Pelo menos duas
falhas humanas teriam provocado o incêndio que matou dois militares e
destruiu 70% da base brasileira em fevereiro. Um deles: o diesel que
alimenta os geradores de energia vazou, e o responsável pela operação
não viu. Teria saído antes para uma confraternização. O outro, o alarme
desligado. Temiam que disparasse devido ao uso de gelo seco na festa. E o
que aponta inquérito ao qual o Correio teve acesso com exclusividade.
Correio teve acesso ao inquérito
aberto para apurar as causas do incêndio que destruiu a Estação
Comandante Ferraz. Alarme estava desligado e um operador deve ser
indiciado por homicídio culposo
O inquérito policial militar (IPM)
que investiga as causas do incêndio que matou dois militares e destruiu
70% da Estação Comandante Ferraz, na Antártica, em fevereiro deste ano,
aponta que houve uma sucessão de falhas, entre elas, erros humanos que
agravaram a situação.
De acordo com informações do IPM, às
quais o Correio teve acesso, o processo de transferência de combustível
do tanque secundário para os geradores de energia, que é acionado
manualmente, deveria ter sido feito durante o dia, e não à noite, como
ocorreu. O responsável por essa operação também deveria ter acompanhado
da sala de máquinas toda a operação. Mas ele se ausentou do local na
hora. Além disso, as investigações, que devem ser concluídas até
novembro, indicam que o sistema de alarme estava desligado naquela
madrugada de 25 de fevereiro.
A constatação dos investigadores é
que o combustível transbordou no momento em que era transferido para os
geradores, se espalhou pelo chão e pegou fogo. O tanque, com capacidade
para 6 mil litros, fica ao lado dos cinco geradores movidos a óleo
diesel que fornecem a energia para a estação. Três peritos da Polícia
Federal (PF) analisam se o vazamento ocorreu por falha humana ou das
válvulas do equipamento, que não têm mecanismo automático de fechamento e
precisam ser abertas e fechadas manualmente.
De acordo com as normas de
segurança da estação, o procedimento, que dura cerca de meia hora, deve
ser feito durante o dia e sob vigilância ininterrupta de um funcionário
responsável. Porém, de acordo com o IPM — que corre em sigilo — um
funcionário iniciou o processo e se retirou em seguida para participar
da festa de despedida da pesquisadora Theresinha Monteiro Absher. O
operador informou aos investigadores que voltou ao local no tempo devido
para concluir a transferência e culpou os equipamentos.
Os militares explicaram que as reuniões
de confraternização são comuns na base, uma forma de aliviar o estresse e
a ansiedade de quem fica, no mínimo, seis meses longe de casa, em uma
região inóspita. De acordo com as normas, o consumo de bebidas
alcoólicas é controlado pelo comandante da base. São oferecidas, no
máximo, duas latas de cerveja ou duas taças de vinho para cada membro da
equipe.
Com relação ao sistema de alarme, segundo
os depoimentos, na madrugada em que o acidente ocorreu, o equipamento
foi desligado para não ser disparado acidentalmente pela fumaça de gelo
seco. Essa fumaça é usada em pistas de dança. Durante a festa, os
sensores poderiam captar a fumaça e disparar o alarme. Mas a
pesquisadora Theresinha Absher negou o uso de gelo seco na
confraternização.
Homicídio culposo
A ideia era desligar o alarme apenas dos alojamentos e do refeitório, mas o oficial responsável desativou todos os setores, incluindo a garagem e a casa de força. Este oficial não deve ser indiciado pelo erro. Mesmo que o alarme fosse disparado, não haveria possibilidade de apagar o fogo.
A ideia era desligar o alarme apenas dos alojamentos e do refeitório, mas o oficial responsável desativou todos os setores, incluindo a garagem e a casa de força. Este oficial não deve ser indiciado pelo erro. Mesmo que o alarme fosse disparado, não haveria possibilidade de apagar o fogo.
Já o responsável pelos geradores poderá
ser indiciado por homicídio culposo — quando não há a intenção de matar
—, negligência e imprudência. Essas acusações, porém, ainda dependem da
conclusão da perícia da PF. Os demais brasileiros na estação, entre eles
30 pesquisadores, um alpinista que presta apoio às atividades de
pesquisa, um representante do Ministério do Meio Ambiente e 12
funcionários do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, são apenas
testemunhas no inquérito.
O Correio ouviu a pesquisadora Theresinha
Monteiro Absher. Ela assegurou que o alarme “jamais” era desligado e
não houve festa com uso de gelo seco. “Não há a menor possibilidade
disso ter acontecido. O alarme nunca era desligado. Fizemos uma
reuniãozinha depois do trabalho. Não existe essa de festa com gelo seco
na Antártica. Temos que passar por essa fase de suposições. Foi um
trauma horrível que aconteceu com a gente. Mas temos de pensar em como
restabelecer a base”, disse ela.
Fonte: Correio Brasiliense
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