Familiares das 228 vítimas do voo AF-447 receberam na véspera do
terceiro aniversário da tragédia - lembrado nesta quinta-feira, 31 - uma
boa notícia: entre 30 de junho e 5 de julho, os relatórios finais do
acidente serão, enfim, apresentados. O problema é que as duas
investigações paralelas, da Justiça e do Escritório de Investigação e
Análise para a Aviação Civil (BEA), serão contraditórias.
Enquanto a primeira deve reforçar as suspeitas de negligências da Air
France e da Airbus, já indiciadas por homicídio culposo; a segunda
insistirá em responsabilizar os pilotos. Durante os três primeiros anos
de investigação, todas as atenções da imprensa e das famílias das 228
vítimas - 58 brasileiras - se concentravam no trabalho dos peritos do
BEA, que realizaram as buscas em alto-mar à procura dos destroços do
Airbus A330 e das caixas-pretas. O último relatório parcial dos
técnicos, de julho de 2011, deixa claro que o escritório apontará falhas
de pilotagem como o principal fator para a queda.
Segundo essa lógica, o comandante da aeronave, Marc Dubois, de 58
anos, e seus copilotos, David Robert, de 37, e Pierre-Cedric Bonin, de
32, reagiram de forma inadequada ao congelamento das sondas pitot. Esses
sensores medem a velocidade de um avião e orientam todo o sistema de
navegação de um Airbus. Com a pane desses sistemas, a quatro minutos da
queda, um dos copilotos, Bonin, com o apoio de Robert, levou o avião a
ganhar altitude excessiva, até a perda de sustentação, que levaria ao
choque com o Atlântico.
Em seu relatório, a ser divulgado em 5 de julho, o BEA deverá
recomendar que os pilotos sejam melhor treinados para enfrentar essa
pane. Nesta quarta-feira, 30, Martine Del Bono, porta-voz do escritório,
informou à Radio France International (RFI) que o BEA também
recomendará à Agência Europeia para Segurança Aérea (Easa) que
aperfeiçoe o funcionamento do alarme de perda de sustentação, para que
ele não deixe de funcionar com precisão em caso de erro na indicação de
velocidade. Ainda assim, na visão do BEA, a maior responsabilidade cabe
aos pilotos.
Essa conclusão não satisfaz especialistas independentes e familiares
de vítimas. "O BEA não é um organismo independente. Ele depende do
Estado francês, que é acionista da Air France e da Airbus", criticou
Yassine Bouzrou, advogado das famílias.
Justiça. Com as dúvidas que pesam sobre o BEA, a
investigação da Justiça da França cresceu em importância. Comandada pela
juíza de instrução Sylvie Zimmerman, a apuração já tinha resultado no
indiciamento das duas companhias, Air France e Airbus, por homicídio
culposo, em março de 2011. Agora, toda a expectativa gira em torno do
relatório dos cinco experts independentes, que será publicado em 30 de
junho.
Embora o processo corra em segredo de Justiça, o Estado obteve alguns
elementos do que deve ser apontando por esse relatório. A primeira
conclusão é de que ele inverterá o raciocínio do BEA: na visão dos
peritos independentes, a eventual falha dos pilotos teria sido induzida
por lacunas de treinamento - o que responsabilizaria Air France e Airbus
- e por falhas eletrônicas que tornam a pilotagem de um A330 muito
complexa em determinadas situações adversas, como as enfrentadas pelo
voo AF-447. O erro dos pilotos, segundo essa lógica, seria uma
consequência que contribuiria para o acidente.
Por outro lado, a Justiça não deve apontar a falha das sondas pitot
como a causa essencial do acidente. Especialistas franceses como Gérard
Arnoux e Henri Marnet-Cornus advertem que desde que os sensores da marca
francesa Thales foram substituídos pelos de outra fabricante, a
americana Goodrich, a Air France nunca mais registrou casos de pane
desses equipamentos. Sylvie Zimermman, porém, não parece convencida
dessa tese. Se o fato se confirmar no relatório judicial, o grau de
responsabilidade da Airbus no acidente pode ser reduzido.
O Estado contatou nesta quarta as duas companhias,
Air France e Airbus. Ambas se negaram a fazer comentários sobre as
informações, alegando que as investigações estão em curso.
Fonte: Estadão
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