Durante toda a Guerra Fria, as superpotências mundias, Estados Unidos
e União Soviética, se orgulhavam de possuírem espaços aéreos
inexpugnáveis, e faziam questão de fazer enorme propaganda disso, como
demonstração de poder.
O espaço aéreo da União Soviética era tão bem defendido que, dentro
da doutrina militar americana, as possíveis missões contra alguns alvos
específicos, em caso de guerra aberta, eram considerados, praticamente,
como missões suicidas. Particularmente, a cidade de Moscou era
considerada como uma das cidades melhor defendidas no mundo contra um
ataque aéreo direto.
Todavia, nenhuma defesa é perfeita, e sempre haverá algum ponto
vulnerável. De fato, um piloto ocidental conseguiu burlar todas as
defesas russas, e não somente conseguiu sobrevoar boa parte da União
Soviética e de Moscou, como também pousou lá, em pleno coração da
cidade, na Praça Vermelha.
Esse piloto não operava, no entanto, uma sofisticada aeronave invisível militar. Ele nem sequer era militar, era civil, e pilotava um simples e pacato Cessna 172 Skyhawk. Mathias Rust era um piloto amador alemão, e tinha então apenas19 anos de idade. Rust alugou o Cessna para fazer a mais extraordinária aventura da sua vida: invadir o espaço aéreo da União Soviética e pousar em Moscou, em uma missão idealista de “promover a paz”.
Esse piloto não operava, no entanto, uma sofisticada aeronave invisível militar. Ele nem sequer era militar, era civil, e pilotava um simples e pacato Cessna 172 Skyhawk. Mathias Rust era um piloto amador alemão, e tinha então apenas19 anos de idade. Rust alugou o Cessna para fazer a mais extraordinária aventura da sua vida: invadir o espaço aéreo da União Soviética e pousar em Moscou, em uma missão idealista de “promover a paz”.
Mathias Rust, na sua “missão”, demonstrou uma boa dose de coragem,
sangue frio, capacidade de planejamento e… ingenuidade. Era evidente que
se tratava de uma aventura extremamente arriscada: durante a Guerra
Fria, qualquer avião vindo do Ocidente sem o conhecimento e autorização
dos soviéticos era considerado hostil, e estava a sujeito a destruição
sem aviso prévio. Mas Rust resolveu desafiar abertamente os soviéticos,
sem apoio e nem conhecimento de mais ninguém. Era uma aventura
particular de adolescente.
Sua jornada começou no Aeroporto de Uetersen, perto de Hamburgo, na
então Alemanha Ocidental, em 13 de maio de 1987. Tinha como destino o
Aeroporto Helsinki-Malmi, na Finlândia. Quinze dias depois, na manhã de
28 de maio, após encher os tanques do avião, e com uma generosa
quantidade de combustível extra a brodo, Rust fez um plano de voo para
Stockholm, na Suécia. Após fazer uma última comunicação com o Controle
de Tráfego Aéreo finlandês, mudou o rumo para Sudeste e voou em direção à
Estônia, na então União Soviética.
O
Cessna de Rust sumiu dos radares finlandeses quando sobrevoava Sipoo,
no litoral do Golfo da Finlândia. Como Rust deixou de se comunicar pelo
rádio, seu Cessna foi considerado desaparecido, e provavelmente
acidentado, no mar. Uma missão de busca e salvamento foi organizada. Os
barcos de patrulha da Finnish Border Guard encontraram uma mancha de
óleo no mar, que presumiram se tratar de vestígios do Cessna, mas não
conseguiram confirmar, obviamente, pois Rust ainda estava voando.
Após cruzar a linha de costa da Estônia, Rust tomou uma proa para
Moscou. Voando baixo, mas sem se preocupar em voar rente ao solo, foi
interceptado pelos radares do PVO (ProtivoVozdushnoy Oborony – Forças de
Defesa Aérea), pela primeira vez, às 14 horas e 29 minutos, hora local.
Sem nenhuma identificação como aeronave amiga e em silêncio de rádio, o
Cessna foi declarado invasor. O PVO declarou alerta vermelho, colocando
mísseis antiáreos em prontidão e despachou dois caças para interceptar o
intruso.
Os mísseis não foram disparados, pois era necessário obter
autorização superior para isso, e tal autorização nunca foi concedida.
