maior marca de seu caráter. Nós tivemos essa vantagem. Outra vantagem foi que nós escolhemos o nosso avião. Os americanos venderam os aviões para o Brasil, mas não venderam o que eles queriam, venderam o que nós queríamos. Houve uma seleção dos aviões e nós escolhemos o P-47.

AND: Os aviões foram comprados?

Brigadeiro: Sim, foram comprados. Não houve uma caixa de ração que nós não pagássemos. Eu tenho um livro que se chama A Guerra Proscrita, do Germano Seidl Vidal, e um terço desse livro diz respeito às contas que nós pagamos. É uma pesquisa fantástica.

Bom, depois de escolhermos nossos aviões, vieram os aviadores, os ases americanos, que geralmente não ultrapassavam 30 e poucas vitórias no ar, porque com 35 missões eles tinham a carreira interrompida e eram mandados para retaguarda, porque tinha muita gente para mandar para frente. Então, eles poupavam esses pilotos...


O P47 Thunderbolt D4 pilotado pelo então tenente Rui Moreira Lima

AND: E o senhor fez 94...

Brigadeiro: Pois é... Outra coisa: a Força Aérea nasceu no dia 20 de janeiro de 1941. No dia 22 de agosto de 1942, o Getúlio reuniu o gabinete declarando guerra no dia 31 de agosto. Em dezembro de 1943 foi criado o Grupo de Caça. Nós entramos em guerra, em outubro de 1944. Não tínhamos muita experiência de guerra, e nem o Brasil era guerreiro. O Brasil é mais de alegria, de boa vontade, de samba e tal. Nós saímos do Panamá, no dia 20 de junho de 1944. No dia 6 de junho, já tinha acontecido o desembarque na Normandia.

O pessoal, aqui da retaguarda, os nossos brigadeiros, os nossos chefes, por falta justamente de experiência, pela Força ser muito incipiente, disseram: "Bom, a guerra vai acabar, não adianta mandar o pessoal da reserva para treinar, porque os americanos vão entrar lá com os ingleses e acabar com a guerra". E não foi nada disso. A guerra ainda durou um ano. Assim, nós não tivemos recompletamento — o recompletamento foi mínimo, foram os rapazes da reserva, os garotos de 18 anos. A perda era de três por mês. Isso não quer dizer que morressem três pessoas por mês, ou que três fossem prisioneiros, ou três fossem abatidas. Não. A perda era no Esquadrão de Caça, nessa Segunda Guerra Mundial, nesse tipo de missão que estávamos fazendo. E os americanos deram esta estatística para nós. As autoridades foram alertadas, mas não acreditaram que a guerra fosse durar. No meu livro, tem uma carta do Nero Moura em que ele diz: "Nós estamos no dia 20 de fevereiro de 44, o inverno está muito forte, as nossas missões estão muito prejudicadas pelo tempo. Em abril, no entanto, chega a primavera, e nesse período, provavelmente, teremos tempo bom, e teremos que entrar com mais força, com mais gente. Vocês precisam mandar esses pilotos de recompletamento para nós." E acrescenta: "Nós temos 40 e tantos pilotos. Aritmeticamente, com a perda de 3 por mês, só vão sobrar 22 em abril." (risos) E, de fato, entramos com 22 pilotos no dia 4 de abril. Não houve recompletamento. Entre os dias 4 e 29 de abril, o Comando Geral resolveu fazer a ofensiva da primavera, a fim de tirar os alemães dos Apeninos e não permitir que eles avançassem, ou seja, acabar com a guerra no teatro do Mediterrâneo.

O Alto Comando nos pediu 44 surtidas por dia. Só tínhamos 22 pilotos, mas desses, só 16 ou 17 estariam disponíveis. Então, o coronel Nielsen chamou o comandante Nero e lhe disse: "Olha, vocês não vão conseguir suportar esse esforço. Eu tenho 90 pilotos de recompletamento lá em Nápoles. A guerra para vocês está acabada.

