A chanceler federal alemã, Angela Merkel, afirmou que é hora
de a Europa tomar seu destino em suas próprias mãos. Países que estão
pagando menos do que deveriam à Otan começam, naturalmente, a se
sentir incomodados quando os EUA ameaçam um apoio “moderado” àqueles que
não cumprem o determinado pela aliança, que é destinar 2% de seu PIB a
gastos com defesa.
Se o presidente americano, Donald Trump, tornar realidade suas ameaças, que tipo de segurança a própria Europa poderá proporcionar a si mesma?
Nick Witney, ex-funcionário da Agência Europeia de Defesa (AED) e
atual integrante do think tank Conselho Europeu de Relações Exteriores,
afirma que nunca houve uma necessidade mais premente – nem uma
oportunidade melhor – de a Europa levar isso a sério. Com ameaças de
Trump vindo de uma direção, e as da Rússia, do outro, a eleição do novo
presidente da França, Emmanuel Macron, dá a Merkel o melhor conjunto de
circunstâncias que ela pode ter para fortalecer a autossuficiência da
Europa.
“A Europa deveria parar de choramingar e ver isso como uma útil
chamada para acordar”, frisa Witney. “Tem sido muito fácil reconhecer o
que precisa ser feito e dizer ‘talvez no próximo ano, quando a situação
orçamental for mais fácil'”, acrescenta.
Sem o apoio de Washington e seu poder de dissuasão nuclear,
Rússia poderia alterar equilíbrio de poder na Europa, afirmam
especialistas. Merkel e Macron têm nas mãos chave para autossuficiência
europeia na área militar.
“É preciso haver um levantamento rigoroso de onde estamos perdendo
coisas, onde estamos gastando grandes somas de dinheiro, nos prendendo a
coisas que não têm utilidade, e onde precisamos cortar
gastos desnecessários”, diz.
Lições não aprendidas
Quando governos europeus tentaram assumir a liderança em 2011, no que
viria a ser uma intervenção militar da Otan na Líbia, eles não
conseguiram fornecer sua própria inteligência, sistemas de
reconhecimento ou de vigilância. Itens básicos, como munição, se
esgotaram rapidamente, fazendo com que os europeus dependessem do apoio
dos EUA.
“Nós deveríamos finalmente nos dar conta e desativar centenas de
milhares de bombas convencionais e investir em munições inteligentes”,
propõe o especialista. “Mas tenho certeza de que isso ainda não
aconteceu”, lamenta.
Sven Biscop, diretor do Instituto Real de Relações Exteriores da
Bélgica, concorda que a melhor esperança da Europa para a
autossuficiência é finalmente cooperar em investimentos de defesa.
“Com essa política Trump first, os interesses dos EUA podem ou não
coincidir com os da Europa. E quando eles não coincidem, a Europa não
terá uma escolha sobre que mãos seguram seu destino”, avalia,
recomendando uma política “Europa first” como esposta.
Russos superestimados
Biscop diz que a ameaça militar russa para a Europa é superestimada,
mas que mesmo assim não pode ser enfrentada pela Europa, por esta não
investir em armamentos estratégicos.
“A Rússia é mais fraca do que parece. Os 28 Estados da União Europeia
(UE), com 1,5 milhão de pessoas de uniforme, são mais fortes, mas não
fortes o suficiente”, enfatiza. “Quando se trata de projetar forças para
fora do nosso próprio território, não podemos fazê-lo sem os EUA,
porque não investimos em equipamentos estratégicos – transportes de
longa distância, satélites, aviões com reabastecimento ar-ar”, enumera o
especialista.
Ele avalia que o desenvolvimento dessas capacidades deve ser uma
prioridade da Europa. Biscop espera que Merkel e Macron se alinhem para a
formação de um grupo central de países que iria partilhar o custo desse
tipo de itens. Mas ele frisa que a tarefa não deve ser fácil.
“Até porque cada indústria de defesa nacional é relutante em abrir
mão de seu nicho”, sublinha. Biscop acredita que a união de forças para
pagar esses custos não só faria com que preocupações econômicas se
tornassem menos críticas, mas também as capacidades ampliadas tornariam
obsoletos os tão alardeados 2% por cento do PIB.
Bruno Lete, especialista em segurança e defesa da fundação americana
German Marshall Fund (GMF), concorda que a Europa esteja caminhando
devagar, apesar de dispor de uma das mais poderosas e tecnologicamente
avançadas forças armadas do mundo.
“Sem a capacidade única de formação de coalizão dos Estados Unidos
dentro da Otan, hoje a Europa iria ter dificuldades para unir e
organizar eficazmente sua própria defesa”, crê Lete, citando a
necessidade de facilitadores estratégicos dos EUA, além das “plataformas
americanas de comando, controle e inteligência”.
“É particularmente nesses domínios que falta pegada à Europa, e onde
os EUA estão acrescentando muito valor”, complementa Lete. “Se a Europa
quer cuidar de sua própria defesa, é essa lacuna é que ela terá de
resolver em primeiro lugar.”
Dissuasão nuclear
Witney coloca mais uma preocupação no topo da lista: a perda
potencial das capacidades nucleares americanas como fator de dissuasão.
Com a saída do Reino Unido da UE, o que coloca em um limbo a relação dos
britânicos com o bloco, a missão de exercer o poder de dissuasão
nuclear passa a ficar a cargo da França, segundo o especialista.
“A mudança exigiria um ajuste de atitude”, considera Witney. “E não
apenas nos franceses. Os alemães nunca gostaram de estar sob o
guarda-chuva nuclear de ninguém”, diz. “Mas se for o caso, eles preferem
estar sob a proteção americana do que dar aos franceses a condição de
‘protetores da Europa’.”
Witney frisa que, sem os EUA, os europeus vão ter que superar
esse problema e encontrar maneiras de compartilhar o “guarda-chuva
nuclear”, bem como de realizar uma divisão de responsabilidades e
custos.
Foto: 1°- © REUTERS / Ints Kalnins
Fonte: DW
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