Durante a Grande Guerra Pátria existiram muitos rostos de mulheres piloto da aviação soviética que, mais que heroínas,foram exemplos de conquista da igualdade
Entre as múltiplas faces do heroísmo
manifestado pelo Exército Vermelho no decurso da II Guerra Mundial - a
Grande Guerra Pátria - existem muitos rostos de mulher, nomeadamente
das mulheres piloto da aviação soviética. Devem ser recordadas não
apenas como heroínas, mas também como exemplos de conquista da
igualdade, que apenas a sociedade socialista poderá efetivamente
concretizar.
— Para nós era simplesmente incompreensível que os pilotos soviéticos que nos criavam tantos problemas fossem… mulheres. Estas mulheres não temiam nada: vinham, noite após noite, nos seus desajeitados aviões e não nos deixavam dormir. — Hauptmann Johannes Steinhoff, piloto de guerra nazista - Comandante do II./JG 52, JG 77 e JG 7. - 176 Vitórias.
A Alemanha invade a União Soviética a 22 de junho de 1941, e boa parte
da aviação soviética foi destruída nos primeiros momentos. Enquanto os
aviões nazistas continuam a dominar os céus, milhares de jovens,
muitos membros dos clubes civis de aviação, acorrem a alistar-se para
lutar contra os ataques fascistas.
Muitas eram mulheres e
depararam-se com uma rejeição inicial, mas em outubro de 1941 já
estavam, como recrutas, a treinar na base aérea do povo de Engels, a
norte de Stalingrado. Sob as ordens da sua instrutora, a Major das
Forças Aéreas Soviéticas, Marina Raskova, as futuras aviadoras começaram
a treinar.
Enfrentaram muitas dificuldades, a primeira das quais
foi a desconfiança e desdém de alguns dos seus companheiros, que
consideravam que eram de fiar e que, inclusivamente, recusavam voar
juntamente com elas. Além disso, os uniformes estavam feitos para
homens, e foi preciso fazê-los de novo para que elas os pudessem
vestir; o mesmo aconteceu com as botas, que tiveram que ser cheias com
papel de jornal para que se adaptassem ao pé, normalmente menor, das
combatentes. Em muitos casos também os aviões tiveram de ser
modificados, pois as novas recrutas não chegavam aos pedais. E ainda
tiveram que cortar o cabelo até um máximo "de duas polegadas", quando
em muitas regiões da URSS era tradição deixá-lo crescer até à cintura.
Embora nos nossos dias possa parecer trivial uma mulher cortar o cabelo
muito curto, em 1941 isso revelava um compromisso total.
Treinavam mais de 10 horas por dia, pois com as tropas alemãs a avançar
na Frente Oriental, tinham que aprender em dias o que outros se podiam
se dar ao luxo de aprender em meses ou anos.
Depois de seis
meses de duríssimos treinos, Marina Raskova enviou as jovens recrutas
para a linha de frente em 3 regimentos: o 586º de Caças, o 587º de
Bombardeamento e o 588º de Bombardeamento Noturno.
As mulheres do
588º pilotavam aviões Polikarpov U-2 (foto no topo da materia), biplanos desenhados
originalmente para treino e fumigação, que só tinham capacidade para
duas bombas (pelo que tinham de fazer várias viagens) e não podiam
comparar-se nem em velocidade nem em potência de fogo com os aviões
alemães.
No entanto, rapidamente se tornaram um pesadelo para os aviadores nazistas.
As combatentes do 588º mostravam grande capacidade de manobra dos U-2 e
combinavam-na com táticas extremamente arriscadas. Apareciam de noite,
com o motor desligado para não serem detectadas pelo som, e faziam
bombardeamentos de precisão e de fustigamento contra o exército alemão.
Em combate contra os aviões nazistas, estas aviadoras costumavam
pôr-se no campo de tiro dos alemães enquanto as suas companheiras
aproveitavam a distração para apontar para os alvos.
Devido à sua habilidade e astúcia, e à ferocidade dos ataques, os soldados nazistas começaram a chamá-las Nachthexen:as "Bruxas na Noite".
Em fevereiro de 1943, o 588º Regimento reorganizou-se dentro do 46º
Regimento de Aviação de Bombardeamento Noturno, que em outubro de 1943
era conhecido como a "Guarda de Taman", pelas vitórias conquistadas
pelo Exército Vermelho na península de Taman.
