Um país cuja economia é assentada em ilusões coletivistas que estão levando a nação a rumos perigosos e fortalecendo uma sociedade onde o futuro não existe, só o presente de consumismo além da capacidade e enfraquecimento do dinheiro como elemento de unidade e prosperidade. É assim que – Ron Paul – enxerga a sociedade americana, e explica isso em seu livro O Fim do FED – Por que acabar com o Banco Central (Editora É Realizações, 238 páginas). O experiente político e economista – cuja vida pública teve início na segunda metade da década de 1970 e hoje participa da disputa para escolher o representante do Partido Republicano na próxima eleição presidencial americana – revela sua formação intelectual influenciada por uma infância de valores tradicionais, trabalho duro, poupança, e posteriormente marcada de forma especial pela influência de pensadores da escola austríaca de economia, com destaque para von Mises, e o contato com outras correntes de pensamento anticoletivistas, como o objetivismo de Ayn Rand.
E é à luz dessa formação que Paul analisa o papel do FED – Federal Reserve, ou o Banco Central Federal dos Estados Unidos.
A origem do FED está na busca de grandes bancos por uma forma de garantir seus negócios, finalmente encontrada na manipulação do poder do Estado, e com isso deixar de ser o que foram até o final do século XIX, ou seja, um negócio como qualquer outro, sujeito a falências e sucessos, um cenário onde o livre mercado funcionava como um freio para os interesses dos grandes banqueiros.
Paul relata as tentativas históricas de criar um Banco Central nos EUA antes do FED – todas fracassadas -, como o livre mercado solucionou crises econômicas do passado sem necessidade de intervenção estatal, e por que a ideia de um banco central ganhou corpo em meados dos anos 1910, sendo favorecida por crises e muita propaganda paga. Prometendo prosperidade sem limites, na verdade o FED apenas legitimou um cartel de bancos e gerou condições para que crises econômicas fossem agravadas ao longo das décadas seguintes. Dos vários objetivos declarados para justificar sua criação, apenas um o FED alcançou: bancos dificilmente faliram a partir de então, pois passou a vigorar um sistema onde os prejuízos são socializados e os interesses bancários garantidos, em detrimento do livre mercado e do consumidor.
Ron Paul também explica como a constante instabilidade bancária provém em grande parte da forma como o sistema bancário é organizado, baseado em reservas fracionadas, onde os depósitos dos clientes podem ser utilizados como fonte de empréstimos, e depois redepositados. Como tal sistema é arriscado no caso de haver uma corrida para saques, o FED entra em cena, dando garantias que não deveriam existir caso houvesse um sistema de livre mercado – este é outro ponto para o qual Paul chama atenção de forma enérgica: dinheiro é, ou deveria ser, um produto como qualquer outro, portanto, deveria estar sujeito às leis de mercado, assim como os bancos. Para piorar as coisas, o FED contribui decisivamente para o caos econômico criando moeda do nada, ao sabor de decisões políticas e interesses obscuros – o real funcionamento e os interesses do FED são envoltos em muitos segredos, sendo desconhecidos da opinião pública e da maior parte da classe política americana, explica Paul, a ponto do atual presidente da instituição se negar a dar muitas explicações em audiências públicas no Congresso americano.
O autor lembra como o poder de controlar a moeda é, essencialmente, poder para controlar a política e ampliar a ação do Estado sobre os indivíduos[*]. Desta forma, gerar riqueza artificialmente, através de papel moeda impresso à vontade, sem lastro, é uma tentação muito grande porque é um instrumento de ação política, desejado por muitos e facilitador de projetos de poder, pouco importando que não signifique o fim de problemas sociais ou não resulte em prosperidade real. Os resultados das crescentes intervenções estatais na economia, via ação do FED, são as bolhas financeiras, inflação e ameaça de uma recessão ainda pior do que a da década de 1930. Paul explica ainda como a crença disseminada de que é a falta de intervenção estatal que favorece as crises econômicas está completamente errada.
Embora a luta contra o FED aparente ser uma causa perdida, pois seus desígnios são aceitos como sendo quase dívinos e seu presidente um sábio ouvido por todos, especialmente os mercados, ela está ganhando muitos adeptos e crescente apoio popular nos EUA. E as manifestações populares contra os interesses bancários sempre estiveram presentes na história política do país, podendo obter sucesso novamente como instrumento de pressão por mudanças – o autor cita o Tea Party como exemplo de mobilização e lembra que muitos socialistas americanos acertadamente criticam o FED, mas toleram a interferência estatal em várias esferas da sociedade americana, numa evidente contradição que acaba favorecendo o próprio FED.