E eu queria que você cedesse a sua infra-estrutura, que nos emprestasse os aviões, porque nós vamos usá-los". E o Nero, depois de nos consultar, porque ele não poderia decidir nada sozinho, já que éramos todos voluntários, lhe disse: "Não senhor. Nós vamos cumprir quantas missões forem necessárias. Nós vamos fazer". E fizemos. Mas se a guerra tivesse durado mais duas semanas, provavelmente nós íamos ter que ser retirados, porque não íamos cumprir as 44 surtidas mais, pois já estávamos no limite, tendo perdido em abril dois mortos em combate — sendo que um com 89 missões de guerra —, um prisioneiro de guerra e dois abatidos no momento em que saltavam. Eu só sei que nós nos tornamos naquela área uns veteraníssimos, pessoas que conheciam muito bem o terreno e que dominavam muito bem aquilo. Eu nunca consultei um mapa, tinha o mapa da Itália todo na minha cabeça, eu digo, eu e todos os outros. Tinham colegas que eram chamados de pombo-correio, pois sabiam mais do que o mapa. E isso se deveu a experiência adquirida aqui no Brasil, no Correio Aéreo Nacional.

Bom, afora tudo isso, tinha o ideal, a auto-estima, o esprit de corps, ou seja, "eu sou brasileiro, só temos nós aqui, e nós não vamos nos abater". Do total de 47 que fizeram pelo menos uma missão de guerra, tivemos 5 prisioneiros e 5 mortos em combate. Um fez uma missão e teve medo, se acovardou e, na época, houve uma certa revolta contra ele, já que havia sido voluntário. Hoje eu me arrependo de ter sido radical, já que ninguém é de ferro.

Depois, os americanos me disseram que cerca de 1% dos voluntários que chegavam desistiam em função do medo. Tivemos também três capitães com estafa aérea. Ao todo, foram seis doentes e um medroso. E isso mostrou que nós estávamos com uma disposição muito grande de lutar contra o fascismo, e, o que foi um grande mérito dessa unidade, isso nos deu uma vontade de não ter mais treinamento com os americanos ou com os ingleses — com ninguém.

No dia 17 de dezembro de 44, quando voltou de uma missão, o nosso coronel, o Nero Moura, propôs que fizéssemos a "Caça" aqui no Brasil. Quando chegamos, alguns colegas saíram do grupo, foram desconvocados, outros não quiseram, mas a maioria foi fazer aviação de caça. E nessa aviação de caça temos hoje mais de 1.300 ou 1.400 pilotos de caça, feitos não mais nos moldes do Grupo de Caça, mas pela doutrina implantada no Grupo de Caça. O soldado da Caça hoje surpreende pelo preparo profissional, sendo capaz de pilotar qualquer avião de caça. Eu sinto neles uma vontade enorme de defender o Brasil. Eu acho que o Grupo de Caça teve esse mérito imenso, muito embora nenhum companheiro tenha entrado para a política - nós fomos muito mais profissionais do que políticos. Mas no momento em que perigava a democracia, a maioria a defendeu. E a FEB teve uma influência enorme no Brasil. Quando ela chegou já tinha havido o Manifesto dos Mineiros, e eu acho que ela foi a pá de cal que tirou o presidente Vargas da ditadura e implantou aqui a democracia.

AND: Mas logo depois diluíram a FEB...

Brigadeiro: Sim, ela teve essa desvantagem. Isso porque a cúpula do Exército era fascista. Basta te dizer o seguinte: em 1940, na Escola Militar, o nosso comandante era o coronel Alcio Souto. Esse homem era pró-nazismo, pró-Alemanha, um germanófilo. Eu não posso te afirmar, mas ele se ofereceu para ir, com o Cordeiro de Faria, para a Artilharia Divisionária, e os americanos vetaram. Então, ele convidou o embaixador alemão e o adido militar alemão para visitar a Escola Militar. Mas houve um fato interessante aí. Esse fato foi revelado por mim a primeira vez no jornal do Neiva Moreira, outra, no encarte do Mauritônio Meira, e várias vezes em público. Quando essas pessoas nos visitaram, a Escola Militar, naturalmente, fez formatura, bandeira, continência, toque de corneta, discurso, almoço; e depois disso, nós fomos ver um filme num cineminha lá em Realengo, que um dos cadetes chamava de o "Milímetro", porque na Cinelândia já existia o "Metro". Muito bem: fomos todos para o "Milímetro". O filme era sobre a anexação da Áustria, e exibia todos aqueles desfiles com bandeiras, suásticas, com tochas à noite. Daí o Hitler começou um discurso. Nesse momento, irrompeu uma vaia dos cadetes. O capitão mandou acender a luz e disse: "Olhe, o comandante não está nada satisfeito com o que aconteceu aqui, porque isso não é o papel de um cadete de Caxias. Os senhores são os futuros oficiais, e a vaia é a arma dos moleques".

