O drama envolvendo o desaparecimento de um submarino com 44
tripulantes a bordo vem ganhando tons dramáticos na Argentina. A pista
mais concreta sobre o ARA San Juan foi fornecida pela Organização do
Tratado de Proibição Completa dos Ensaios Nucleares (OTPCE), com base em
Viena, na Áustria. De acordo com a organização, no dia 15 de novembro,
duas estaçoes hidro-acústicas detectaram “um sinal incomum”, produzido
três horas após a última comunicação da tripulação com a base e a 48
quilômetros do local onde o submarino estava.
As duas estações,
que registraram um ruído “consistente com o de uma explosão debaixo da
água”, ficam na ilha britânica de Ascenção, no Atlântico, e o
arquipélago francês de Crozet, ao sul do Oceano Índico. Ambas formam
parte de uma rede internacional, montada pelos membros da OTPCE, para
monitorar a realização de testes nucleares que possam ameaçar a paz
mundial.
As informações dessas estações foram cruzadas com outras,
obtidas pela megaoperação de busca e resgate, da qual participam 12
países, além da Argentina. A conclusão, divulgada pela Marinha argentina
nessa quinta-feira de manhã, foi de que houve uma explosão no
submarino. Navios e aviões foram mobilizados para buscar o ARA San Jose
no local indicado pelos sensores, mas as esperanças de encontrar alguém
com vida são pequenas. Um submarino só tem capacidade para armazenar
oxigênio durante oito dias. Depois, precisa subir à superfície para
renovar o ar, ao que, tudo indica, não ocorreu.
"Foi uma explosão
pequena. Não estou dizendo que o submarino explodiu totalmente. Mas,
pela localização e a hora (da explosão), é possível que esteja
relacionado ao submarino argentino", disse o secretário-geral da OTPCE,
Lassina Zerbo. Em sua conta no Twitter e em entrevistas, ele respondeu
às perguntas que muitos fizeram: por que tanta demora em associar um
ruído, emitido no dia 15 de novembro, ao submarino, desaparecido no
mesmo dia?
Zerbo explicou que, ao contrário do que muitos pensam, o
fundo do mar não é silencioso, está cheio de ruídos. “Um volume enorme
de dados foi examinado para obter as pistas do submarino perdido”,
escreveu. “Milhares de sinais possíveis e sons tiveram que ser
examinados, para descartar ruídos naturais (como os das baleias) e
industriais”.
O embaixador argentino na Áustria, Rafael
Grossi, que também é especialista em temas nucleares, explicou que
recorreu à OTPCE porque sabia que a organização tinha os meios para
detectar anomalias no fundo do mar. As estações dão sinal de alerta
quando há uma atividade nuclear, mas – a pedido do governo argentino –
foi realizada uma revisão dos dados coletados na semana passada. Com
isso, identificou-se não apenas a explosão, mas também o local exato e a
hora em que aconteceu: às 11h 51m (horário de Brasília), a 48
quilômetros ao norte do local onde o submarino estava, quando se
comunicou com a base três horas antes.
Navios, aviões e
até um mini-submarino norte-americano foram mobilizados para vasculhar a
área, a 432 quilômetros da costa argentina, na altura do Golfo de São
Jorge. Dependendo do local, a profundidade das águas pode variar entre
200 e 3 mil metros. “Estamos em uma corrida contra o tempo para salvar
vidas", disse Zerbo que, a exemplo do porta-voz da Marinha argentina,
Enrique Balbi, e de especialistas consultados pela imprensa argentina,
não dão o episódio por encerrado até encontrar o submarino.
Algumas famílias dos 44 tripulantes ainda guardam alguma
esperança e continuam na base naval de Mar del Plata, onde o submarino
deveria ter chegado na segunda-feira. Do lado de fora, bandeiras,
cartazes e correntes de orações, em solidariedade aos tripulantes
desaparecidos. Afinal, ao longo dos últimos oito dias, houve vários
alarmes falsos. Mas a “anomalia acústica”, detectada primeiro pelos
Estados Unidos na quarta-feira acabou sendo confirmada no dia seguinte
pela OPTCE. Muitos reagiram com raiva e indignação à notícia, acusando o
governo de ter escondido a verdade durante uma semana: nos primeiros
dias, falavam em uma falha elétrica, e nunca numa explosão.
