Durante anos, os pesquisadores têm se intrigado sobre porque os
descendentes dos vikings abandonaram a Groenlândia no final do século
15. Mas os arqueólogos agora acreditam que questões econômicas e de
identidade, em vez da fome e da doença, foram os motivos que os levaram
de volta para seus lares ancestrais.
Em 14 de setembro de 1408, Thorstein Olafsson e Sigrid Björnsdóttir se casaram. A cerimônia aconteceu numa igreja de Hvalsey Fjord na Groenlândia que tinha apenas cinco metros de altura.
Deve ter sido difícil para a noiva e o noivo se reconhecerem na penumbra da igreja. A luz leitosa de verão só podia entrar na igreja com telhado de grama através de uma janela arqueada no lado leste e de algumas poucas aberturas que lembravam frestas para atirar flechas. Após a cerimônia, os convidados se fortificaram com carne de foca.
O casamento do islandês e da menina da Groenlândia foi uma das últimas festas barulhentas na distante colônia Viking ao norte. Tudo terminou logo depois, quando as últimas lâmpadas de óleo se apagaram nos assentamentos nórdicos na Groenlândia.
Os descendentes dos vikings perseveraram no seu posto no Atlântico Norte durante quase 500 anos, a partir do final do século 10 até meados do século 15. O Período de Aquecimento Medieval possibilitou que colonos da Noruega, Islândia e Dinamarca vivessem em centenas de fazendas espalhadas ao longo dos fiordes protegidos, onde construíram dezenas de igrejas e chegaram até a ter bispos.
Seu desaparecimento continua sendo um mistério até hoje. Até agora, muitos especialistas assumiam que o resfriamento do clima e as más colheitas e a fome resultantes haviam marcado o início do fim da colônia escandinava. Mas agora uma equipe de cientistas dinamarqueses e canadenses acredita que pode refutar esta teoria de declínio.
De agricultores a caçadores de foca
Os cientistas fizeram análises de isótopos em centenas de ossos humanos e de animais encontrados na ilha. O estudo, publicado no "Journal of the North Atlantic", oferece o retrato mais detalhado até agora dos hábitos alimentares dos colonos nórdicos.
Como a pesquisa mostra, a fome dificilmente poderia ter levado os ancestrais dos vikings a deixarem seus assentamentos na beira das geleiras. As análises ósseas provam que, quando o período de aquecimento chegou ao fim, os agricultores e pecuaristas da Groelândia passaram a uma dieta baseada em animais marinhos com uma rapidez surpreendente. A partir de então, os colonos concentraram seus esforços em caçar as focas que apareciam em grande número ao longo das costas da Groenlândia durante suas migrações anuais.
Quando o assentamento começou no início do século 11, só 20% a 30% de sua dieta vinha do mar. Mas a caça à foca passou a desempenhar um papel cada vez maior nos séculos que se seguiram. "Eles passaram a comer cada vez mais carne de foca, e esses animais constituíam até 80% de sua dieta no século 14", explica Heinemeier Janeiro, membro da equipe e especialista em datação da Universidade de Aarhus, na Dinamarca.
Seu colega de equipe Niels Lynnerup, antropólogo e cientista forense da Universidade de Copenhague, confirma que os vikings da Groenlândia tinham muito alimento mesmo depois que o clima esfriou. "Talvez eles estivessem apenas cansados e exaustos de viver nas extremidades da terra e não ter quase nada, a não ser carne de foca, para comer", diz ele.
As análises de ossos mostram que eles raramente comiam carne de seus próprios rebanhos de gado. O clima se tornou mais severo sobre a ilha a partir de meados do século 13. As temperaturas de verão caíram, tempestades violentas passavam ao redor das casas e os invernos eram assustadores de frios. Para o gado que havia sido levado para a Groenlândia, havia cada vez menos para comer nas pastagens e prados ao longo dos fiordes.
Nas fazendas menores, o gado foi gradualmente substituído por ovinos e caprinos, que eram mais fáceis de criar. As análises de isótopos mostram que porcos, valorizados por sua carne, foram alimentados com restos de peixes e focas por ainda algum tempo, mas desapareceram da ilha por volta de 1300.
