O Ministério da Defesa fez uma convocação e as maiores
empreiteiras do Brasil já asseguraram participação no desenvolvimento da
indústria de equipamentos de segurança nos próximos anos. Conforme a
Lei 12.958, aprovada em março, os grupos que criarem subsidiárias no
setor terão vantagens tributárias e condições especiais para intermediar
a incorporação de compras do governo. Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão,
Andrade Gutierrez e Engevix, além da Embraer, já entraram no ramo. Os
grupos Synergy e Camargo Corrêa negociam com parceiros estrangeiros o
ingresso no mercado, no modelo adotado pelos outros grupos.
O Brasil hoje tem importância quase irrisória em um mercado que
movimenta US$ 1,5 trilhão por ano no mundo e que, ao lado do setor
farmacêutico, detém o maior orçamento global para pesquisa e
desenvolvimento. Do setor, historicamente derivam tecnologias usadas no
cotidiano, desde o Fusca até a ultrassonografia. Os focos principais do
governo hoje são os setores nuclear, espacial e cibernético.
O Brasil já tem empresas com tradição no setor e reconhecidas
internacionalmente, como Helibrás, Avibrás e CBC. Mas a maioria é
pequena, com menos de 40 funcionários, e tem poder financeiro limitado
para competir globalmente. Segundo a Federação das Indústrias do Estado
de São Paulo (Fiesp), só 10% das empresas que venderam ao Ministério da
Defesa entre 2008 e 2010 fecharam negócios nos três anos seguidos,
"expondo a inconstância das vendas mesmo para seu principal cliente, o
Estado", diz a entidade.
Decreto prevê conteúdo nacional
Ao aproximar essas empresas das empreiteiras, o governo quer criar
grupos competitivos com fôlego para sobreviver diante das compras
intermitentes das Forças Armadas. Assim, seria evitado que pequenas e
promissoras empresas do setor fossem compradas por estrangeiras, como a
AEL Sistemas, produtora de suprimentos de energia para satélites,
vendida em 2001 para a israelense Elbit Systems.
Astros II, da Avibras
- As empresas do setor são vulneráveis, porque o mercado é
monopsônico: as vendas são só para nós e, quando elas vão exportar,
dependem do aval do governo. É um problemaço, porque elas precisam
sobreviver e eu compro pouco. Elas têm de partir para parcerias e
dualidade (atendendo os setores militar e civil) - disse o general
Aderico Visconte Pardi Mattioli, diretor do Departamento de Produtos de
Defesa do ministério.
A primeira motivação das empresas para entrar no setor foi a
indicação do governo de reaparelhamento das Forças Armadas no fim de
2008. Há hoje um orçamento de compras de R$ 70 bilhões até 2015 e outras
dezenas de bilhões são previstas para até 2030.
A Odebrecht foi a primeira gigante a entrar no mercado em um contrato
com a Marinha para, junto com a estatal Nuclep, construir o submarino
nuclear brasileiro, orçado em R$ 9,6 bilhões. As obras já começaram em
Itaguaí (RJ) e o valor envolvido despertou as concorrentes.
Essas empresas estão de olho não só nas obras de engenharia civil,
mas também na tecnologia adquirida pelo governo nessas compras e na
possibilidade de replicá-la exportando. Por isso, as empresas têm feito
parcerias com estrangeiros. A Andrade Gutierrez se associou ao grupo
francês Thales e a Engevix se uniu à alemã ThyssenKrupp, enquanto as
outras negociam, por exemplo, com BAE Systems, do Reino Unido, e
Finmecanica, da Itália. Procuradas, nenhuma das empresas brasileiras
atendeu a pedidos de entrevista e algumas se limitaram a confirmar suas
ações no segmento.
Pela lei, o governo criou a Empresa Estratégica de Defesa (EED), que
terá desoneração equivalente às estrangeiras do setor, além de acesso
diferenciado a procedimentos de licitação pelo Ministério da Defesa.
Segundo minuta de decreto a que O GLOBO teve acesso, que regulamenta a
lei 12.958 e deve ser publicado nas próximas semanas, terão essas
vantagens de atuar como "integradoras" das compras do governo empresas
brasileiras ou consórcios liderados por grupo nacional. O decreto prevê,
ainda, o meio de oferta de condições especiais de financiamento pelo
governo, o que está na lei.
O texto prevê o chamado Termo de Licitação Especial, um procedimento
mais ágil para as EEDs exigindo delas, por exemplo, percentuais mínimos
de conteúdo nacional, comprovação de capacidade inovadora e condição
financeira para ter crédito.
Pela Estratégia Nacional de Defesa, que previu em 2008 as diretrizes
para a formação da indústria nacional, o governo indica que, fomentando a
ação desses grandes conglomerados no setor, o Brasil pode criar grupos
capazes de exportar o suficiente para aumentar a balança comercial no
futuro. Países periféricos aos grandes produtores de armamento na Europa
e nos EUA, como Índia e China, têm investido bilhões por ano em
importações para defesa.
Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa
e Segurança (Abimde), o país tem potencial para, em 2030, exportar US$ 7
bilhões e atender o equivalente a US$ 4,4 bilhões no mercado interno.
Em 2009, exportamos US$ 1 bilhão e, as vendas internas foram de US$ 1,7
bilhão.
O almirante Carlos Afonso Pierantoni Gambôa, vice-presidente
executivo da Abimde, disse que o Brasil já é reconhecido
internacionalmente por nichos de excelência, como aviação, armas não
letais e pistolas. Ele lembra que o movimento trazido agora pelo governo
já ocorreu em outros países hoje relevantes no setor.
Falta consenso entre empresas do setor
A estratégia do governo para fortalecer a indústria nacional de
defesa, porém, não é consensual entre as empresas brasileiras. Para
Jairo Cândido, diretor do Departamento de Indústria de Defesa da Fiesp, o
governo não deveria adquirir a tecnologia para só depois decidir como
será incorporada à indústria nacional. Para ele, também é "perverso" pôr
lado a lado empresas do setor e grandes empreiteiras, sem que elas
escolham uma vocação específica para o segmento:
- Aquilo que deveria servir à soberania nacional está virando só
oportunidade de negócios, mas não deveria se limitar a isso. Grandes
empresas têm muito a contribuir e sou a favor do ingresso delas no
setor, mas antes têm de dizer o que farão na área de defesa.
Ter uma indústria de defesa relevante é passo significativo no longo
caminho do Brasil em busca de assento cativo no Conselho de Segurança da
ONU. Para o almirante Pierantoni, o Brasil ainda conta com a vantagem
de não ter histórico de posições questionáveis em conflitos e de ser
simpático ao mundo, de uma maneira geral:
- Mais difícil é superarmos o entrave cultural nacional dos
militares, porque muitos ainda não vêem o equipamento brasileiro com
bons olhos.
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