Um dos dois caças fez contato visual com o Cessna de Rust, às 14 horas e
48 minutos, perto de Gdov, na Estônia, e identificou seu alvo como um
pequeno avião branco, similar a um avião leve russo Yakovlev Yak-12, de
asa alta. Pediu para engajar o alvo, mas tal autorização foi negada.
É de se duvidar que os caças, ou mesmo os mísseis antiaéreos,
pudessem destruir o pequeno Cessna. O avião de Rust era tão pequeno,
manobrável e lento que tornaria o seu abate uma proeza equivalente a
caçar pardais com canhão.
Pouco tempo depois, os caças perderam o contato com o Cessna. Quando
sobrevoava a região de Starava Russa, já na Rússia, o avião também sumiu
dos radares. Especulou-se que Rust talvez tivesse pousado em algum
lugar dessa região, para trocar de roupas, descansar um pouco e,
possivelmente, reabastecer os tanques com a gasolina extra que carregava
a bordo, mas isso nunca foi confirmado.
O PVO ainda conseguiu detectar o avião várias vezes, mas, contando
com uma sorte incrível, Rust e seu avião foram confundidos com aeronaves
russas. Próximo a Pskov, foi confundido com aeronaves de treinamento
que usavam o local como área de manobras, e cujos inexperientes pilotos
frequentemente se esqueciam dos códigos IFF (Identification Friend or
Foe – Identificação de Amigo ou Inimigo) corretos. Em consequência,
todos os aviões na área foram considerados “amigos”, inclusive Rust.
Quando
sobrevoava Torzhok, o Cessna foi confundido com um dos helicópteros que
faziam uma missão de busca e salvamento de um acidente aeronáutico
ocorrido no dia anterior. Depois, sempre contando com uma sorte
incrível, Rust continuou sendo confundido com aeronaves russas de
treinamento e continou seu voo sem ser perturbado.
Embora voando sobre a superdefendida União Soviética, que enchia de
temores qualquer piloto militar americano, Rust só passou medo real por
uma única vez, quando percebeu a aproximação dos caças sobre a Estônia.
Procurou espantar o medo recordando do incidente do voo KAL 007, um
Boeing 747 civil coreano que foi abatido, cheio de passageiros, em
espaço aéreo soviético, alguns anos antes, e que provocou protestos do
mundo inteiro. Julgou que os soviéticos não iriam se arriscar a novos
protestos por causa de um simples monomotor civil. Mas Rust manteve-se
tenso durante o voo inteiro, e não era para menos.
Sem ser incomodado, Rust começou a sobrevoar os arredores de Moscou
no final da tarde. Sua intenção era pousar dentro do Kremlim, mas pensou
melhor e mudou seu objetivo para a Praça Vermelha. Afinal, o Kremlim
era um local fechado ao público em geral, e a KGB poderia muito bem
eliminá-lo lá dentro, sem chamar a atenção de mais ninguém, e ocultar o
incidente do resto do mundo. Já a Praça Vermelha era um lugar público,
tinha turistas estrangeiros, o que tornaria o incidente imediatamente
conhecido.de todos e da imprensa. Isso poderia protegê-lo de ser
simplesmente executado.
Pouco antes da 19 horas, Rust sobrevoava a Praça Vermelha, procurando
um local para pousar. Não era fácil, pois a praça sempre tem intenso
tráfego de pedestres. Afinal, encontrou um espaço livre na ponte próxima
à Catedral de São Basílio, e lá pousou sem maiores dificuldades, às 19
horas. Ainda era céu claro, nessa época do ano. Taxiou como se fosse um
carro de passeio na avenida, parou ao lado da Catedral, a 100 metros da
Praça Vermelha, desligou o motor e desceu do avião.
Sua extraordinária sorte o protegeu até esse instante: a ponte era
protegida contra pousos de aeronaves por cabos de aço, que foram
removidos para manutenção justamente na manhã daquele mesmo dia. Seriam
reinstalados no dia seguinte.
Os transeuntes perplexos não foram hostis com Rust e até o
cumprimentaram. Mas não demorou muito para a polícia chegar e prender o
audacioso piloto.
O julgamento de Rust pela Justiça Soviética começou no dia 2 de
setembro de 1987. Ele foi sentenciado a 4 anos de prisão por baderna,
infração às regras de tráfego aéreo e invasão de fronteira, e enviado à
Prisão Lefortovo em Moscou. Foi uma sentença relativamente leve, pois,
em outros tempos, talvez fosse mandado para a Sibéria pela KGB por
espionagem e nunca mais saísse de lá, vivo.