Não é, a vaia é a arma do protesto. O protesto mais barato que o povo tem é a vaia, o segundo é jogar pedra. Mas ele continuou: "Eu vou passar o filme outra vez e quero ver quem é que vai desafiar isso". Na hora em que Hitler começou a falar outra vez, outra vaia. Assim, voltamos para Escola e ficamos em forma durante um bom tempo, até que ele descobrisse quem puxou a vaia. Como naquela época não havia a pessoa do dedo-duro, que foi criada depois de 64, ninguém denunciou ninguém. Eu confesso que fiquei surpreendido com a vaia, já que a disciplina era muito férrea lá. Essa vaia veio mostrar o estado de espírito do povo brasileiro em querer ir à guerra porque a soberania brasileira estava sendo aviltada ali.

AND: Que pensamentos ou preocupações o senhor teve no dia da primeira missão?

Brigadeiro: A minha primeira missão foi no dia 6 de novembro de 44. Mas os líderes de esquadrilhas já tinham feito mais de uma missão. Geralmente, a minha maior preocupação era a de fazer bem a missão, de cumpri-la. Na época, eu já era casado, minha mulher estava grávida, e tinha dias em que eu escrevia três cartas para ela. Mas a preocupação de todos, basicamente, era essa: a de cumprir a missão. Não se via muito onde é que as bombas caíam, os tiros também não. Você ficava duas horas e 45 minutos debaixo de pau, não tinha um lugar em que você passasse e que não recebesse tiro. Era chato. Eu fiz 94 missões, e fui atingido nove vezes. Mas não era um tiro só, uma vez foram 57 furos no avião, sendo que eu tinha levado um tiro na asa do avião, e a sua aerodinâmica ficou bastante prejudicada. Isso foi no dia 29 de abril. Quase que eu morro.

AND: E quando acabou sua primeira missão, como foi pisar em terra firme?

Brigadeiro: Eu cheguei numa euforia muito grande. Fiquei muito feliz. E nesse dia, o Chico da BBC, o Francis Hallawel, um correspondente de guerra inglês que havia sido meu professor na Escola de Aeronáutica, foi fazer uma entrevista comigo. E nessa entrevista, quando eu estava vibrando muito com a minha missão, chegou a notícia de que o Cordeiro havia morrido na sua primeira missão. Então eu murchei, fiquei muito triste.

AND: E a sua mais importante missão?

Brigadeiro: Acho que as missões em que se corre mais risco de vida, preocupam muito. O fato de virar prisioneiro, por exemplo. Eu, pessoalmente, em casos em que tinha que demonstrar, que tinha que fazer, eu revelava um grande equilíbrio emocional, mas depois tinha muita tremedeira. No dia 29 de abril, estive numa missão, já na terceira fase do combate, de "Cooperação com as Forças Terrestres", e fui chamado por um destacamento aero-tático, ou seja, um caminhão, um jipe, um teco-teco — um local onde se encontra um oficial que tem uma experiência muito grande da utilização do avião que ele está chamando. Sabe usar aquele avião. É um craque. Então, ele vai emprestado ao exército, para o exército pedir alvos para ele. Nesse dia, os alemães fecharam a entrada de Verona.

No momento em que sobrevoava os alvos, vi uns tanques, só que duas esquadrilhas americanas já haviam estado lá e não tinham visto nada. A camuflagem é uma coisa muito engraçada, porque não se vê, mas às vezes numa mudança de ângulo, num raio de sol, você vê que aquilo é tapeação, e fica bobo por não ter visto antes.