Night Witches - Hero of the Soviet Union Irina Sebrova and Vera Belik. Standing, hero of the Soviet Union Nadezhda Popova
Foi o regimento de
mulheres com mais condecorações, e no seu apogeu chegou a ter 40
tripulações duplas. No final da guerra, as Bruxas tinham feito cerca de
23.000 saídas e despejado aproximadamente três mil toneladas de
bombas. Calcula-se que cada aviadora tenha feito mais mil missões de
combate, e 23 delas foram condecoradas com o título de heroínas da
União Soviética, a mais alta distinção da URSS.
Trinta das "Bruxas da Noite" morreram em combate; muitas delas eram muito novas, algumas eram mesmo adolescentes.
Lilya Litvya, Katya Budanova e Mariya Kuznetsova
Marina Raskova
Nasceu numa
família da classe média em 1913, filha de uma professora e de um
professor de música. Apesar da intenção da família ser que fosse cantora
lírica, ela começou a estudar química, e depois de se licenciar
começou a trabalhar numa fábrica de tintas.
Um ano depois casou
com o seu companheiro, Sergei, e tiveram uma filha chamada Tânia. Em
1931 começou a trabalhar como desenhista no Laboratório de
Aeronavegação da Academia da Força Aérea. Em 1933 tornou-se a primeira
aviadora soviética com o título oficial, e um ano depois era instrutora
da Academia Aérea Zhukovsky. Em 1935 divorciou-se do seu marido, e,
em 37, juntamente com Valentina Grizodubova, bateu o recorde feminino
de voo sem escalas.
Em 1938, juntamente com outras aviadoras
(Grizodubova e P. Osipenko), estabeleceu um novo recorde. Voaram desde
Moscou até Komsomolsk-no-Amur, num voo de mais de 26 horas sem
escalas, a bordo do Rodina ("Pátria"). Marina não teve dúvidas em
saltar do avião com paraquedas, quando a visibilidade impedia a
aterragem, tendo sido encontrada por um caçador em plena estepe. Nesse
mesmo ano foram condecoradas com o título de Heroínas da União
Soviética, sendo as primeiras mulheres a conquistar tal distinção.
Quando começou a II Guerra Mundial na Frente Oriental, muitas mulheres
com experiência civil de voo acorreram a alistar-se. No Exército
Vermelho não havia nenhuma norma que impedisse as mulheres de combater
na primeira linha mas, na prática, deparavam-se com inúmeros
obstáculos, sendo relegados para ocupações de tipo auxiliar.
Marina Raskova recorreu à sua autoridade como aviadora de fama mundial
para mudar a situação, e com a aprovação direta de Stalin pôde
convencer as autoridades militares a organizar e treinar 3 regimentos
de aviação onde as mulheres seriam aviadoras, engenheiras e pessoal de
apoio.
Raskova comandou pessoalmente o Regimento 587º de
Bombardeiros, que em 1943 foi reorganizado como o 125º Regimento. Estas
aviadoras, que combateram em Stalingrado, voavam em modernos Petlyakov
Pe-2, enquanto as outras unidades compostas por homens utilizavam
aviões mais velhos.
Marina Raskova morreu a 4 de janeiro de 1943,
quando o seu avião se estatelou no chão devido a uma tempestade. Como
estava numa missão militar foi considerada morta em combate e teve um
funeral de Estado. As suas cinzas foram colocadas no Muro do Kremlin, e
foi condecorada a título póstumo com a Ordem da Guerra Patriótica de
Primeira Classe.
Lydia Litvak - A Rosa Branca de Stalingrado
— Era uma pessoa muito agressiva… Nascida para o combate.— Boris Eremin, Oficial da Força Aérea Soviética.
Lydia
Litvak (1921-1943), de origem moscovita, entrou para um clube de
aviação popular com 14 anos, e aos 15 fez o seu primeiro voo sozinha.
Um ano depois já tinha licença de instrutora de voo.
Quando começou a invasão da URSS pelos nazistas, alistou-se numa
unidade de aviação militar, mas foi rejeitada. Alterou o seu histórico
de voo, acrescentou-lhe mais de cem horas de voo do que realmente tinha
feito, e foi admitida na base aérea de Engels, próximo de Stalingrado.
Ali foi treinada por Marina Raskova e seis meses depois já combatia no
587º Regimento de Caças, uma unidade exclusivamente composta por
mulheres.
