No dia 6 de maio, quando a França conhecerá o nome do seu próximo
presidente, nada deve mudar nas relações diplomáticas entre o país e o
Brasil, com quem os franceses já mantêm um "excelente" diálogo - como
definiu ao Terra o chanceler Alain Juppé, na última quinta-feira. Entretanto, nas trocas comerciais,
o Brasil pode acabar se prejudicando indiretamente por posturas
protecionistas que o candidato socialista, François Hollande, sinaliza
querer adotar, caso seja eleito.
A aproximação de Brasil e
França é de longa data e se acentuou nas últimas décadas. O
ex-presidente francês Jacques Chirac se empenhou em projetar o colega
Luiz Inácio Lula da Silva no cenário internacional, e Lula teve no
sucessor de Chirac, Nicolas Sarkozy, um de seus aliados mais fiéis
durante o segundo mandato de governo. Sarkozy ajudou a fortalecer o G20
em detrimento ao G8 e apoiou publicamente a entrada do Brasil no
Conselho de Segurança da ONU - fortalecendo o Brasil nas esferas de
governança global.
O governo Dilma Rousseff não registra
a mesma proximidade - por enquanto, a presidente ainda não foi a Paris
em visita oficial e nem recebeu o presidente francês em Brasília, por
exemplo. Desde a eleição da petista, uma série de eventos marcaram
distanciamento de posições entre os dois países ¿ primeiro, o adiamento
da compra dos 36 novos caças para a Força Aérea Brasileira, para a qual o
francês Rafale era o favorito. Em seguida, França e Brasil se opuseram
sobre a Primavera Árabe, em particular sobre a intervenção militar na
Líbia e, mais recentemente, sobre uma solução para dar um fim à
violência na Síria.
Em resposta a uma pergunta do Terra,
em Paris, o ministro das Relações Exteriores da França, Alain Juppé,
afirmou que, apesar de algumas ¿divergências¿, as relações entre os dois
países permanecem ¿excelentes¿. O chanceler não citou a proximidade com
nenhum dos países emergentes em um amplo balanço feito sobre os anos
Sarkozy. ¿Nós temos divergências com diversas potências europeias, com
os Estados Unidos e com vários países emergentes, que não têm a mesma
visão do que nós sobre a responsabilidade de proteger. Para nós, a
responsabilidade de proteger é um grande progresso na governança
mundial¿, justificou, em relação ao Brasil.
Analistas brasileiros e
franceses concordam que pouco ou nada deve mudar no campo diplomático
em caso vitória de Sarkozy ou do socialista François Hollande nas
eleições para a Presidência francesa, que se iniciam neste domingo. O
Itamaraty, por sua vez, prefere aguardar em silêncio o nome vencedor
antes de comentar qualquer preferência por um dos candidatos.
"A
dimensão política-estratégica obedece a uma relação mais de Estado e de
longo prazo. Não haverá grandes diferenças com a vitória de um ou
outro", avalia Antonio Jorge Ramalho da Rocha, professor de Relações
Internacionais da Universidade de Brasília. "Os acordos de Defesa já
existentes, com a compra
de submarinos, e a possibilidade de que ainda se aprofundem com os
Rafale demonstram um nível de confiança incomum entre dois países."
Ramalho
da Rocha destaca que uma aproximação ainda mais forte pode ou não
acontecer, afinal depende da "simpatia mútua entre dois chefes de
Estado, independente dos partidos". Ele lembra da proximidade improvável
que Lula mantinha com o presidente americano George W. Bush.
Entretanto, se na diplomacia não devem ocorrer mudanças, no plano econômico
a situação pode se alterar - favorito a vencer o pleito, Hollande tem
defendido um retorno à valorização do "made in France" para retomar o
crescimento do país.
"É uma política mais nacionalista que
pode criar obstáculos ao comércio com os franceses, embora a França não
seja um país de primeira ordem entre os que o Brasil mais
comercializa", comenta Giorgio Romano, coordenador do curso de Relações
Internacionais da Universidade Federal do ABC e membro do Grupo de
Análise de Conjuntura Internacional da USP.
Esse revés, porém pode
ter duas faces, segundo Romano: como o governo brasileiro, Hollande
também condena as políticas ostensivas de austeridade aplicadas na
Europa para sair da crise. Se levada à esfera europeia, a bandeira pelo
crescimento de Hollande acabará fortalecendo o bloco e,
consequentemente, favorecendo o retorno das trocas comerciais com os
outros continentes. "Dilma e Guido Mantega criticaram a austeridade e
defenderam o estímulo à economia na Europa em diversas ocasiões. Nisso
há uma aproximação muito grande com o que diz Hollande."
O
cientista político Stéphane Monclaire, especialista nas relações com o
Brasil pela universidade Paris 1 (Sorbonne), observa que, em um contexto
de crise na Europa, o Brasil ou os demais países emergentes foram pouco
citados pelos candidatos durante a campanha eleitoral quando o debate
girava em torno da globalização e do livre comércio. "Embora queira
aplicar um tipo de protecionismo nacionalista, Hollande sabe que, caso
seja eleito, a verdadeira margem de manobra dele será muito pequena,
afinal as decisões da França em comércio internacional precisam passar
pela Europa."
O problema, como também lembrou Romano, é que o
motor da União Europeia é a França e a Alemanha. Ou seja, se optar pela
via protecionista, o socialista vai acabar levando o assunto à esfera
europeia. "Por isso que essa é a eleição mais importante da Europa desde
o início da crise: porque vai influenciar o debate na Itália, na
Espanha, em vários outros países."
François Hollande lidera das
pesquisas de intenções de voto, à frente ao atual presidente no primeiro
e no segundo turnos. Se vencer o pleito, Hollande vai trazer o Partido
Socialista novamente ao poder na França depois de 17 anos de presidência
de direita conservadora.
Eleitores no Brasil
Os
franceses que moram no Brasil são os primeiros a votar nas eleições
presidenciais deste fim de semana. De acordo com uma norma fixada em
2007 pelo Ministério do Interior francês, os eleitores das Américas e
das Antilhas têm prioridade em função do fuso-horário. Cerca de 15 mil
pessoas se cadastraram com antecedência para votar e são esperadas,
entre as 8h e as 18h deste sábado, em 12 pontos de votação, como a
embaixada em Brasília, os consulados em São Paulo, Rio de Janeiro e
Recife, e escritórios espalhados por capitais como Curitiba e Porto
Alegre.
Fonte: JB/Terra
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