Os agricultores, que tinham mudado seu foco para a caça de focas, aparentemente não fizeram quase nada para evitar o declínio de sua economia pecuária. As análises que os cientistas fizeram de ossos de animais mostram que os habitantes da Groenlândia nem sequer tentaram ajudar o gado a sobreviver ao longo e gelado inverno, alimentando-os com uma espécie de dieta de fome composta de arbustos, esterco de cavalo, algas e restos de peixe, uma prática generalizada até algumas décadas atrás nas regiões do norte da Europa com desafios climáticos parecidos.
Parece também que epidemias não foram responsáveis pelo declínio da vida agrícola na ilha. Os cientistas não descobriram mais sinais de doença nos ossos viking descobertos na ilha do que em outros lugares. "Nós encontramos esqueletos normais, que se pareciam com achados semelhantes de países escandinavos", disse Lynnerup.
Isolamento crescente
Então, se não foi fome nem doença, o que provocou o abandono dos assentamentos da Groenlândia na segunda metade do século 15? Os cientistas suspeitam que uma combinação de causas tornaram a vida lá insuportável para os imigrantes escandinavos. Por exemplo, quase não havia mais demanda por presas de morsa e peles de foca, os itens de exportação mais importantes da colônia. Além disso, em meados do século 14, o tráfego regular de navios com a Noruega e Islândia cessou.
Como resultado, os moradores da Groenlândia ficaram cada vez mais isolados de seus países de origem. Embora necessitassem urgentemente de madeira para construção e ferramentas de ferro, eles agora só conseguiam obter estes itens esporadicamente.
"Tornou-se mais e mais difícil para os groenlandeses atraírem os comerciantes da Europa para a ilha", especula Jette Arneborg, arqueólogo do Museu Nacional da Dinamarca, em Copenhague. "Mas, sem comércio, eles não poderiam sobreviver em longo prazo."
Os colonos provavelmente também estavam preocupados com a crescente perda de sua identidade escandinava. Eles se viam como agricultores e pecuaristas, em vez de pescadores e caçadores. Seu status social dependia da terra e do gado que possuíam, mas foram justamente essas coisas que já não eram mais capazes de ajudá-los a produzir o que necessitavam para sobreviver.
Embora os descendentes dos vikings tivessem se adaptado à vida no norte, havia limites à sua assimilação. "Eles teriam que viver cada vez mais como os Inuit, distanciando-se de suas raízes culturais", diz Arneborg. "Esta crescente contradição entre a identidade e a realidade foi, aparentemente, o que os levaram ao declínio."
Abandono ordenado
Na fase final, foram os jovens em idade fértil em particular que não viram nenhum futuro para si na ilha. Os escavadores quase não encontraram esqueletos de mulheres jovens num cemitério do período tardio.
"A situação era, presumivelmente, semelhante à de hoje em dia, quando os jovens gregos e espanhóis deixam seus países em busca de pastos mais verdes em áreas que são mais promissoras economicamente", diz Lynnerup. "São sempre os jovem e os fortes que vão embora, deixando os mais velhos para trás."
Além disso, houve um êxodo rural nos países escandinavos na época, e a população das regiões mais remotas da Islândia, Noruega e Dinamarca foi reduzida. Isto, por sua vez, liberou fazendas e propriedades para os que retornaram da Groenlândia.
No entanto, os groenlandeses não deixaram suas casas de forma precipitada. Exceto por um anel de ouro no túmulo de um bispo, itens valiosos, como crucifixos de prata e ouro, não foram descobertos em nenhum lugar da ilha.
Os arqueólogos interpretar isso como um sinal de que a saída da colônia procedeu de forma ordenada, e que os moradores levaram todos os objetos de valor consigo. "Se eles tivessem morrido como resultado de doenças ou desastres naturais, certamente teríamos encontrado esses itens preciosos há muito tempo", diz Lynnerup.
O casal que se uniu na igreja em Fjord Hvalsey também deixou a ilha pouco depois de seu casamento. Na Islândia, o casal teve que fornecer ao bispo local uma prova escrita de que havia entrado numa união para toda a vida sob um telhado de grama de acordo com as regras da igreja. Seus relatos são os últimos documentos que descrevem a vida dos colonos nórdicos na Groenlândia.
