Ao longo de seus 91 anos de vida, em especial nos 58 anos de
episcopado, 30 deles à frente da igreja no Rio de Janeiro, Dom Eugenio
Sales, que faleceu na noite de segunda-feira (9), fez História.
Na
administração dos católicos, criou igrejas (em torno de 60), incentivou
a vocação sacerdotal de jovens – ordenou 215 sacerdotes – sagrou mais
de 20 bispos, e ajudou a igreja a fazer crescer seu patrimônio, ainda
que às vezes com gosto arquitetônico discutível, como a Catedral
metropolitana da Avenida Chile.
Mais do que um administrador,
porém, Dom Eugenio era um pastor que matinha controle do seu rebanho.
Por isto, era um bispo polêmico. Não foram poucos os sacerdotes que se
queixavam dele. Nos anos 70, em pleno regime militar, fazia questão de
visitar os presídios junto com o coordenador da pastoral penal, padre
Bruno Trombeta. Não havia Páscoa, nem Natal em que o cardeal não
passasse em pelo menos uma cadeia pública. Nelas, com a imprensa
presente, celebrava para todos os presos e ia às celas dos prisioneiros
políticos, muitos dos quais não confessavam a mesma fé ou, simplesmente,
eram ateus.
Em maio de 2000, pela primeira vez Dom Eugênio falou ao jornalista Fritz Utzeri, do Jornal do Brasil,
sobre um trabalho que desenvolveu em sigilo entre 1976 e 1982, quando
acolheu e protegeu mais de cinco mil refugiados políticos de toda a
América Latina. Ele autorizou seus auxiliares a alugarem cerca de 80
apartamentos para abrigar estes perseguidos das ditaduras militares do
cone sul. Algumas vezes, como o o jornal relatou, policiais argentinos
eram infiltrados nos grupos de refugiados, mas acabavam sendo
descobertos.
Mas, mesmo amparando o rebanho preso, ele
controlava a movimentação não apenas dos seus sacerdotes como dos
próprios irmãos de episcopado. Em meados dos anos 70, Dom Hélder Câmara,
então arcebispo de Olinda e Recife, recusou-se a dar uma entrevista
formal para o jornal Pasquim alegando “um acordo com meu
irmãozinho Eugenio que me pediu para não falar quando viesse ao Rio”. A
entrevista acabou sendo feita na forma de um questionário.
O
dominicano Frei Betto era outro que Dom Eugenio não gostava – e, se
pudesse, impedia - que se manifestasse no Rio, assim como não nutria
nenhuma simpatia pelas ideias dos irmãos Boff - Leonardo e Clodovis.
Leonardo, quando ainda pertencia ao clero, foi proibido de falar aos
seus irmãos franciscanos no convento. Dom Eugênio ameaçou expulsá-los do
Rio caso dessem vez às pregações de Leonardo. Já Clodovis foi
dispensado da PUC onde dava aula. Recorreu a Roma, ganhou o processo,
mas jamais voltou a uma sala: recebia o ordenado de professor, mas
continuou impedido de lecionar na universidade.
Polêmica também
gerou quando impediu, em 1989, que a escola de Samba Beija-Flor
desfilasse com a estátua do Cristo Redentor,provocando um dos mais
célebres protestos do carnavalesco Joãosinho Trinta: ele colocou na
avenida a estátua coberta por um plástico preto com uma faixa com os
dizeres “Mesmo proibido, olhai por nós”, deixando clara a censura
sofrida.
Ainda que evitasse maiores manifestações políticas na sua
jurisdição, Dom Eugenio agia nos bastidores junto aos militares,
intercedendo em favor daqueles que estavam presos e sofriam torturas.
Mantinha uma linha direta com os militares, com todos eles, dos mais
duros àqueles considerados mais abertos ao diálogo. Imunha-se, sempre de
maneira firme, mas delicadamente na forma. Abrigou mais de quatro mil
refugiados políticos, deu assistência às famílias dos desaparecidos,
ajudou a evitar outros desaparecimentos.
Agia, à sua maneira,
preferencialmente sem alardes. Bem distante do jeito de atuação de outro
cardeal que marcou época, Dom Paulo Evaristo Arns, pastor da igreja em
São Paulo. Embora adotassem métodos diferentes e fossem considerados de
alas opostas no seio da igreja e da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil – Dom Eugenio tido como conservador, Dom Paulo como progressistas
– os dois tiveram algumas passagens juntas. Uma delas, em março de
1978, quando foram recebidos, com outras personagens civis brasileiras,
pelo presidente norte-americano Jimmy Carter, na casa da Gávea Pequena.
Na
sua gestão à frente da igreja carioca, Dom Eugênio desenvolveu uma
série de pastorais – Penal, das Favelas, do Menor -, muitas delas
entregue à coordenação de leigos. Construiu o prédio anexo ao Palácio
São Joaquim onde juntou os diversos setores da igreja que se espalhavam
pela cidade. No Sumaré, onde residia, ergueu um prédio confortável onde
reunia nos finais de semana empresários, intelectuais, políticos,
membros do governo e da oposição para debates sobre temas diversos, em
uma espécie de pastoral com os formadores de opinião.
