Ruim
com eles, pior sem. O ditado parece se aplicar aos militares franceses
que, neste sábado, completam um ano de intervenção militar no Mali. A
operação Serval, a primeira lançada pelo presidente François Hollande
desde que assumiu o poder, entrou em campo com o aval do Conselho de
Segurança da ONU para impedir o avanço de radicais islâmicos até a
capital, Bamako. Mas ao mesmo tempo a ação é criticada por reanimar os
traumas de uma colonização francesa na África que, para muitos, volta à
tona até hoje.
Ao longo deste período, o avanço dos terroristas de fato foi
bloqueado, mas a situação no norte do país, onde sempre foi mais
crítica, permanece delicada. Foi nesta região, em Kidal, que dois
jornalistas franceses da RFI foram mortos, em novembro, em mais um
ataque dos extremistas. Além disso, as redes terroristas se uniram e se
espalharam - o resultado são ações também na Argélia e na Nigéria.
Comboio do Exército francês circula entre Tombuctu e Gao, no norte do Mali.
Michel Galy, pesquisador do Centro de Estudos sobre Conflitos e autor
do livro “A Guerra no Mali", avalia que, se os franceses não tivessem
agido, a situação hoje seria muito pior. “Eu fui contra essa operação
durante muito tempo, mas a partir do momento em que os grupos jihadistas
se uniram repentinamente e começaram a descer em direção à capital
Bamako, somente o Exército francês poderia ter bloqueado este avanço. Os
outros europeus ou os americanos não queriam fazer nada”, afirma. “Se a
intervenção não tivesse ocorrido, teria acontecido um massacre.”
Galy destaca que outro ponto positivo da operação Serval foi a
viabilização de eleições. Em julho, Ibrahim Keita foi escolhido o novo
presidente. Mas, como o Exército malinense ainda não tem capacidade de
retomar o controle do país diante dos terroristas, os franceses
permanecem em campo. “Existe um fosso entre a vontade de acabar a missão
e a possibilidade real de terminá-la, enquanto o Exército do Mali não
estiver bem treinado. Isso pode levar meses, ou até anos. É preciso que o
Estado agora retome as rédeas do país, inclusive militares”, constata.
A operação Serval tem a colaboração da União Africana e de 15 países,
com um contingente de cerca de 26 mil homens em campo. “O lado bom é
que no plano político, as últimas eleições foram as melhores desde a
independência do Mali, nos anos 60.”
Nesta quarta, François Hollande avaliou que “o essencial” da missão
já foi cumprido, e anunciou que, em fevereiro, o número de soldados
franceses no Mali vai ser reduzido de 2,5 mil para 1,6 mil homens. Paris
ainda está operando na República Centro Africana, uma intervenção
iniciada em dezembro. Nos últimos três anos, foram quatro operações
francesas na África, somadas as da Líbia e a da Costa do Marfim. Para
Michel Galy, este número “é demais”, diante das feridas ainda não
cicatrizadas da colonização francesa no continente, encerrada em 1980.
“Eu acho que há um certo número de pessoas, de autoridades e também
de analistas que não se deram conta de que isso nos isola dos outros
países europeus. A Grã-Bretanha jamais iria intervir no Zimbábue ou no
Quênia”, compara. “Os franceses não levam em conta as consequências
negativas que isso tem na opinião pública. A guerra pode ser perdida
mesmo quando se tem vitórias militares.”
Críticas do Brasil
No ano passado, o Brasil criticou abertamente a operação Serval pela
França: a presidente Dilma Rousseff afirmou que “o combate ao terrorismo
não pode (...) reavivar nenhuma das tentações, inclusive as antigas
tentações coloniais”.
José Luiz Niemeyer, coordenador de Graduação e Pós-Graduação em
Relações Internacionais do Ibmec no Rio de Janeiro, observa que, embora o
Brasil defenda a política de não-ingerência nos conflitos externos, o
país acaba beneficiado indiretamente pela ação francesa no Mali. “O
Brasil pode até criticar, mas na relação França, Brasil e outras
potências, a França, ao intervir no Mali, mostra que está buscando uma
participação maior nas questões de segurança. E isso interessa ao
Brasil, que quer quebrar a rigidez do sistema internacional, comandado
pelos Estados Unidos e a Rússia”, explica.
Niemeyer lembra que o Brasil também já promoveu intervenções
militares internacionais, como a do Haiti, que ainda persiste. “O Brasil
sempre respeitou a Carta das Nações Unidas e tem uma postura idealista
em relação a outros países, e não de intervenção. Apesar disso, o Brasil
também atuou, como em Angola, na República Dominicana em 1956, ou no
Haiti, onde ainda está.”
Do RFI
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