Em 14 de setembro de 1408, Thorstein Olafsson e Sigrid Björnsdóttir se casaram. A cerimônia aconteceu numa igreja de Hvalsey Fjord na Groenlândia que tinha apenas cinco metros de altura.
Deve ter sido difícil para a noiva e o noivo se reconhecerem na penumbra da igreja. A luz leitosa de verão só podia entrar na igreja com telhado de grama através de uma janela arqueada no lado leste e de algumas poucas aberturas que lembravam frestas para atirar flechas. Após a cerimônia, os convidados se fortificaram com carne de foca.
O casamento do islandês e da menina da Groenlândia foi uma das últimas festas barulhentas na distante colônia Viking ao norte. Tudo terminou logo depois, quando as últimas lâmpadas de óleo se apagaram nos assentamentos nórdicos na Groenlândia.
Os descendentes dos vikings perseveraram no seu posto no Atlântico Norte durante quase 500 anos, a partir do final do século 10 até meados do século 15. O Período de Aquecimento Medieval possibilitou que colonos da Noruega, Islândia e Dinamarca vivessem em centenas de fazendas espalhadas ao longo dos fiordes protegidos, onde construíram dezenas de igrejas e chegaram até a ter bispos.
Seu desaparecimento continua sendo um mistério até hoje. Até agora, muitos especialistas assumiam que o resfriamento do clima e as más colheitas e a fome resultantes haviam marcado o início do fim da colônia escandinava. Mas agora uma equipe de cientistas dinamarqueses e canadenses acredita que pode refutar esta teoria de declínio.
De agricultores a caçadores de foca
Os cientistas fizeram análises de isótopos em centenas de ossos humanos e de animais encontrados na ilha. O estudo, publicado no "Journal of the North Atlantic", oferece o retrato mais detalhado até agora dos hábitos alimentares dos colonos nórdicos.
Como a pesquisa mostra, a fome dificilmente poderia ter levado os ancestrais dos vikings a deixarem seus assentamentos na beira das geleiras. As análises ósseas provam que, quando o período de aquecimento chegou ao fim, os agricultores e pecuaristas da Groelândia passaram a uma dieta baseada em animais marinhos com uma rapidez surpreendente. A partir de então, os colonos concentraram seus esforços em caçar as focas que apareciam em grande número ao longo das costas da Groenlândia durante suas migrações anuais.
Quando o assentamento começou no início do século 11, só 20% a 30% de sua dieta vinha do mar. Mas a caça à foca passou a desempenhar um papel cada vez maior nos séculos que se seguiram. "Eles passaram a comer cada vez mais carne de foca, e esses animais constituíam até 80% de sua dieta no século 14", explica Heinemeier Janeiro, membro da equipe e especialista em datação da Universidade de Aarhus, na Dinamarca.
Seu colega de equipe Niels Lynnerup, antropólogo e cientista forense da Universidade de Copenhague, confirma que os vikings da Groenlândia tinham muito alimento mesmo depois que o clima esfriou. "Talvez eles estivessem apenas cansados e exaustos de viver nas extremidades da terra e não ter quase nada, a não ser carne de foca, para comer", diz ele.
As análises de ossos mostram que eles raramente comiam carne de seus próprios rebanhos de gado. O clima se tornou mais severo sobre a ilha a partir de meados do século 13. As temperaturas de verão caíram, tempestades violentas passavam ao redor das casas e os invernos eram assustadores de frios. Para o gado que havia sido levado para a Groenlândia, havia cada vez menos para comer nas pastagens e prados ao longo dos fiordes.
Nas fazendas menores, o gado foi gradualmente substituído por ovinos e caprinos, que eram mais fáceis de criar. As análises de isótopos mostram que porcos, valorizados por sua carne, foram alimentados com restos de peixes e focas por ainda algum tempo, mas desapareceram da ilha por volta de 1300.