A
operação de busca do submarino reuniu países que, em outros tempos,
jamais fariam uma patrulha conjunta. A começar pelo Reino Unido, que
derrotou a Argentina na guerra de 1982 pela posse das Ilhas Malvinas. O
território, considerado “em disputa” pelas Nações Unidas, ainda é
reivindicado pelo governo argentino, que até recentemente tem denunciado
a presença militar britânica no Atlântico Sul. Além do Reino Unido, da
França e da Noruega, vizinhos (como Brasil, Chile, Uruguai e Peru), e
potências antagônicas (Estados Unidos e Rússia) estão cooperando na
busca do submarino.
O caso do ARA San Juan tem sido comparado com o
desaparecimento do submarino russo Kursk, há 17 anos. Ele sofreu uma
explosão no compartimento de armas, quando navegava no Oceano Ártico.
Alguns dos tripulantes conseguiram se refugiar em um compartimento da
embarcação e emitir sinais de socorro, durante 48 horas. Mas a Rússia,
ao contrário da Argentina, demorou uma semana para aceitar ajuda
internacional, para não revelar “segredos militares”. Na tragédia,
morreram 118 pessoas.
O submarino argentino não é
nuclear, e é movido por baterias elétricas e usado para patrulhar a
costa e as atividades de navios de pesca piratas. O ARA San Juan foi
construído nos anos 1980 na Alemanha e reformado em 2014 para ampliar
sua vida útil por mais 30 anos.
Famílias desoladas
"É
a primeira vez que venho à base (naval) e acabo de saber que sou
viúva", declarou, aos prantos, Jessica Gopar, esposa de um dos 44
tripulantes do submarino desaparecido em 15 de novembro, após ser
informada nesta de houve uma explosão naquele dia no Atlântico Sul.
"Foi
meu grande amor, tínhamos sete anos de namoro, seis de casamento e
temos um filho, Stefano, que custou muito até que Deus nos enviasse",
declarou em frente à base naval de Mar del Plata, onde os familiares
receberam a notícia.
O filho do casal tem apenas um ano e acabou de aprender a
dizer 'papai' durante sua ausência, de acordo com uma carta postada no
Facebook de Jessica.
A previsão do tempo em Mar del Plata, como de
costume, mudou de repente ao anoitecer. O vento começou a soprar forte e
frio do sudeste. O céu azul e límpido da manhã ficou cinza. A base
começou a esvaziar. Poucos moradores locais chegavam para rezar. Ninguém
colocava mais cartazes de alento. A tristeza dominou tudo.
"Todos
morreram, foi a primeira coisa que pensei", disse sobre o momento em
que soube da explosão. Tinha em suas mãos um cartão manuscrito com a
fotografia de seu filho trazido para deixá-lo na entrada do prédio
naval, preenchido com mensagens para a tripulação.
Jessica afirmou
que antes da terrível notícia, "deram-me um copo de água e um
comprimido para a pressão (...) Não irá me servir de nada uma placa que
diz 'os heróis de San Juan'", declarou antes de se afogar novamente em
lágrimas.
"Eu me sinto enganada! É impossível que tenham
descobrido só agora! São perversos e nos manipularam", declarou
enfurecida Itatí Leguizamón, advogada e esposa de German Suarez,
operador de sonar do San Juan, ao sair da base naval de Mar del Plata.
"Não
nos disseram que estão mortos, mas afirmaram que o submarino está a
3.000 metros (de profundidade). O que se pode entender?!", afirmou em
meio a uma crise nervosa.
Quase 100 parentes aguardavam esperançosos dentro da base
naval de Mar del Plata, cujo perímetro nos últimos dias foi preenchido
com mensagens de encorajamento, imagens religiosas e bandeiras
argentinas.
Em instalações da base naval, alguns familiares se abraçavam, outros gritavam inconsoláveis sentados no chão.
A
Marinha transmitiu a notícia aos parentes na cidade portuária de Mar
del Plata minutos antes de divulgá-la em coletiva na capital
argentina. A parente de um tripulante, abatida, aproximou-se dos
jornalistas, caiu em lágrimas e saiu. Não conseguiu pronunciar uma
palavra.
"Ao ouvir a notícia de que todos explodiram lá dentro, os
familiares pularam em cima deles e não deixaram que continuassem a ler o
comunicado, as pessoas ficaram muito agressivas", contou Itatí sobre a
experiência dentro da base.
"Lançaram buscas para saírem
bem na fita, porque enviaram uma merda para navegar. Em 2014 o
submarino já havia tido problemas porque não conseguiu emergir. Agora
não me importa se sabem de tudo porque ele já não está mais", exclamou a
mulher.
"As máquinas falham, as pessoas que
estavam no submarino sabiam a que estavam se expondo", disse este homem,
evocando que "nesta base, durante a ditadura militar, faziam torturas.
Era um 'centro clandestino de detenção'", recorda uma placa.
De O Dia
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