Símbolo da arquitetura militar do
século 18, o Forte da Lage, no Rio, ajudava a formar – com as
fortificações de Santa Cruz e São João – uma barreira quase
intransponível aos corsários franceses, em suas recorrentes investidas
na busca por ouro, açúcar e especiarias. Convertido a área operacional
do Exército, serviu de presídio, acabou desativado em 1997 e hoje
apresenta-se em petição de miséria. Janelas corroídas pela
maresia, cacos de vidro espalhados pelo piso de madeira e canhões
enferrujados contrastam com a imponência visual dos fortes da Baía de
Guanabara. A Lage representa o descaso das autoridades fluminenses com
um patrimônio mundialmente reconhecido e referendado pela Organização
das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A
falta de visibilidade das fortificações do Rio e de Niterói também é
nítida: das dez existentes na baía, apenas quatro estão abertas à
visitação (Santa Cruz, Pico, São Luiz e São João).
O Forte da Lage – com “g”, na grafia
antiga – fica a três quilômetros da Praia da Urca, e o acesso da
reportagem à ilha foi feito por uma canoa havaiana.
Partindo da Urca, navega-se por 20
minutos até a formação rochosa. O acesso, dificultado pelo mar
constantemente revolto, é feito por uma escada de pedra, depois de um
curto trajeto a nado. O fisioterapeuta Antônio Magnago conta que os
adeptos da canoagem costumam fazer piquenique lá: “Tirei serviço aqui em
1988, quando era soldado”, conta Antônio, caminhando pelas escuras
salas do forte. “Era uma base do Forte São João, e a gente vinha de bote
a motor. Quem vinha para cá ficava sem atividade. Tinha alojamento,
cozinha. Havia um sumidouro que fazia um barulho estranho, e o pessoal
botava medo nos soldados, dizendo que era o monstro da Lage. É uma pena
que esteja abandonado. Isso é um patrimônio de todos nós e deve ser
preservado.”
Há infiltrações por todos os cantos. Numa
parede, uma inscrição indica que a última restauração foi feita em
outubro de 1902, durante o governo Pereira Passos. Na fortificação,
estiveram detidos vários personagens da História do Brasil, como José
Bonifácio e Olavo Bilac, este por críticas ao marechal Floriano Peixoto.
De acordo com o Comando militar do Leste
(CML), a Ilha da Lage é hoje um patrimônio sob responsabilidade do
Centro de Capacitação Física do Exército, que fica na Urca. Em 2002, a
corporação chegou a levantar os custos de sua recuperação, mas os
valores foram considerados muito altos, inviabilizando o projeto. O
Exército diz que limpa periodicamente as sujeiras trazidas pela maré e
de “pessoas não autorizadas a entrar no recinto (pescadores, banhistas
etc)”. Atualmente, diz o CML, a iniciativa privada tem interesse em
tornar a Lage um ponto turístico.
O pequeno forte não é tombado por nenhuma
das três instâncias (União, Estado e município), mas o historiador do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) Adler
Homero lembra que a preservação não é um processo simples.
“Somente a construção do forte custou o
equivalente a R$ 2 bilhões. O material está sem conservação adequada há
50 anos. O tombamento tem duas vertentes: uma é a concessão do título, a
outra, mais importante, é a garantia da preservação. A dificuldade de
acesso à ilha é enorme, o mar chega a encobri-la por completo. A questão
financeira pesa: somente a recuperação da Lage custaria R$ 40 milhões. E
o orçamento do Iphan é de R$ 120 milhões”, compara Homero.
Estudioso da História do Brasil, o
arquiteto Nireu Cavalcanti lamenta o descaso com o Forte da Lage e cobra
uma rápida atuação para evitar que a história desabe no coração da Baía
de Guanabara. “A paisagem do Rio não existe sem o Forte da Lage. Até
hoje ele tem um farol que marca a entrada da baía. Deve ser restaurado,
tombado pelo Patrimônio Histórico. Era uma fortaleza baixinha que dava
muito trabalho aos invasores. Sua construção começou no fim do século
17, mas só foi efetivamente instalada a partir de 1720, após a exitosa
invasão dos franceses comandada por René Duguay-Trouin. O projeto era do
arquiteto (engenheiro militar) francês João Massé”, comenta Cavalcanti.
“O Rio e Niterói precisam ter um programa conjunto de visitação aos
fortes”, acrescenta.
Levantamento mostra que somente quatro
fortes da Baía de Guanabara (três deles em Niterói) estão abertos ao
público: Santa Cruz, Pico, São Luiz e São João. A Fortaleza de Santa
Cruz recebe em média 3.500 visitantes por mês. Na cidade, só perde para o
Museu de Arte Contemporânea (MAC), que está na faixa dos 20 mil. O
entorno da Guanabara conta com outros seis fortes: Ilha da Boa Viagem,
Ilha das Cobras, Gragoatá, Rio Branco, Lage e Villegaignon.
O presidente da Niterói Empresa de Lazer e
Turismo (Neltur), José Haddad, reconhece que falta dar visibilidade a
essas maravilhas históricas: “Estamos discutindo com o Exército a
elaboração de um projeto conjunto para consolidar os fortes como produto
turístico. A intenção é incluir todas estas estruturas”.
A Diretoria do Patrimônio Histórico e
Cultural do Exército informou que está em curso um projeto de
formalização de um roteiro turístico das fortificações, em parceria com o
Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social da Coppe/UFRJ e o
apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio (Faperj). Em
1998, o Exército decidiu que todos os fortes seriam abertos ao público.
Mas a decisão acabou revogada.
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