Os agricultores, que tinham mudado seu foco para a caça de focas, aparentemente não fizeram quase nada para evitar o declínio de sua economia pecuária. As análises que os cientistas fizeram de ossos de animais mostram que os habitantes da Groenlândia nem sequer tentaram ajudar o gado a sobreviver ao longo e gelado inverno, alimentando-os com uma espécie de dieta de fome composta de arbustos, esterco de cavalo, algas e restos de peixe, uma prática generalizada até algumas décadas atrás nas regiões do norte da Europa com desafios climáticos parecidos.
Parece também que epidemias não foram responsáveis pelo declínio da vida agrícola na ilha. Os cientistas não descobriram mais sinais de doença nos ossos viking descobertos na ilha do que em outros lugares. "Nós encontramos esqueletos normais, que se pareciam com achados semelhantes de países escandinavos", disse Lynnerup.
Isolamento crescente
Então, se não foi fome nem doença, o que provocou o abandono dos assentamentos da Groenlândia na segunda metade do século 15? Os cientistas suspeitam que uma combinação de causas tornaram a vida lá insuportável para os imigrantes escandinavos. Por exemplo, quase não havia mais demanda por presas de morsa e peles de foca, os itens de exportação mais importantes da colônia. Além disso, em meados do século 14, o tráfego regular de navios com a Noruega e Islândia cessou.
Como resultado, os moradores da Groenlândia ficaram cada vez mais isolados de seus países de origem. Embora necessitassem urgentemente de madeira para construção e ferramentas de ferro, eles agora só conseguiam obter estes itens esporadicamente.
"Tornou-se mais e mais difícil para os groenlandeses atraírem os comerciantes da Europa para a ilha", especula Jette Arneborg, arqueólogo do Museu Nacional da Dinamarca, em Copenhague. "Mas, sem comércio, eles não poderiam sobreviver em longo prazo."
Os colonos provavelmente também estavam preocupados com a crescente perda de sua identidade escandinava. Eles se viam como agricultores e pecuaristas, em vez de pescadores e caçadores. Seu status social dependia da terra e do gado que possuíam, mas foram justamente essas coisas que já não eram mais capazes de ajudá-los a produzir o que necessitavam para sobreviver.
Embora os descendentes dos vikings tivessem se adaptado à vida no norte, havia limites à sua assimilação. "Eles teriam que viver cada vez mais como os Inuit, distanciando-se de suas raízes culturais", diz Arneborg. "Esta crescente contradição entre a identidade e a realidade foi, aparentemente, o que os levaram ao declínio."
Abandono ordenado
Na fase final, foram os jovens em idade fértil em particular que não viram nenhum futuro para si na ilha. Os escavadores quase não encontraram esqueletos de mulheres jovens num cemitério do período tardio.
"A situação era, presumivelmente, semelhante à de hoje em dia, quando os jovens gregos e espanhóis deixam seus países em busca de pastos mais verdes em áreas que são mais promissoras economicamente", diz Lynnerup. "São sempre os jovem e os fortes que vão embora, deixando os mais velhos para trás."
Além disso, houve um êxodo rural nos países escandinavos na época, e a população das regiões mais remotas da Islândia, Noruega e Dinamarca foi reduzida. Isto, por sua vez, liberou fazendas e propriedades para os que retornaram da Groenlândia.
No entanto, os groenlandeses não deixaram suas casas de forma precipitada. Exceto por um anel de ouro no túmulo de um bispo, itens valiosos, como crucifixos de prata e ouro, não foram descobertos em nenhum lugar da ilha.
Os arqueólogos interpretar isso como um sinal de que a saída da colônia procedeu de forma ordenada, e que os moradores levaram todos os objetos de valor consigo. "Se eles tivessem morrido como resultado de doenças ou desastres naturais, certamente teríamos encontrado esses itens preciosos há muito tempo", diz Lynnerup.
O casal que se uniu na igreja em Fjord Hvalsey também deixou a ilha pouco depois de seu casamento. Na Islândia, o casal teve que fornecer ao bispo local uma prova escrita de que havia entrado numa união para toda a vida sob um telhado de grama de acordo com as regras da igreja. Seus relatos são os últimos documentos que descrevem a vida dos colonos nórdicos na Groenlândia.
Fonte: O Informante
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