O autor considera que crises como a que vivemos são fundamentais para implantação de reformas a fim de diminuir o tamanho do Estado e salvaguardar a liberdade. Mas é necessário que os opositores do atual estado de coisas coloquem suas teorias e opiniões em prática. De nada valem boas ideias e acreditar que estão corretas sem lutar por elas. Neste sentido, o socialismo consegue uma boa vantagem porque é ótimo em termos de propaganda, mas desilude porque é um fracasso completo. Assim, uma vez demonstrando o fracasso do coletivismo socialista, uma nova teoria – a liberdade individual – deve ser defendida junto aos cidadãos de forma que os convença de que ela é a que melhor defende seus interesses. Este é o desafio, mostrar que a liberdade é melhor representada pelo livre comércio, a propriedade privada e a moeda forte.
O livro deixa claro que há divergências nas fileiras da direita americana. O próprio Paul disputou a presidência dos EUA pelo partido libertário em 1988, e depois novamente se associou aos republicanos. Murray Rothbard, um dos intelectuais austríacos que influenciaram Paul, ora militava nos meios libertários, ora entre os republicanos, chegando a apoiar o então pré-candidato do partido republicano, Pat Buchanan, em 1992. A confrontação entre republicanos e libertários foi positiva como forma de contestar o monopólio partidário existente nos EUA, na opinião de Paul.
O livro relata ainda os contatos de Paul com Alan Greenspam, ex-presidente do FED, que de posições econômicas conservadoras na juventude, como o uso padrão ouro, passou a defensor do intervencionismo do FED, pavimentando o terreno para as graves crises econômicas dos últimos anos, e com o então presidente Ronald Reagan
(foto acima), ele próprio um defensor do padrão ouro que Paul sempre defendeu.
O autor também defende que, sem a existência de um Banco Central, as forças políticas que periodicamente lançam os EUA em aventuras externas como guerras e conflitos ou fazem do assistencialismo demagógico bandeira eleitoral, não teriam instrumentos para financiar suas ações, já que sem a máquina de imprimir dinheiro e gastar a fundo perdido os custos teriam que ser cobertos por impostos diretos, causando uma fortíssima reação popular.
Em resumo, o fim do FED significaria o inicio da diminuição do poder do Estado e a valorização da produção real, da liberdade e da responsabilidade individuais. Mas o próprio autor reconhece que este trabalho de mudanças depende basicamente de uma alteração no pensamento da sociedade americana, que perdeu a noção do que é prosperidade proveniente de trabalho duro e, principalmente, poupança. A prosperidade fácil e aparentemente infinita tornaram os cidadãos americanos pouco afeitos a encarar os fatos, muitas vezes desagradáveis, e isso acaba favorecendo o jogo dos que defendem o financismo irresponsável e o discurso equivocado de que o Estado é um gerador de prosperidade.
Tal quadro pode ser revertido somente com esforços dos que se opõem ao canto de sereia do FED através de um lento e corajoso processo educacional e trabalho de convencimento da população. Embora esta conclusão do autor seja praticamente a admissão de que suas propostas são utópicas, dado o grau de intoxicação coletivista que a sociedade americana e mundial vive – e também porque sua visão de papel do Estado implicaria, por exemplo, no desmantelamento de grande parte das forças militares dos EUA, o que, obviamente, é totalmente ingênuo à luz da política internacional e dos interesses nacionais dos EUA –, o livro de Ron Paul é muito interessante para formar um quadro do sistema monetário e político americano, revelando que muitos dos problemas que afligem a sociedade brasileira, como crédito fácil e irresponsável, populismo político, coletivismo como panaceia para problemas sociais, também fazem parte do cotidiano do país mais poderoso do mundo, e para enfrentar essa situação o autor apresenta soluções que fogem ao senso comum envolvendo mais socialismo e mais governo, o qual, em última análise, só agrava o problema e restringe a liberdade dos cidadãos.
[*] Nota do autor: Uma obra de extrema importância sobre as origens do FED e todas as implicações históricas disso é o livro The Creature from Jeckyll Island, de autoria do intelectual Edward Griffin. No trabalho de Griffin é possível obter um panorama detalhado de muitos aspectos que Ron Paul toca superficialmente em seu livro, como o uso de guerras e do socialismo para favorecer os interesses das elites bancárias.
Fonte: midiaamais - Via Plano Brasil
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