Durante a Segunda Guerra Mundial, a Força Aérea Brasileira formou e
enviou à Itália o 1º Grupo de Aviação de Caça, que executou basicamente
perigosas missões de ataque ao solo, uma vez que a aviação inimiga já
tinha sido praticamente varrida dos céus do Mediterrâneo.
Como parte do 350º Fighter Group americano, onde era o Brazilian Fighter Squadron,
o primeiro Grupo de Caça era atendido, nas missões de transporte, por
aeronaves C-47 da USAAF, mas, no início de 1945, o 350º FG cedeu uma
aeronave B-25C, que serviu diversas missões de combate no deserto do
Norte da África e depois na Sicília e Sul da Itália.
Considerada obsoleto e "cansado de guerra", o velho B-25C 41-12872 atuou
em combate no 82nd Bomber Squadron, do 12nd Bomb Group. Substituído na
sua função de bombardeiro médio por aeronaves mais novas e melhor
armadas, o B-25C, batizado com o nome de Desert Lil' pelos seus
primeiros usuários, foi colocado à disposição, convertido em transporte
pela remoção do seu armamento, e alocado ao 1º Grupo de Caça, então
baseado em Pisa, na Toscana.
O oficial de ligação entre a USAAF e o 1º GAv, Major John Willian
Buyers, foi designado para buscar o avião, que escolheu pessoalmente
entre as diversas "sucatas" disponibilizadas para o 350º FG.
O nome de "batismo" do avião, Desert Lil', foi mantido, mas a bonita pintura de uma "pin up girl"
no nariz foi coberta por uma camada de tinta antes da entrega. A rala
tinta utilizada não escondeu totalmente o desenho, que era possível de
ser visualizado por baixo da pintura.
A pin up girl do Desert Lil' foi coberta por uma camada de tinta antes do avião ser entregue aos brasileiros |
Como oficial-aviador, e não tendo nenhuma aeronave designada para voar, o
major Buyers literalmente se "apropriou" do surrado B-25, e não deixava
nenhum outro piloto voá-lo, pelo menos enquanto estivesse por perto...
O Desert Lil' liberou o 1º GAv de ter que solicitar os C-47 da
USAAF sempre que precisava de transportar pessoal ou pequenas cargas, e
tinha ótimo desempenho, apesar de estar bem desgastado: aliviado do peso
do armamento e da maior parte da blindagem, praticamente não tinha
restrições de peso para operar. No entanto, era bem apertado e
desconfortável, além de ser frio e assustadoramente barulhento, defeitos
bem característicos de todos os B-25. Mas ninguém reclamava, muito
menos o Major Buyers, que tinha ciúmes do "seu" avião.
O pessoal do 1º Grupo de Caça, e duas enfermeiras da FEB, em frente ao Desert Lil' |
Quando a guerra acabou na Itália, em 2 de maio de 1945, o Desert Lil' foi
designado para buscar os pilotos brasileiros que estavam prisioneiros
dos alemães ou desaparecidos em combate. O Coronel Nero Moura conseguiu
"emprestar" mais três B-25 desarmados para atender às demandas para essa
missão. Os pilotos designados a essa missão foram o Major Buyers, o
Capitão Lagares e o Tenente Roberto Pessoa Ramos
O Desert lil' cruza os Alpes, na sua última missão de guerra: resgatar os prisioneiros (foto de John Buyers) |
O Desert Lil' decolou de Pisa no dia 11 de maio de 1945, com
destino à Áustria e Alemanha, onde os serviço de informação davam conta
da existência de pilotos brasileiros nos campos de prisioneiros alemães.
Lá chegando, verificaram que os prisioneiros haviam sido transferidos
para a França, onde estavam aguardando algum tipo de transporte para
voltar a Pisa e ao 1º GAv.
Em Paris, dois dos pilotos capturados pelos alemães, o Tenente Josino
Maria de Assis e o Tenente Othon Correa Neto estavam alojados no Hotel
Le France, aguardando algum meio de voltar a Pisa, mas sempre assistidos
pelos americanos. As autoridades diplomáticas brasileiras em Paris, no
entanto, foram totalmente ineficientes e até mesmo mal educadas com os
pilotos brasileiros libertados, se recusando até a dar-lhes algum
dinheiro para despesas pessoais.
O pessoal do Desert Lil', no entanto, acabou achando os pilotos
no hotel, e imediatamente providenciaram o transporte de volta a Pisa,
não sem conhecer, antes, os pontos turísticos da capital francesa.
No voo de volta, os pilotos brasileiros aproveitaram para fazer uma
rápida viagem turística através da Europa, mas ao chegar em Atenas, o
trem de pouso direito do Desert Lil' quebrou-se devido a um pequeno acidente no pouso. O Coronel Nero Moura queria os pilotos em Pisa o quanto antes, e o velho Desert Lil' ficou
para trás, foi abandonado e, provavelmente, seria sucateado depois
disso. A bordo de outro avião, todos chegaram em Pisa no dia 15 de maio
de 1945. Durante muitos anos, ninguém do 1º Grupo de Caça ficou sabendo
de qualquer notícia a respeito do Desert Lil'.
O Desert Lil' nunca foi designado oficialmente à FAB, embora
tenha servido por vários meses no 1º Grupo de Aviação de Caça e,
consequentemente, jamais recebeu um número de carga, e jamais constou do
inventário de aeronaves da FAB. O avião sempre operou com as
identificações da USAAF até o fim.
Posteriormente, soube-se que o avião não foi sucateado, que foi
recuperado e levado de volta aos Estados Unidos, onde ainda serviu por
algum tempo.
Um B-25J sobrevivente, com pintura de camuflagem semelhante à usada pelo Desert Lil' |
Atualmente, embora ainda existam vários B-25 sobreviventes, alguns em
condição de voo, parece haver apenas 3 modelos B-25C, dois em
restauração e um em exposição estática, mas nenhum voando.
Major John Buyers, em 1945 |
O "dono" do Desert Lil', o Major John W. Buyers, ainda está vivo e
é o último piloto sobrevivente de todos os que serviram no 1º Grupo de
Caça na Itália.
Além de voar o Desert Lil', Buyers voou 21
missões de combate nos P-47D Thunderbolt, como voluntário, e tomou muito
tiro dos alemães, mas nenhum derrubou o avião ou feriu-o. Buyers é
cidadão americano, mas nasceu em Juiz de Fora, Minas Gerais, e
atualmente mora no Recife, Pernambuco.
O major Buyers hoje, na sua foto de perfil do Facebook, aos 95 anos de idade |
1 Comentários