Uma das realidades inevitáveis para qualquer governo americano é que o próprio presidente só pode se concentrar em aproximadamente dez questões urgentes de política externa em um determinado momento. Crises imediatas e ameaças urgentes à segurança nacional tendem a dominar essa lista, o que causa o lamentável efeito de tornar os altos escalões do aparelho americano de política externa mais reativos do que proativos.
Assim, a maior parte da atenção da equipe de segurança nacional do governo Barack Obama se concentrou, nas últimas semanas, na crise da Síria, em detrimento de assuntos que podem ser menos urgentes neste momento, mas terão um impacto muito mais importante no longo prazo sobre a posição dos EUA no mundo. O adiamento da visita de Estado da presidente brasileira, Dilma Rousseff, a Washington no próximo mês, em razão das revelações sobre atividades de espionagem dos EUA – uma reação que poderia ter sido atenuada com pronta e apropriada atenção -, é um claro lembrete de que o governo americano precisa alcançar um equilíbrio entre reagir a eventos correntes e assentar as bases para o futuro.
Ninguém duvida que forjar um relacionamento mais estreito entre os EUA e a potência ascendente que é o Brasil faz, do ponto de vista estratégico, todo o sentido. Mas o governo Obama, aparentemente, não consegue encontrar tempo para dedicar a energia e o capital político necessários para estimular esse processo.
Dois anos atrás, eu adverti que “o foco de Washington na administração da crise atual impediria o trabalho lento e consistente necessário para cultivar laços com potências globais em ascensão, como Índia e Brasil, que ainda permanecem cautelosas sobre a consolidação de qualquer tipo de parceria formal com os EUA”.
Quando Obama visitou o Brasil, em 2011, Dilma deu a entender ao presidente: os brasileiros não iam mais se satisfazer com “retórica vazia” sobre parceria e buscariam uma relação mais equilibrada com os Estados Unidos, uma “construção entre iguais”. Aliás, uma mensagem indireta, mas clara de suas observações foi que Washington não poderia esperar que o Brasil aguardasse pacientemente até os EUA estarem prontos para tornar a relação mais ampla e profunda. No entanto, a visita de Obama ocorreu à sombra da crise na Líbia – a Operação Aurora da Odisseia começou quando o presidente estava no Brasil – e, por isso, uma operação militar no Oriente Médio ocupava o grosso da atenção da equipe de segurança nacional do presidente.
Reconhecendo que Obama, sozinho, não poderia ser capaz de dedicar muita atenção para assentar as bases de uma parceria estratégica mais estreita com o Brasil, argumentei na época que era preciso criar uma comissão Obama-Dilma permanente, com uma autoridade americana de peso – o vice-presidente ou o secretário de Estado – para lhe conferir o necessário prestígio e transmitir ao lado brasileiro o recado que Washington levava a sério a relação emergente.
No mínimo, Obama precisava entregar o cotidiano da administração das relações a alguém que pudesse ser visto como o alter ego do presidente nessa questão: alguém capaz de falar com a voz do presidente e avançar o processo entre agências americanas. Sem uma estrutura para traduzir palavras em recomendações políticas concretas, eu escrevi, então, “a advertência de Rousseff sobre ‘retórica vazia’ se tornará uma profecia que induz sua própria realização”.
Gradualismo. O tipo de foro que defendi não surgiu. Em vez de um esforço abrangente do tipo da ofensiva vigorosa do governo de George W. Bush para melhorar as relações com a Índia, esforços graduais caracterizaram a relação EUA-Brasil. O resultado foi uma visita sem brilho de Dilma a Washington, no primeiro semestre do ano passado, em retribuição. Nenhum progresso real foi feito para avançar uma agenda de segurança e econômica abrangente para o hemisfério e nenhuma solução foi encontrada para desfazer algumas obstruções que haviam inibido o estreitamento dos laços.
Incitados, talvez, pelo não preenchimento das expectativas da retribuição da visita de Dilma, os Estados Unidos aumentaram seus esforços. Uma série de autoridades americanas de alto nível foi a Brasília e, após uma viagem do vice-presidente Joe Biden, em junho, Dilma aceitou o convite para fazer uma visita de Estado em outubro. Biden também transmitiu garantias de que, se o Brasil escolhesse a Boeing para fornecer jatos F-18 a sua Força Aérea, o Congresso americano, provavelmente, não bloquearia a venda ou a transferência de tecnologias sensíveis – reconhecendo que uma decisão brasileira que beneficiasse a empresa americana refletiria um novo alinhamento estratégico com os EUA.
Depois, em setembro, vieram as revelações de atividades americanas de espionagem no Brasil, incluindo interceptações de comunicações presidenciais. Os brasileiros ficaram furiosos e Dilma, antes da cúpula do G-20, em São Petersburgo, cancelou a visita a Washington da equipe de preparação para encontrar Obama.
Foi uma clara advertência de que o Brasil estava falando sério. No entanto, a atenção da Casa Branca estava nos relatos de que o governo de Bashar Assad havia usado armas químicas na Síria e, como nenhuma autoridade de alto escalão do governo – seja o vice-presidente, o secretário de Estado ou o conselheiro de Segurança Nacional – tinha a “conta do Brasil”, não havia ninguém em posição de
desarmar a crise.
Os EUA tampouco tentaram programar um encontro paralelo bilateral entre os dois presidentes em São Petersburgo, que poderia ter sinalizado que Washington compreendia a perspectiva do Brasil. Em vez disso, a aproximação foi circunstancial, com Obama tentando amaciar as coisas com Dilma pouco antes do banquete de abertura da cúpula do qual os dois participariam. No entanto, a percepção do lado brasileiro foi que os Estados Unidos não estavam levando a sério as preocupações brasileiras.
O pessoal da Casa Branca pode ter visto o pedido de desculpas e de uma explicação por escrito das atividades americanas de inteligência, solicitados por Dilma, como politicamente problemáticos, considerando que Obama tem sido repetidamente atacado por sua oposição política doméstica por sua suposta propensão a se desculpar pelos EUA.
De novo, a existência de um diálogo político bilateral de alto nível poderia ter ajudado a mitigar parte da irritação brasileira com Washington. Contudo, o que parece ter sido um problema ainda maior no Brasil foi a percepção de que o governo Obama não estava dando atenção suficiente a suas questões, colocando a relação no proverbial “banho-maria” enquanto continuava dedicando muito mais atenção a outros problemas.
Isso levou Michael Shifter, presidente do centro de estudos Diálogo Interamericano, a criticar a falta de atenção do governo. “A inércia em face dessa aproximação custou caro. Washington faria bem em refletir sobre o que isso significa para seus esforços diplomáticos mais centrais na região.”
A Casa Branca sustenta que isso é apenas um adiamento temporário, mas algumas fontes próximas de Dilma sugeriram que Washington não deve esperar que a visita seja reprogramada em um futuro próximo. O negócio com a Boeing está sob risco, agora, e outros acordos sobre exploração de petróleo e biocombustíveis – essenciais para qualquer parceria energética significativa entre os dois países – também estão ameaçados.
Os danos ainda não são permanentes. Washington e Brasília podem se beneficiar do estreitamento dos laços. No entanto, Dilma deixou claro: o Brasil não deve ser desconsiderado. Se os EUA estão falando sérios sobre assegurar sua relação com a “segunda potência” do Hemisfério Ocidental, já é hora de o Brasil entrar na lista presidencial das dez questões prioritárias.

Autor: Nikolas Gvosdev - Pesquisador russo-americano de relações internacionais e professor do US Naval War College.

Do:Estadão
- Via: Plano Brasil