As denúncias da ação do governo americano no Brasil, que teria espionado
ligações telefônicas e e-mails no Brasil, expuseram não apenas a
fragilidade desse tipo de dado no País, mas o comportamento de empresas
como Facebook, Google, Microsoft, Yahoo, Apple e MSN em relação à
legislação brasileira e a dos Estados Unidos. Segundo denúncias do ex-consultor americano Edward Snowden
, essas companhias passam por cima da privacidade de seus usuários quando determinado pelas autoridades dos EUA.
Mas a revelação do caso de espionagem envolvendo dados
telefônicos e de internet de brasileiros, ao mesmo tempo que confirmou
que esse é um território sem lei, pressionou as autoridades a acelerarem
a aprovação no Congresso Nacional do Marco Civil da internet.
A votação do projeto que estabelece os direitos e deveres
dos usuários da rede no Brasil ficará para a próxima terça-feira (16).
Segundo o deputado federal Alessandro Molon (PT-RJ), relator do Marco
Civil, o tema voltou a ser analisa. “Estou passando um pente-fino em
todo o projeto”, diz Molon, em entrevista ao iG
.
As mudanças no projeto podem impedir abusos no uso de
informações pelos chamados provedores de aplicação – empresas de
internet como Google e Facebook – mas também provedores de conexão, como
as operadoras. “Se a gente conseguir aprovar o Marco Civil, ele vai
evitar que as empresas, sejam provedores de aplicação ou de conexão,
cedam dados dos internautas brasileiros a quem quer que seja”, diz
Molon.
A nova versão do Marco Civil incluirá um artigo proposto
pelo governo, que obriga as empresas que obtêm receita no Brasil – com
serviços como redes sociais e e-mail – a manter uma cópia dos dados em
centros de dados (data centers) localizados em território brasileiro.
A mudança foi apresentada nesta quarta-feira (10) a
Molon, que finaliza a redação do texto a ser incorporado no Marco Civil.
“Considero positiva essa proposta do Planalto, que tenta reforçar a
proteção da privacidade dos usuários”, diz Molon.
A proposta de mudança do Marco Civil da internet, no
entanto, não impede que as empresas de serviços de internet que operam
no Brasil repliquem os dados de internautas brasileiros no exterior.
Porém, segundo Molon, o novo artigo do Marco Civil exigirá que essas
eventuais cópias respeitem as regras impostas pelo Marco Civil. Em caso
de abusos, como liberação de acesso aos dados por terceiros, as empresas
deverão responder na Justiça brasileira.
O Marco Civil da internet foi proposto em 2009 pela
Secretaria de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça em parceria
com o Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da Fundação
Getulio Vargas. O projeto de lei prevê, além da proteção aos dados
pessoais e à privacidade dos internautas, regras para outros temas
polêmicos, como liberdade de expressão por meio da web, e garantia da
neutralidade da rede.
Com a votação adiada várias vezes pelo Congresso, o Marco
Civil ganhou força nesta semana após denúncia do jornal “O Globo” de
que a agência de segurança nacional dos Estados Unidos (NSA, na sigla em
inglês) estaria monitorando telefonemas e mensagens de brasileiros. O
objetivo inicial do governo era votar o Marco Civil ainda nesta semana,
mas por falta de consenso no Congresso, a votação foi cancelada na
última terça-feira (9).
Leis conflitantes
Contudo, o novo artigo do Marco Civil pode não surtir o
efeito desejado pelo governo brasileiro. De acordo com Victor Haikal,
advogado especialista em direito digital e sócio do escritório Patrícia
Peck Pinheiro Advogados, se as empresas mantiverem um banco de dados em
um servidor brasileiro e outro no exterior, a segunda cópia estará
sujeita à legislação do outro país. “Se estiver nos EUA e a legislação
obrigar as empresas a revelar os dados, manter uma cópia do banco de
dados no Brasil não resolve nada”, diz Haikal.
A proposta não obrigará as empresas a manter
somente as informações de internautas brasileiros apenas no Brasil, pois
a mudança pode restringir a comunicação entre internautas do Brasil e
de outros países. No caso de uma restrição como esta, diz Molon, o
e-mail enviado por um brasileiro para a Europa teria de ser apagado do
servidor do provedor do serviço de e-mail adotado pelo internauta
europeu. “Essa restrição não faz sentido, pois não é compatível com o
funcionamento da internet”, diz Molon.
Atualmente, as grandes empresas de internet podem ser
processadas na Justiça brasileira, mesmo que não mantenham data centers
no Brasil. Para isso, basta que a empresa tenha uma sede no País, caso
de empresas como o Google e o Facebook.
A situação, no entanto, fica mais complicada se
um internauta decide processar redes sociais como Pinterest, que ainda
não tem escritório no Brasil. “Neste caso, é preciso entrar com um
processo no país de origem da empresa e seguir a legislação local”, diz
Haikal.
Para Alex Castro, diretor da Associação Brasileira de
Telecomunicações (Telebrasil), entidade que reúne as operadoras
brasileiras, o governo deve criar uma legislação mais rígida para os
provedores de aplicação em relação à privacidade. “Empresas gigantes de
internet são quase virtuais no Brasil. Realmente precisamos de uma
legislação mais adequada para garantir a privacidade e o sigilo das
informações, pois existem muitas fragilidades”, diz Castro.
Entenda o caso
O acesso do governo americano aos bancos de dados de grandes empresas de internet
, como Google e Facebook, foi denunciado no início de junho pelo jornal
britânico “The Guardian”. Documentos revelados por Edward Snowden,
técnico de informática que trabalhou na agência nacional de segurança
dos EUA (NSA, na sigla em inglês), mostraram que a agência usa um
software chamado Prism para acessar e-mails, chats e chamadas de voz de
empresas como Facebook, Google e Microsoft.
As empresas de serviços de internet negaram o
compartilhamento voluntário de qualquer informação com o governo dos
EUA, mas as denúncias colocaram em xeque sua credibilidade entre os
internautas de todo o mundo. Pelas leis vigentes nos Estados Unidos,
Europa e mesmo no Brasil, a quebra de sigilo de informações pessoais só
pode acontecer após determinação de um juiz.
Logo após as denúncias, as empresas de internet refutaram
as acusações de que seriam parceiras da NSA. O Facebook afirmou que não
permite que qualquer governo acesse os dados armazenados em servidores
da empresa. “Quando são solicitados dados ou informações sobre
indivíduos específicos, qualquer pedido é examinado cuidadosamente e são
fornecidas informações apenas na medida exigida pela lei”, disse a
empresa, em comunicado.
O Google também negou a colaboração com a agência
nacional de segurança dos EUA. “Nossa equipe jurídica analisa cada
pedido de dados de usuários e frequentemente recorre de solicitações
excessivamente amplas ou que não sigam o devido processo legal”, diz a
empresa, que não quis conceder entrevista, em comunicado.
A Microsoft, que oferece o serviço de e-mail gratuito
Outlook.com e o Skype, respondeu às acusações de participação no esquema
de espionagem. “Se o governo [dos EUA] possui um programa voluntário de
segurança nacional mais amplo para coletar dados, não participamos
dele”, disse a empresa, em comunicado.
Fonte: IG
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