Várias vezes eu tive essa sorte de ver. Eu disse para o Nero Moura, que era o comandante: "Olha, eu estou vendo os tanques". "Então, aguarda" ele disse. Depois de falar com um americano, o Nero deu o comando da esquadrilha para mim. Disse: "Ataca!" E eu: "Diz pra esse cara lá embaixo que atacar tanque com metralhadora é dar cascudo em estátua". E ele: "Olha, nós estamos apenas com metralhadora, não estamos com foguete, vale a pena trocar o avião pelo tanque, porque esses tanques estão atrapalhando o avanço das tropas". Quando eu mergulhei, eles abriram um fogo antiaéreo contra mim tão forte, e o lugar era tão estreito, que eu disse: "Não entra ninguém porque senão eu não saio, não tem nem lugar para manobrar aqui". E fui pra cima do primeiro tanque. Na hora que eu atirei, um tiro veio na minha direção, pegando bem no encontro da asa do avião e justamente nas garrafas de oxigênio. Deu aquele clarão enorme e eu disse: "Poxa, eles me pegaram". Mas com a embalagem que eu estava, eu fui para o segundo tanque, que incendiou. Fui para o terceiro tanque já mole, com menos velocidade, mas também peguei o terceiro. Quando eu puxei o avião, aquele buraco da asa me prejudicou. O avião ficou lento e eufalei: "Perdi os comandos e vou saltar". Assim, o Rocha, que estava lá em cima me acompanhando, disse: "O Rui saltou e o pára-quedas não abriu". Mas eu já não tinha tempo de avisar que eu não havia saltado. Como eu não sou pára-quedista, confesso a vocês que tinha muito medo de saltar daquele avião. Todo colega que saltou se machucou. Assim, eu fiz uma experiência para ver se saía mesmo. Quando eu fiz, saí. Só que eu não queria sair, então voltei para o avião. Perdi altura e o avião foi para o chão. Indo para o chão ele embalou; embalando eu ganhei velocidade, com a velocidade o instinto de conservação fez com que eu puxasse o comando — e ele atendeu ao comando. Daí para frente não tinha mais como explicar, e disse: "Eu não saltei e nem vou saltar. To com o comando". Eu tenho muito controle nessas situações, raciocino muito. Como não podia manobrar ali, eu fui para cima de Roveretto, uma cidade que já estava armada e devia ter uma divisão blindada. Eu fui muito atingido, mas nenhum tiro pegou no corpo vital do avião ou em mim. Depois voltei para base. E essa foi uma missão que me preocupou bastante.

Mas teve uma missão em que eu senti ter pesado na balança: uns depósitos de munições lá em Brescia. É uma área muito grande, onde tinha um aglomerado de casas. E como estávamos bombardeando muito bem, o nosso líder disse: "Olha, vamos sortear. Vamos numerar essas casinhas, cada um escolhe uma". Aí, nós numeramos, e eu fiquei com as do meio. Mas quando a minha bomba bateu lá em baixo, todos os depósitos explodiram ao mesmo tempo. E o jornalzinho americano colocou que eu tinha feito a melhor explosão da semana.

Essas missões marcaram muito. Mas a gente tinha muita consciência do seguinte: o cumprimento da missão, principalmente no fim da guerra. A gente se arriscava mesmo, e um tenente sabe que cada bomba que solta, e cada tiro que ele dá, está valendo para diminuir o tempo de guerra. Isso nos deu uma consciência muito grande. Por esse motivo, muitos responderam com um certo desprezo pelos colegas que tiveram medo e voltaram.

AND: O senhor falou no final da guerra. E a sua última missão? Como é que o senhor e os seus companheiros, da heróica esquadrilha Senta a Pua receberam a notícia do término da guerra? Como é esse momento mágico em que num minuto o senhor considera o outro como um inimigo, podendo matá-lo legalmente, e em outro o senhor já o vê como um ser humano?

Brigadeiro: Olha, eu estava no campo no momento em que a guerra terminou. Esse momento foi anunciado três vezes pelo alto-falante. A princípio houve um certo silêncio, mas depois se ouviu muita gritaria — cada um, naturalmente, procurando pelos seus parceiros... Houve muito choro, muitas lágrimas foram derramadas naquele dia. Nós chegamos no dia dois de outubro e terminamos no dia dois de maio. O fim foi uma coisa fantástica. Mas logo em seguida você tem a certeza de que a guerra é uma covardia.

Eu fui para a estrada ver os prisioneiros passando, e não tinha fim aquelas colunas de prisioneiros. Tinha garoto, tinha velho, tinha de tudo ali. E eu disse: "Poxa, a gente tava matando esses caras... e hoje estamos dando cigarro para eles." Os nazistas eram muito agressivos, eles não eram seres humanos, eu os considerava uns assassinos horríveis. Mas os soldados alemães eram iguais a qualquer pessoa, ou seja, acabou a guerra, acabou.

