Diversas funções vitais do organismo são controladas pelo sistema
nervoso autônomo, entre elas os batimentos cardíacos, a pressão arterial
e o balanço hidromineral (relação entre o volume de água e o teor de
sódio). Mas, em grande parte das pessoas, esse controle deixa de
funcionar adequadamente com o envelhecimento, o que aumenta o risco de
problemas como desidratação, hipertensão e diversas outras doenças
cardiovasculares.
Descobrir como o avanço da idade e certos hábitos de vida
– entres eles o sedentarismo e o consumo excessivo de sal – afetam a
expressão de genes em determinadas regiões cerebrais responsáveis por
esse balanço autonômico é o objetivo de dois projetos que estão sendo
conduzidos por pesquisadores brasileiros e britânicos no âmbito de um
acordo firmado entre a FAPESP e os Conselhos de Pesquisa do Reino Unido
(RCUK, na sigla em inglês).
Resultados preliminares
desses projetos foram apresentados no dia 26 de setembro, durante a
programação da FAPESP Week London. O simpósio foi realizado na capital
do Reino Unido pela FAPESP, com apoio do British Council e da Royal
Society.
“Se conseguirmos identificar, por exemplo, um gene que é ativado pela prática de atividade física
na parte do cérebro na qual estamos interessados, podemos manipular
esse gene em animais para aumentar sua expressão e verificar se isso
produz o mesmo efeito benéfico dos exercícios para o controle da pressão
arterial. Claro que ainda estamos no nível da pesquisa básica, mas
podemos, no futuro, identificar alvos potenciais para o desenvolvimento
de novos medicamentos”, afirmou David Murphy, pesquisador da
Universidade de Bristol e coordenador do grupo britânico nos dois
projetos.
No Brasil, a professora Lisete
Compagno Michelini, da Universidade de São Paulo (USP), coordena um
Projeto Temático, cujo objetivo é investigar os mecanismos fisiológicos
responsáveis pelo desenvolvimento da hipertensão ao longo da vida e
verificar se o treinamento físico poderia proteger contra esse déficit autonômico na velhice.
“Antes
do início do projeto, o grupo coordenado por Murphy já havia
identificado em ratos adultos sete genes bastante relacionados com a
homeostase cardiovascular. Nos experimentos feitos na USP, nós havíamos
observado que a atividade física moderada melhora muito o balanço
autonômico em ratos hipertensos, reduz a frequência cardíaca, a pressão
arterial e modifica a expressão dos genes nessas mesmas áreas cerebrais
estudadas por Murphy”, contou Michelini.
Usando como modelo uma
linhagem de ratos com propensão a desenvolver hipertensão à medida que
envelhece, o grupo da USP decidiu estudar, em parceria com o grupo
britânico, a expressão gênica em uma região do hipotálamo conhecida como
núcleo paraventricular em várias fases da vida do animal. Também estão
sendo analisados os genes do núcleo do trato solitário e da região
rostroventrolateral da medula.
A proposta é estudar quatro grupos
de roedores: normotensos e hipertensos sedentários e normotensos e
hipertensos, submetidos a uma hora diária de atividade física aeróbica
moderada.
“Pretendemos acompanhar esses quatro grupos desde um mês
de idade – quando todos os animais ainda têm a pressão normal – até um
ano e dois meses de idade, o que nos humanos seria o equivalente a 60 ou
70 anos”, contou Michelini.
Também no Brasil, o professor José Antunes Rodrigues, da Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto (FMRP-USP), coordena um Temático que busca esclarecer
os mecanismos neuroendócrinos que controlam a sede, o apetite por sal e
a homeostase dos líquidos corporais.
De acordo com
Antunes, a regulação do sal no organismo depende da presença de
receptores especiais capazes de detectar variações da osmolaridade
plasmática (concentração de íons como sódio, cloreto, proteínas,
bicarbonato, glicose e outros constituintes) e do volume sanguíneo.
Essas
informações são encaminhadas para o sistema nervoso central, que
determina respostas comportamentais, como maior ingestão de água ou de
sódio, ou respostas neuroendócrinas e renais, como aumento na excreção
de água e de sódio. O mau funcionamento desse sistema pode fazer, por
exemplo, com que a pessoa não sinta sede quando deveria, aumentando o
risco de desidratação.
“Na década de 1960, nós já havíamos
observado em ratos que certos tipos de lesão no núcleo paraventricular
diminuem a ingestão de sódio e que lesões nos núcleos amigdaloides
determinam o aumento do consumo”, contou Rodrigues.
Estudos
recentes, acrescentou, descreveram a existência de dois genes no
hipotálamo – o Giot1 e o Rasd1 – envolvidos na regulação do controle da
ingestão de sódio em ratos sadios. Aparentemente, uma maior expressão do
Giot1 resulta na inibição da ingestão de sódio, enquanto o Rasd1 tem o
efeito de aumentar o consumo.
“Decidimos então formar a parceria
para tentar correlacionar os eventos fisiológicos que acompanham a
alteração da ingestão ou da excreção de sódio e água com alterações
específicas nos genes da região hipotalâmica”, contou Antunes.
Em
um dos experimentos, os pesquisadores submeterem ratas prenhes a uma
dieta rica em sódio durante o período de gestação e lactação e
observaram mudanças no padrão de ingestão de sódio e de água na prole.
“Queremos
avaliar as alterações fisiológicas e genéticas que esses animais vão
apresentar na idade adulta, tanto em repouso como em condição de
restrição hídrica ou de sobrecarga salina”, disse o pesquisador.
Mão dupla
Com
grande expertise no campo da fisiologia, os grupos brasileiros
trabalham com modelos animais para identificar quais partes do organismo
estão envolvidas no controle autonômico. Já o grupo da Inglaterra é
responsável pela análise do chamado transcriptoma, ou seja, descobrir
quais genes estão sendo expressos, em que nível e em quais regiões do
corpo, e como os estímulos ambientais afetam a transcrição dos genes.
“Depois
de identificar os genes nessas partes do cérebro que sabemos serem
cruciais para a regulação da homeostase, usamos ferramentas da
bioinformática capazes de fazer um processamento matemático muito
complexo para mapear a rede de interação gênica e identificar os
genes-chave, também chamados de hub, que são aqueles com um maior número
de ligação com outros genes”, contou Muphy.
O objetivo,
acrescentou o pesquisador, é justamente identificar alvos que poderão
ser manipulados nos animais para observar, em seguida, a consequência
fisiológica dessa alteração.
Antunes ressalta que a parceria
internacional está sendo muito importante não apenas porque um grupo
complementa o trabalho do outro, mas também porque está possibilitando o
treinamento de pós-doutorandos.
Murphy concorda: “Tenho um
laboratório repleto de brasileiros e há uma troca de habilidades. Nós
estamos aprendendo fisiologia integrativa e os pós-doutorandos
brasileiros estão estudando não apenas a transcriptômica, mas também a
bioinformática, e aprendendo a fazer ferramentas para manipular
expressão de genes in vivo. Estabelecer essa capacidade em São Paulo
será muito importante”, avaliou.
Agência Fapesp - Via JB
0 Comentários