Fez os seus primeiros voos de combate no Verão de 1942,
sobre Saratov. Em setembro foi transferida, juntamente com outras 6
aviadoras do 587º e algum pessoal civil, para o 437º Regimento. Esta
unidade, que até à sua chegada era exclusivamente composta por homens,
combatia nos céus de Stalingrado. Três dias depois da sua chegada fez a
sua primeira derrubada, tornando-se provavelmente a primeira mulher na
História a derrotar um avião inimigo em combate. Poucos minutos depois
derrubou um segundo caça que perseguia a comandante do seu esquadrão. O
piloto nazista pôde saltar a tempo do avião e foi capturado pelas
tropas soviéticas. Era Uffz. Erwin Meier, um Ás alemão com 11 vitórias, 3
vezes condecorado com a Cruz de Ferro. Maier pediu para conhecer o
piloto russo que o tinha superado e, quando o apresentaram a Lydia
Litvak indignou-se, pensando que os oficiais soviéticos o estavam a
vexar. Até ela descrever todos os pormenores do combate, o piloto
nazista não aceitou que tinha sido derrubado por uma mulher.
Em
finais de setembro, à medida que iam conseguindo mais vitórias, Lydia e
outras camaradas foram transferidas para o 9º Regimento de Caças da
Guarda, também em Stalingrado. Diz-se que, então, já estava pintado na
fuselagem do seu caça uma flor branca, pelo que começou a ganhar o nome
de Flor Branca de Stalingrado.
Pouco depois, Lydia e a sua
ala Katia Budanova foram novamente transferidas, desta vez para
o 296º Regimento de Caças da Guarda (renomeado depois de 73º Regimento
de Caças da Guarda). Aí, Lydia conseguiu a sua quinta derrubada,
tornando-se a primeira das duas únicas mulheres Ases na história da aviação militar (a outra foi a sua camarada de armas Katya Budanova - Ao lado).
Poucos dias depois, em 23 de fevereiro, foi condecorada com a Ordem da
Estrela Vermelha, promovida a subtenente, e indicada para um grupo de
caças de elite chamado okhotniki ("caçadores livres"). Nessa
iniciativa, pares de pilotos veteranos movimentavam-se com mais
liberdade que dentro do regimento, procurando objetivos de acordo com o
seu próprio critério.
Em março fez um ataque sobre um grupo de
bombardeiros alemães e foi ferida por um dos caças que os escoltavam.
Teve forças para derrubar outro dos caças, mas quando aterrou na sua
base já tinha tido uma grave perda de sangue devido aos ferimentos.
Em maio, o que tinha sido o seu companheiro de voo em muitas ocasiões, oÁssoviético
Solomatin, morreu num acidente. Segundo as palavras posteriores da
mecânica de Lydia depois da morte de Solomatin, "Litvak só queria voar
em missões de combate".
Dez dias depois, Lydia apresentou-se
como voluntária para derrubar um balão de observação alemão, utilizado
para localizar objetivos para fogo de artilharia. A missão era
extremamente arriscada: o balão estava defendido por dezenas de canhões
antiaéreos que sempre tinha tido êxito a repelir os ataques da aviação
soviética.
Apesar de ter tido dificuldades, Lydia foi capaz de
calcular a hora precisa do dia em que podia aproximar-se do balão,
utilizando a luz do sol para camuflar o seu caça, pelo que destruiu o
dirigível alemão.
Em junho foi nomeada comandante de esquadrão.
Apesar de em meados de julho ter sido novamente ferida e ter tido de
realizar uma aterragem de emergência, rejeitou a baixa médica e poucos
dias depois estava de novo a voar.
A 1° de agosto saiu quatro
vezes em combate no setor sul da Batalha de Kursk. Durante a quarta
missão de voo, o seu grupo foi atacado de surpresa por um grupo de
caças nazistas, e o avião de Lydia foi visto pela última vez,
desaparecendo por entre as nuvens, fumegando e perseguido por vários
caças inimigos (relatos indicam 8). Tinha 21 anos.
Lydia já tinha sido condecorada
com a Ordem da Bandeira Vermelha, a Ordem da Estrela Vermelha e duas
vezes com a Ordem da Guerra Patriótica. No entanto, os restos do seu
avião nunca foram encontrados, e isso impediu que também se lhe
concedesse a distinção máxima. Foi assim durante décadas, até os
restos do seu avião terem sido encontrados e, finalmente, foi
condecorada postumamente como Heroína da União Soviética.
Salve às que lutam
A crença de que o socialismo trará automaticamente a libertação da
mulher deve ser afastada da cabeça dos revolucionários, mas tampouco se
deve esquecer que a derrota do patriarcado só é possível dentro de um
sistema em que a exploração econômica da maioria por parte de uma
minoria não seja permitida.
A II Guerra Mundial foi um conflito
atroz, e muitas mulheres tiveram o seu papel nos respectivos exércitos
de cada território. A maioria delas foi relegada para trabalhos
administrativos, auxiliares ou de enfermagem. Apenas na União Soviética
estiveram na primeira linha de combate. Mais de 800 mil mulheres
combateram no Exército Vermelho como franco-atiradoras, artilheiras ou
aviadoras; 20 mil mulheres foram condecoradas; 89 receberam a
condecoração máxima: Heroína da União Soviética.