As primeiras pessoas que a gente vê morrer, mexe muito. Mas depois a gente ia ficando com uma certa insensibilidade pelo fato, e aprimorava a vontade de pegar um cara na boa, mesmo porque cada perda de um colega era um negócio sério, e segurar essa barra era difícil. A gente pensava: "Amanhã eu vou ajustar as contas com esse cara".

Uma outra grande emoção que eu senti foi no dia em que eu pousei aqui, pois a chegada foi brilhante. Quando eu desci bati com o pé no chão, só não beijei o chão feito o Papa, mas disse: "Agora eu estou em casa". Fomos então, recebidos pelo presidente Vargas, e o Nero, numa felicidade absoluta, disse: "Presidente, missão cumprida." E ficamos muito emocionados.

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Baixas do 1º Grupo de Aviação de Caça na Campanha da Itália Mortos em combate

2º Tenente Aviador Dante Isidoro Gastaldoni
Morreu enquanto realizava um treinamento no Panamá. Foi a primeira vitima do 1º Grupo de Caça.

1º Tenente Aviador John Richardson Cordeiro e Silva
Foi abatido e morto ao atacar posições de artilharia antiaérea no dia 6 de novembro de 1944, tendo realizado apenas uma missão. É citado na entrevista.

1º Tenente Aviador Oldegard Olsen Sapucaia
Faleceu no dia 7 de novembro de 44.

1º Tenente Aviador Waldir Paulino Pequeno de Mello
Morreu numa colisão no dia 16 de novembro de 44. Voou apenas uma missão de guerra.

2º Tenente Aviador Roland Rittmeister
Faleceu no mesmo acidente do Ten. Waldir.

1º Tenente Aviador João Maurício Campos de Medeiros
Morreu em combate no dia 2 de janeiro de 1945, sendo eletrocutado por fios de alta tensão no momento em que saltou de pára-quedas.

1º Tenente Aviador Aurélio Vieira Sampaio
Morreu no dia 22 de janeiro de 1945 quando atacava fortificações inimigas. Cumpriu 16 missões.

2º Tenente Aviador F rederico Gustavo dos Santos
Realizou 44 missões de guerra, sendo morto no dia 13 de abril de 1945, aos 19 anos, quando atacava depósitos de munição.

1º Tenente Aviador Luiz Lopes Dornelles
Realizou 89 missões de guerra, sendo abatido no dia 26 de abril de 1945, a poucos dias do término da guerra.

Sobreviveram após o resgate

1º Tenente Aviador Ismael da Motta Paes
Realizou 24 missões de guerra, tendo sido abatido no dia 23 de dezembro de 1944 e convertido em prisioneiro de guerra.

1º Tenente Aviador Josino Maia de Assis
Cumpriu 41 missões de guerra. Foi abatido no dia 29 de janeiro de 1945 e caiu prisioneiro.

Capitão Aviador Joel Miranda
Realizou 31 missões de guerra, sendo abatido no dia 4 de fevereiro de 1945.

2º Tenente Aviador Danilo Marques Moura
Na Itália, voou 11 missões de guerra, quando foi abatido em Castelfranco, no dia 4 de fevereiro de 1945.

1º Tenente Aviador Roberto Brandini
Foi abatido em Ferrara, no dia 10 de fevereiro de 1945, tendo realizado 28 missões de guerra.

2º Tenente Aviador Raymundo da Costa Canário
Era o piloto mais jovem do Grupo. Foi abatido no dia 15 de fevereiro de 1945. Realizou 51 missões de guerra.

Capitão Aviador Theobaldo Antonio Kopp
Ao completar sua 58º missão de guerra, foi abatido em Suzara, no dia 7 de março de 1945.

1º Tenente Aviador Othon Corrêa Netto
No dia 26 de março de 1945, foi abatido em Casarsa. Permaneceu prisioneiro nos campos de concentração de Nuremberg e Müsberg. Cumpriu 58 missões de guerra.

2º Tenente Aviador Marcos Eduardo Coelho de Magalhães
Realizou 85 missões de guerra, quando foi abatido no dia 22 de abril de 1945.

2º Tenente Aviador Renato Goulart Pereira
Foi abatido no momento em que atacou objetivos inimigos, 30 de abril de 1945. Realizou 93 missões de guerra.

Fonte: A Nova Democracia