Apesar das tensões políticas e sectárias, o Iraque voltou a ser o
atraente mercado importador de matéria-prima e de bens industrializados –
talvez não de serviços, em razão do risco causado pelo terrorismo – que
era nos anos 70 e 80. A produção de petróleo, grande fonte de receita
do país, saltou de 1,3 milhão de barris por dia em 2003, quando foi
invadido pelos EUA, para 3,1 milhões em 2012 – um incremento de 138%.
À medida que o país sai do isolamento herdado do regime de Saddam
Hussein, o Ministério das Relações Exteriores torna-se a pasta com um
dos maiores orçamentos do governo. Mais de 100 embaixadas já foram
abertas ou reabertas na última década. O Brasil, que foi um forte
parceiro comercial antes de o Iraque se tornar um pária internacional, é
um dos alvos da ofensiva diplomática iraquiana.
Antes de intensificar as relações comerciais, no entanto, os dois
países precisam chegar a um acordo sobre quanto o Iraque deve ao Brasil.
Nos anos 70 e 80, o Brasil, em contínua escassez de moeda forte, pagava
pelo petróleo iraquiano com frango, Passats e armamentos. Cabia à
Petrobrás pagar em moeda local às empresas brasileiras, em um sistema de
triangulação.
O Iraque sempre vendeu a preço de mercado e nunca teve prejuízo, mas
foi um grande parceiro nas horas difíceis, chegando a fornecer 70% do
petróleo importado pelo Brasil. Ele foi tão importante que a refinaria
de Paulínia, no interior de São Paulo, a maior da Petrobrás, foi
construída em 1972 para processar o petróleo iraquiano. Ela quase parou
quando o Iraque deixou de exportar, sob embargo, nos anos 90. Foi
readaptada para receber o petróleo de outros países – mesmo o da Arábia
Saudita, vizinha do Iraque, é de outra composição –, mas ainda hoje
funciona melhor se tiver em seu mix o óleo iraquiano.
Muitas empresas brasileiras, principalmente as construtoras, viveram
no mercado iraquiano sua primeira experiência de internacionalização. A
falência da indústria armamentista brasileira foi desencadeada, em
grande medida, pelo colapso da economia iraquiana. O Brasil vendeu, nos
anos 80, tantos Passats para o Iraque, que duas décadas depois eles
ainda eram comuns nas ruas de Bagdá, com adesivos em que se lia
"Brasili" ("Brasileiro"), seu nome local.
A partir do fim dos anos 80, com a exaustão econômica causada pela
guerra contra o Irã (1980-88) e depois as sanções internacionais
provocadas pela invasão do Kuwait (1990), foi o Iraque que começou a ter
problemas de caixa. No fim das contas, deixou uma dívida para o Brasil.
Os iraquianos a calculam em US$ 450 milhões.
O Ministério da Fazenda ainda está localizando papéis, recuperando
arquivos e atualizando valores, mas deve chegar a um montante mais alto
que esse. O governo brasileiro prevê que o cálculo esteja pronto em três
meses. O Clube de Paris, que reúne os grandes credores, propôs o
abatimento de 80% das dívidas bilaterais. O Brasil se colocou contra: já
foi altamente endividado e, a duras penas, pagou todos os seus
compromissos, com juros de mercado. Não acha justo perdoar outro país,
potencialmente rico, dessa forma. Pela lei brasileira, o Executivo tem
autonomia para abater até 50% das dívidas de outros países. Mais que
isso, tem de passar pelo Congresso.
Os tempos são outros e as construtoras brasileiras não terão ânimo de
voltar ao Iraque, diante dos riscos e custos com segurança. A
Petrobrás, que em 1975 descobriu o maior campo de petróleo do Iraque,
Majnoon, está agora exaurida na sua capacidade de investimentos pelo
pré-sal. Mas o Iraque ainda pode ser um grande mercado para os produtos
brasileiros.
Veja também: Iraque quer intensificar relações com o Brasil, diz novo embaixador "Guerra não é contra sunitas, mas contra terroristas" ‘Autonomia dos Estados brasileiros é referência para o futuro iraquiano’
Do Estadão
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