Nos Estados Unidos, a "terra das liberdades", as mulheres não pilotaram aviões de combate até 1993.
A crise capitalista em curso, a que ninguém consegue ver o fim, pode
relegar muitas mulheres exclusivamente ao trabalho não remunerado, o que
quer dizer que se agravará a sua dependência, sendo possível que
acabem dependendo do suporte econômico de um homem. Darão passos atrás
na sua liberdade.
Vivemos tempos com cheiro a barricadas, e
devemos fazer um esforço para combater as atitudes patriarcais dentro
da esquerda revolucionária. Dizer que a repressão policial é mais
terrível porque "batem nas mulheres" é relegá-las a uma posição de
debilidade. Afirmar que as nossas companheiras não devem estar na
primeira linha porque "não são tão fortes como um homem", é insultar
milhares de anos de desenvolvimento da humanidade.
Ambos os
argumentos se podem ouvir no sector da esquerda revolucionária. O
patriarcado anda há centenas de anos a moldar as sociedades e as cabeças
das pessoas, mas isso não é desculpa: é motivo para redobrar os
esforços na luta.
As Bruxas da Noite não necessitaram de
testosterona nem cromossomas XY para se colocarem na primeira linha. O
capitalismo caminha lado a lado com a opressão patriarcal, e a sua
ideologia dominante concentra-se em fazer amar o explorador e odiar o
explorado. Devemos ter um espírito crítico, mas tal não quer dizer que
devemos criticar o que o poder estabelecido queira.
A União
Soviética não foi perfeita; não podia sê-lo. A crítica é necessária,
mas sempre a partir da esquerda e, em caso algum, deve fazer o jogo do
poder estabelecido ou converter-se em peça da engrenagem da propaganda
imperialista. E se há muitos erros a aprender com a experiência
soviética, também há muitos triunfos que reivindicar.
Com o
socialismo não se eliminaram as contradições de gênero por artes
mágicas, e vimos acima como muitas mulheres lutadoras foram inicialmente
rejeitadas, tanto pelo Estado como pelos seus companheiros varões, mas
não pode negar-se que foi feito um avanço.
A URSS do meio dos
anos 30 era um país onde uma mulher como Marina Raskova podia decidir
divorciar-se e tornar-se numa oficial militar de elevada patente; mais
impressionante é que era um país que permitia que a mulher concebesse
isso não como um milagre, mas comouma opção viável. Isto não
surgiu do nada: foi o trabalho organizado de muitas militantes que
permitiu haver tais avanços na União Soviética, deixando claro que a
libertação das mulheres só pode ser fruto da sua própria luta, e
acontecer num sistema em que a economia esteja ao serviço das pessoas e
não o contrário.
A ofensiva ideológica do capitalismo
esconde-nos os triunfos, para que não possamos recordá-los e
agarrarmo-nos a eles, para que nos sintamos desligados e desligadas do
passado, daquelas pessoas que lutaram. Não podemos permiti-lo.
Tal como a história dos povos lutadores, a história das mulheres
lutadoras é inviabilizada pela classe dominante. É nosso dever recuperar
a nossa história, a história das que não se renderam. Mulheres
lutadoras procedentes de povos lutadores, como as Bruxas da Noite, não
podem ser esquecidas. Devem ser um exemplo.
Temos que lutar pelo futuro, mas sendo herdeiras e herdeiros do passado, recuperando os nossos heróis e heroínas.
E as minhas heroínas atravessaram os céus levando bandeiras vermelhas.
__________________ Texto de Miguel Huertas Maestro, espanhol, é estudante de Psicologia.
Este texto foi publicado em:www.kaosenlared.net/secciones/item/43003-brujas-en-la-noche.html
Tradução de José Paulo Gascão
Este texto foi publicado em:www.kaosenlared.net/secciones/item/43003-brujas-en-la-noche.html
Tradução de José Paulo Gascão
Reprodução do A Nova Democracia - Fotos Internet
Nota: Fica aqui nossa homenagem neste 8 de março de 2013 pelo dia internacional da mulher
1 Comentários
Note-se que as B-17's,B-24's, e B-29's só para exemplificar não eram aeronaves fáceis de pilotar mesmo para a compleição masculina, e estas adoráveis criaturas (todas muito bonitas) atravessaram o Atlântico e o Pacifico muitas vezes em voos solitários pilotando as mais diversas aeronaves(caças também!)para levá-los ao front!
Seria muito bom uma matéria sobre elas!