As guerras nem sempre são ganhas com batalhas decisivas; muitas
vezes, elas são conflitos nos quais qualquer ação que quebre a vontade
de lutar do adversário é mais um passo para a vitória.
No Afeganistão, o Taleban mira justamente a vontade da comunidade
internacional e do governo de Hamid Karzai, infiltrando-se de maneira
sistemática nas forças de segurança afegãs com a finalidade de miná-las
internamente.
Os ataques perpetrados por soldados e policiais afegãos contra
membros das forças da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) -
seus parceiros na coalizão - não constituem incidentes isolados. Ao
contrário, refletem uma estratégia taleban profundamente arraigada na
história do país.
Desde o início do ano, ocorreram 31 ataques, que deixaram 40 mortos. O
brigadeiro Günter Katz, um porta-voz da Otan, disse recentemente aos
repórteres que esses episódios eram em grande parte fatos isolados
causados em geral por problemas pessoais, stress e fadiga decorrentes da
batalha.
Entretanto, se a tendência persistir, 2012 registrará o dobro de
incidentes em relação a 2011, apesar da redução do número de tropas da
coalizão no Afeganistão.
Somente no caso dos Estados Unidos, essas ameaças internas
representam atualmente 33% de todas as baixas. Os soldados estão
expostos a um risco cada vez maior de serem mortos pelos colegas afegãos
que eles deveriam treinar e assessorar.
O aumento dos ataques representa uma mudança catastrófica neste
conflito. Os insurgentes estão perdendo terreno no campo de batalha. As
bombas colocadas nas margens das estradas e os ataques contra
personalidades de destaque, embora sempre mortais, deixaram de produzir
um efeito chocante como antigamente. Submetidos a uma pressão cada vez
maior, grupos como o Taleban procuram maneiras mais baratas para atacar a
coalizão e as forças de segurança afegãs. As ameaças internas permitem
aos insurgentes preservar seu poderio de combate empurrando ao mesmo
tempo as forças internacionais para a saída.
Esses ataques atuam como uma espécie de cunha que se insere entre os
assessores estrangeiros e seus parceiros afegãos. A infiltração quebra a
confiança. Os ataques são uma forma de luta desgastante para os
assessores estrangeiros, ao mesmo tempo em que prejudicam a qualidade do
treinamento.
As forças afegãs vão definhando na medida em que os comandantes não
sabem em quem confiar entre suas fileiras. A população tem a impressão
de que seu Exército é uma força debilitada. A guerra de vontades
torna-se uma guerra pela sobrevivência.
O Taleban não precisa ganhar no campo de batalha. Precisa apenas que
os países estrangeiros e os afegãos reduzam o seu apoio ao governo.
A introdução de uma cunha entre os parceiros e a destruição de sua
confiança favorece a realização do seu objetivo. O inimigo está se
adaptando a essa necessidade. Por outro lado, a infiltração e o
subterfúgio são aspectos persistentes da forma de guerrear dos afegãos.
A história afegã está repleta de histórias de intrigas e subterfúgios
nos quais o adversário é enfraquecido internamente e os grandes
exércitos acabam minguando.
O assassinato de Nader Shah Afshar, o xá da Pérsia de 1688 a 1747,
por membros do sua segurança interna levou seu assessor mais próximo,
Ahmad Shah Durrani, a fugir com forças leais e ele e a reunir ao seu
redor as tribos afegãs em Kandahar, onde constituíram o antecessor do
moderno Estado afegão, o Império Durrani.
Durante a Primeira Guerra Anglo-Afegã (1839-1842), os britânicos
ajudaram Shah Shuja a retomar o poder do seu irmão, Mohammed Shah. Na
Batalha de Maiwand, na Segunda Guerra Anglo-Afegã (1878-1880),
frequentemente mencionada na propaganda taleban, os britânicos sofreram
graves deserções das tropas afegãs.
A mesma tendência é evidente na história militar contemporânea do
Afeganistão. As deserções em massa de unidades do Exército afegão das
forças soviéticas foram frequentes durante a jihad anticomunista.
Durante a guerra civil afegã, as facções mudavam continuamente de lado para ganhar vantagem.
O caudilho usbeque, Abdul Rashid Dostum, trocou de lado três vezes.
Em 1996, Gulbuddin Hekmatiar deixou de combater a Aliança do Norte,
liderada pelos tajiques, para unir-se às forças destes e combater o
Taleban. Karzai fez com que vários líderes tribais aderissem ao Taleban
quando tomou Kandahar com o apoio da coalizão, em 2001.
Nesse contexto histórico, será fácil perceber que os ataques contra
as forças da Otan não podem ser considerados incidentes isolados, e urge
reconhecer a gravidade da situação ou a estratégia taleban.
Os insurgentes estão minando as forças nacionais de segurança afegãs em suas próprias fileiras.
Um adversário com grande capacidade de adaptação visa deliberadamente
a confiança conquistada a duras penas entre os parceiros afegãos e as
forças da coalizão. Portanto, o primeiro passo para debelar essa doença é
o diagnóstico do problema.
Por: Benjamin Jensen*, The New York Times - O Estado de S.Paulo / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
* É PROFESSOR ASSISTENTE DA SCHOOL OF INTERNATIONAL SERVICE DA
AMERICAN UNIVERSITY, NA QUALIDADE DE OFICIAL GRADUADO DA GUARDA NACIONAL
DE MARYLAND, SERVIU NO AFEGANISTÃO
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