Nas discussões com líderes mundiais durante as conferências em Davos,
na Suíça, e em Munique, no mês passado, ficou claro que o maior desafio
enfrentado pelos EUA no Oriente Médio é controlar a reação da Arábia
Saudita ao inesperado avanço das conversas sobre o programa nuclear do
Irã.
Os sauditas estão enfurecidos. Temem que um acordo nuclear vá liberar
os EUA no sentido de colocar o Oriente Médio em segundo plano e
transferir toda sua atenção para a China e o restante da Ásia. O que
deixaria o Irã, na ausência de sanções econômicas, livre para ampliar
sua esfera de influência.
O secretário de Estado, John Kerry, disse enfaticamente, tanto no
Fórum Econômico Mundial quanto na Conferência sobre Segurança, em
Munique, que os EUA continuam totalmente envolvidos no Oriente Médio.
Mas o público árabe está, pelo contrário, influenciado pelo
comportamento do presidente Barack Obama, que não faz nenhum segredo do
seu desejo de desvincular os EUA dos antagonismos do Oriente Médio. Esse
objetivo pode ser incompreensível, mas uma nova frente mal cuidada pode
tornar o imbróglio ainda pior. O desafio para os EUA, assim, é dividir
de modo convincente sua atenção entre essas duas partes do mundo. De
qualquer modo, a instabilidade pode ameaçar gravemente interesses
americanos fundamentais.
O Oriente Médio está cambaleando com a ressaca da Primavera Árabe. Em
Davos e em Munique, iranianos e árabes manifestaram preocupação com a
guerra civil na Síria, que pode extrapolar e arrasar a região. Mas isso
despertou uma morna preocupação do lado americano e muitos árabes acham
que esse afastamento é o culpado pela sobrevivência do regime do sírio
Bashar Assad.
A situação aumentou o temor de que uma redução das tensões com o Irã
represente a última atividade dos EUA na região, para depois voltar sua
atenção inteiramente para a Ásia. Os sauditas, em particular, acham não
ser mais inconcebível a possibilidade de que, depois do Iraque e do
Afeganistão, a retirada total das forças no Golfo Pérsico será o novo
lema dos EUA: a "opção zero". Mas essa ideia contém um paradoxo: se os
EUA não acalmarem as preocupações sauditas, sua estratégia política com
relação ao Irã poderá desestabilizar o Oriente Médio em vez de ser um
golpe de mestre, que encerraria as tensões. Seria profundamente
contraproducente. O risco de novas crises na região, rica em petróleo,
tornará muito mais difícil para os EUA se concentrar na Ásia.
Arábia Saudita e Irã já estão envolvidos numa disputa mortal por
esferas de influência. Ao transformar o conflito sírio numa guerra
terceirizada, essa competição poderá provocar a mesma coisa no Líbano,
Iraque, Iêmen e Bahrein. Somente no Bahrein, em 2011, os sauditas
conseguiram de fato impedir um levante amplamente xiita. Diante disso,
eles só podem temer que o seu problema com o Irã explodirá se Teerã se
reaproximar do Ocidente.
Portanto, os sauditas vêm redobrando os esforços para avivar o
sectarismo sunita como uma defesa contra o Irã. Nesta guerra
terceirizada, já observamos um perigoso ressurgimento das milícias
ligadas à Al-Qaeda na Síria e no Iraque.
O problema de Obama é que essas perspectivas traiçoeiras no Oriente
Médio coincidem com as tensões igualmente preocupantes na Ásia, região
para a qual o governo pretende dar total atenção.
As intrigas dinásticas da Coreia do Norte criaram mais incertezas
quanto a um regime já volátil e possuidor de armas nucleares. Ainda mais
preocupantes, os sentimentos nacionalistas e as disputas territoriais
ressurgiram ameaçando conflitos no Mar do Leste da China e também no Mar
do Japão/Mar do Leste, que chega a China, Península Coreana e Rússia. A
agressão crescente demonstrada por China e Japão vem desestabilizando o
restante da região e prejudicando as perspectivas econômicas.
O objetivo original de uma maior atenção para a Ásia, como expressou
Obama no seu primeiro mandato, foi proteger os interesses econômicos
americanos. Hoje, a Ásia exige também o uso da diplomacia americana para
abortar uma crise que pode colocar em risco a economia global e obrigar
os EUA a partir em defesa do seu aliado, o Japão.
Um comentário irônico feito com frequência pelos observadores
chineses é que toda vez que Pequim está com problemas, o Oriente Médio é
deixado para trás.
Se as poucas referências de John Kerry à Ásia em seus discursos
servem como indicação, os que não acreditam no estabelecimento de um
pivô na região podem ter um argumento. Administrar o nervosismo árabe
com relação a um acordo nuclear com o Irã, conter os efeitos colaterais
da guerra civil na Síria e, simultaneamente, instigar israelenses e
palestinos a refletir sobre a paz exige uma intensa atenção dos
americanos. Desta vez os EUA não podem se permitir apostar no Oriente
Médio, nem abandonar a região.
De fato, as duas áreas de preocupação estão interligadas. O potencial
econômico ilimitado da Ásia necessita das reservas energéticas
inesgotáveis do Oriente Médio. Na Ásia e no Oriente Médio, os EUA
enfrentam crises assustadoras. A chave para o sucesso é enfatizar seu
compromisso com ambas as regiões.
Os EUA precisam combinar a abertura com relação ao Irã e sua atenção
para a Ásia com um envolvimento mais profundo em assuntos importantes
para o mundo árabe. Os líderes árabes necessitam ver que o envolvimento
americano com o Irã ajudará mais do que apenas remover a ameaça nuclear
representada por Teerã - é preciso também traçar um caminho para mudar a
política regional do Irã, de modo a permitir que o país se integre
plenamente na região.
Uma boa medida seria trazer Arábia Saudita e Irã para a mesma mesa de
negociações sobre a crise síria. Seria um procedimento recomendável
também na administração da crise na Ásia.
Do Estadão - Por Vali R. Nasr - Reitor da John Hopkins School of Advanced International Studie. - TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO
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