Com o gelo derretendo no Ártico a um nível recorde, as superpotências
mundiais vêm competindo cada vez mais para ter influência política e
uma posição econômica em postos avançados como Nuuk, vista antes como
região selvagem e estéril.
Em jogo estão as abundantes ofertas de petróleo, gás e minérios que,
graças à mudança climática, começam a se tornar mais acessíveis, como
também rotas mais curtas navegáveis para transportar produtos. Este ano,
a China vem se comportando com muito mais ousadia na área, alarmando as
potências ocidentais.
Enquanto os Estados Unidos, Rússia e várias outras nações possuem
territórios no Ártico, a China não detém nenhum e, por isso, utiliza sua
influência diplomática e sua riqueza para garantir uma base de apoio na
região.
"Nos últimos anos, o Ártico tem tido destaque na agenda de política
externa chinesa", disse Linda Jakobson, diretora para os programas da
Ásia Oriental no Lowy Institute for International Policy, em Sydney,
Austrália. Segundo ela, os chineses buscam se inserir na área.
Para promover sua candidatura de observador permanente ao Conselho do
Ártico e aprofundar relações com as nações da região, ministros
chineses visitaram Dinamarca, Suécia e Islândia no verão europeu,
oferecendo acordos comerciais lucrativos. Diplomatas do alto escalão
também visitaram a Groenlândia, onde empresas chinesas investem num
setor de mineração em desenvolvimento, com propostas para importar
operários chineses para a construção.
As nações ocidentais estão particularmente inquietas com essas
aberturas chinesas para essa ilha pobre e com escassa população, um
Estado autônomo dentro do reino da Dinamarca, porque o recuo da calota
polar tem revelado depósitos de minérios muito cobiçados, incluindo o
metal terras raras, crucial para novas tecnologias como telefones
celulares e sistemas de orientação militares.
O vice-presidente da União Europeia, Antonio Tajani, viajou às
pressas para a capital da Groenlândia em junho, para oferecer centenas
de milhões de dólares a título de ajuda ao desenvolvimento em troca de
garantias de que a Groenlândia não dará à China o acesso exclusivo aos
elementos químicos terras raras, tendo qualificado sua viagem como
"diplomacia de matéria-prima mineral".
A Groenlândia está próxima da América do Norte e abriga a base no
extremo norte da Força Aérea dos EUA, em Thule. Numa conferência no mês
passado, Thomas R. Nides, vice-secretário de Estado para gestão e
recursos, disse que o Ártico está se tornando "uma nova fronteira na
nossa política externa".
Nos últimos 18 meses, a secretária de Estado dos EUA, Hillary
Clinton, e o presidente da Coreia do Sul, Lee Myung-bak, visitaram a
região e o premiê da Groenlândia, Kuupik Kleist, foi recebido pelo
presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, em Bruxelas.
"Estamos sendo tratados de maneira diferente em relação há apenas
alguns anos", disse Jens B. Frederirksen, vice-premiê e uma das várias
dezenas de autoridades em Nuuk. "Sabemos que a razão é que agora temos
algo a oferecer, não porque de repente descobriram que a população inuit
é simpática."
A atividade chinesa na região até certo ponto reflete a de outros
países que não pertencem ao Ártico. Nos últimos três anos, União
Europeia, Japão e Coreia do Sul também requereram o status de observador
permanente no Conselho do Ártico, o que lhes permitirá apresentar sua
perspectiva, mas não votar.
Essa entidade outrora obscura, de início se concentrou em assuntos
como monitoramento das populações de animais no Ártico, mas hoje tem
tarefas mais essenciais, como definir as taxas portuárias e negociar
acordos envolvendo reparações no caso de derramamento de petróleo.
"Deixamos de ser um fórum para nos tornarmos um órgão decisório", diz
Gustaf Lind, embaixador da Suécia no Ártico e atual presidente do
conselho.
Mas a China encara sua inclusão como "um imperativo para não ficar
fora das decisões sobre minérios e transporte marítimo", disse Jakobson,
pesquisador no Stockolm International Peace Research Institute. A
economia da China é muito dependente das exportações e a rota polar
poupa tempo, distância e dinheiro no transporte na direção de qualquer
parte da Ásia e Europa, em comparação com a travessia pelo Canal de
Suez.
Até agora, a exploração dos recursos do Ártico é pequena. A
Groenlândia tem apenas uma mina funcionando, embora mais de 100 novos
locais tenham sido mapeados. Nessa região, como no Alasca, Canadá e
Noruega, as empresas de petróleo e gás ainda estão fazendo explorações,
apesar de especialistas estimarem que mais de 20% das reservas de gás e
petróleo mundiais estão no Ártico. O clima mais aquecido já propiciou um
mês a mais de trabalho em muitos locais, tornando mais fácil o acesso.
No verão do Ártico, em certo momento 97% da superfície da calota de
gelo da Groenlândia estava derretendo. Nesse passo, no fim da década, as
águas do Ártico poderão estar livres de gelo no verão, dizem os
cientistas. "As mudanças estão muito mais rápidas que o previsto nos
modelos científicos", disse Morten Rasch, que dirige o programa de
Monitoramento do Ecossistema da Groenlândia, na Universidade Aarhus, na
Dinamarca.
A propriedade do Ártico é governada pela Convenção das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar, que fornece às nações do Ártico uma zona
econômica exclusiva que se estende até 200 milhas marítimas e acesso aos
recursos submarinos a uma grande distância, desde que na plataforma
continental. O Oceano Ártico bem mais ao norte não pertence a nenhum
país e as condições ali são severas. Num local onde limites exatos
jamais foram preocupação, disputas de fronteiras já começaram entre as
principais nações, como por exemplo Canadá e Dinamarca, e Estados Unidos
e Canadá.
Os Estados Unidos estão em situação mais difícil nessa disputa porque
o Senado se recusou a ratificar a Convenção sobre o Direito do Mar,
apesar de os governos Bush e Obama terem defendido a ratificação. Isso
significa que os EUA não podem formalmente definir as fronteiras
submarinas. "Ficamos para trás", disse o vice-secretário Nides.
Mas, segundo especialistas, as disputas envolvendo fronteiras podem
ser rapidamente solucionadas pela negociação, para todos conseguirem
operar e ganhar. Existe "muito pouco espaço para uma disputa pela posse
de territórios, já que a maior parte dos recursos está numa área que já
está demarcada", disse Kristofer Bergh, pesquisador do Stockholm
Institute.
Mesmo assim, as nações do Ártico e a Otan estão estabelecendo bases
militares na região, por precaução. O que deixa a China com poucas
alternativas, salvo aumentar sua influência usando uma estratégia que
funcionou bem na África e na América Latina: investindo e se aliando a
empresas locais e financiando bons projetos para conseguir ter um bom
relacionamento.
Fonte: Estadão
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