Ele também
protestava a seu modo, como ocorreu ao se deparar com um cadáver jogado
na estrada do Sumaré, seu caminho entre a residência oficial e o Palácio
São Joaquim. Desceu do carro, abençoou o corpo e fez questão de
noticiar o fato, marcando sua repugnância pela violência na cidade.
Pouco tempo depois reuniu autoridades no Centro de Estudos do Sumaré
para discutir a questão da violência.
Criado no sertão
nordestino, Dom Eugenio era de Acari, no interior do Rio Grande do
Norte. Nasceu em 8 de novembro de 1920. Seus pais - Celso Dantas Sales e
Josefa de Araújo Sales - geraram outro bispo católico, Dom Heitor de
Araújo Sales, Arcebispo Emérito de Natal (RN).
Foi no colégio
Marista da capital potiguar que ele despertou para a vida sacerdotal.
Com 11 anos, ingressou no seminário menor na mesma cidadade, mas seus
estudos de Filosofia e Teologia foram em Fortaleza (CE), no Seminário da
Prainha. Em 21 de setembro de 1943 foi ordenado padre pelo bispo de
Natal Dom Marcolino Esmeraldo de Sousa Dantas, na Igreja Matriz de Nossa
Senhora da Guia, em Acari, onde foi batizado.
Dedicou-se, como
sacerdote, às igrejas do interior do Rio Grande do Norte. Mas não por
muito tempo. Em 1954, com 33 anos e apenas 11 como padre, foi nomeado
bispo auxiliar de Natal pelo Papa Pio XII. A sagração deu-se em 15 de
agosto.
Em 1962, foi designado administrador apostólico da
Arquidiocese de Natal. Dois anos depois mudou-se para Salvador, na
Bahia, onde exerceu a função de administrador apostólico da
Arquidiocese. Galgou ao posto de Arcebispo, Primaz do Brasil de São
Salvador da Bahia em 29 de outubro de 1968, por decisão do Papa Paulo
VI.
Aos papas, Dom Eugenio dedicava total fidelidade, mas por
Paulo VI tinha um carinho especial a ponto de presenteá-lo, a cada ida a
Roma, com uma caixa de mamão papaia. Foi no potificado de Paulo VI que
ele ganhou o titulo de cardeal (1969) e dois anos depois foi transferido
para o Rio de Janeiro, após o falecimento de Dom Jaime de Barros
Câmara.
Como cardeal do Rio organizou duas vindas do papa João
Paulo II ao Brasil – 1980 e 1987 – fazendo questão de levá-lo à favela
do Vidigal, quando muitos acharam que isto seria uma loucura. Em 2005,
em Roma, celebrou uma das missas solenes nas exéquias do papa.
Já
cardeal emérito – com mais de 80 anos – e, portanto, sem participar do
conclave que escolheria o novo papa, dom Eugenio vibrou ao saber que o
sucessor de João Paulo II seria o cardeal Joseph Ratzinger, que adotou o
nome de papa Bento XVI. Dele recebeu uma carta especial ao completar
seus 90 anos, em 2010.
O cardeal emérito do Rio faleceu na noite
de segunda-feira, na residência oficial do Sumaré, vítima de um infarto.
Seu velório ocorrerá durante toda a terça-feira (10) na Catedral
Metropolitana da Avenida Chile. O enterro, na mesma Catedral, ocorrerá
às 15h da quarta-feira.
Fonte: JB
Durante grande parte do velório do cardeal dom
Eugênio Sales, na Catedral Metropolitana de São Sebastião, no centro do
Rio, morto ontem, 9, vítima de um infarto, uma pomba branca sobre o
caixão chamou a atenção de quem estava na cerimônia.
O
pássaro foi levado pelo assessor da presidência da Cruz Vermelha do
Rio, Gilberto de Almeida, 60. Ele disse que levou a pomba em homenagem
ao cardeal, por ter "lutado tanto pelas causas humanitárias".
"Pedi
para soltar a pomba depois do Hino Nacional. Quando terminou, soltei
ela, mas ela parou e ficou sobre o caixão. Não sei como isso aconteceu",
disse ele.
Almeida disse ter sido uma das pessoas que recebeu
apoio de dom Eugenio durante enchentes na praça da Bandeira, no Rio, em
1964.
O enterro ainda não tem data marcada, mas
deve ocorrer, segundo informações da arquidiocese, nesta quarta-feira,
11, no mesmo local do velório.
Nascido em Acari, no Rio Grande do Norte, em 8 de novembro de 1920, dom Eugênio ingressou no seminário em 1936. (Com informações da Folha Online - Via Costa Branca News).
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