Não chegou a cumprir a pena integralmente. Dois meses depois de
Mikhail Gorbachev e Ronald Reagan assinarem um tratado de eliminação de
mísseis nucleares de médio alcance instalados na Europa, o Soviete
Supremo, em um gesto de boa vontade, mandou libertar Rust, que foi
deportado para a Alemanha, Ocidental. Desembarcou naAlemanha Ocidental
no dia 3 de agosto de 1988.
A aventura pessoal de Mathias Rust teve consequências inimagináveis
na História. Naquela época, Mikhail Gorbachev defendia uma ampla reforma
e uma abertura do regime soviético, a Perestroika e a Glasnost, que
tinham, no entanto, grande oposição por parte dos militares russos. O
incidente de Rust, no entanto, desmoralizou e humilhou os militares
russos no mundo inteiro. Afinal, um simples avião civil, com um piloto
amador quase adolescente, passou por todas as defesas e pousou sem
oposição no centro da capital soviética, ao lado do Kremlin.
Gorbachev soube aproveitar muito bem o incidente: demitiu o Ministro
da Defesa Soviético, Serguei Sokolov, o Chefe de Defesa Aérea, Alexander
Koldunov e centenas de outros oficiais. Com a desmoralização dos
militares, Gorbachev conseguiu implantar as reformas que queria, que
acabaram criando um caos econômico que desembocou na queda do Muro de
Berlim, no fim da Guerra Fria e no fim da União Soviética, em dezembro
de 1991. Pequenas causas criaram grandes efeitos.
Do jovem idealista Mathias Rust, que queria, com seu voo épico, fazer
um gesto em favor da paz, sobrou pouco. Depois de voltar à Alemanha
Ocidental, recusou-se a fazer o Serviço Militar Obrigatário, por razões
de consciência, pois era a favor da paz. Provou isso com o seu voo. Suas
razões foram aceitas, e, em alternativa, teve que prestar serviços
comunitários em um hospital alemão.
Enquanto estava no hospital, apaixonou-se perdidamente por uma
enfermeira que, no entanto, não correspondeu ao seu amor. Acabou
esfaqueando a enfermeira, e recebeu uma sentença de 4 anos de prisão por
tentativa de homicídio. Foi libertado depois de 15 meses.
Depois disso, casou-se, divorciou-se e voltou a casar. Cometeu vários
pequenos delitos, como roubar um casaco de cashemira em uma loja, não
pagar dívidas e cometer pequenas fraudes. O Governo da Finlândia
apresentou-lhe uma conta de 100 mil dólares pela missão de busca e
salvamento levada a cabo no dia do seu voo histórico. Graças à fama que
ganhou com a sua “missão” a Moscou, conseguiu amealhar uma pequena
fortuna e fundou uma organização dedicada à paz, denominada Orion and
Isis, que, todavia, nunca fez nada muito relevante, até hoje.
Hoje, aos 42 anos de idade, Mathias Rust é sócio de uma empresa de
investimentos na Estônia, mas sobrevive mesmo como jogador profissional
de poker. Parece que sua sorte ainda não o abandonou, pois consegue
grandes lucros com isso.
O avião que Rust usou para chegar a Moscou, um Cessna F172P,
fabricado sob licença pela Reims, da França, em 1983, foi matriculado
na Alemanha como D-ECJB, e ficou apreendido na Rússia durante algum
tempo, até ser devolvido para a sua proprietária, a Atlas, de
Ganderkesee, Alemanha. Foi posteriormente exportado para o Japão. mas,
provavelmente, nunca recebeu uma matrícula japonesa. Em 2008, o
Deustches Technikmuseum Berlin levou o avião do Japão de volta para a
Alemanha (foto acima, ainda com a matrícula original), onde está hoje em
exibição pública, totalmente restaurado (foto abaixo). O Cessna de Rust
é uma aeronave histórica, pois chegou onde nenhum avião militar
ocidental jamais conseguiu sequer se aproximar, durante a Guerra Fria.
Mesmo sendo um típico anti-herói, Mathias Rust teve um papel
desproporcionalmente grande na história, pois o seu voo provocou uma
desmoralização geral nos militares soviéticos, que perderam poder e
acabaram cedendo às reformas de Gorbachev. Em última análise, Mathias
Rust e seu pequeno Cessna podem ter precipitado o fim da União
Soviética, do Muro de Berlim e da Guerra Fria.
Fonte: Blog Cultura Aeronáutica
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