Autoridade do Reino Unido pediu ao governo Temer mudanças na
lei para beneficiar petroleiras estrangeiras. Negociação está ligada a
leilões do pré-sal.
O ministro do Comércio Exterior do Reino Unido, Greg Hands, fez lobby
em nome de empresas petroleiras britânicas para que o governo
brasileiro reduzisse tributos e afrouxasse regras de licenciamento
ambiental, segundo informações obtidas pelo Greenpeace e publicadas pelo
jornal The Guardian no domingo (19).
O pedido de mudanças na legislação brasileira era para beneficiar
empresas britânicas que atuam no Brasil, como a BP, a Premier Oil e a
Shell, maior petroleira privada que atua no mercado nacional. O governo
brasileiro promoveu duas mudanças na legislação que agradaram às
empresas. Depois disso, Shell e BP arremataram campos de exploração do
pré-sal, em outubro de 2017.
Greg Hands se encontrou três vezes com o secretário-executivo do
Ministério de Minas e Energia, Paulo Pedrosa. As conversas ocorreram no
Rio de Janeiro, São Paulo e Belo Horizonte, todas em março de 2017. De
acordo com o documento obtido pelo Greenpeace, Pedrosa afirmou a Greg
Hands que estava pressionando internamente o governo brasileiro a ceder
às demandas dos britânicos.
O pré-sal é um conjunto de reservas de petróleo em grandes
profundidades, abaixo de uma grossa camada de sal, o que torna sua
extração mais difícil. As reservas brasileiras foram descobertas em
2006.
A primeira lei que regulava a exploração do pré-sal foi sancionada em
2010 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O governo petista
estipulou que a Petrobras era obrigada a ter, no mínimo, 30% de
participação nos consórcios de exploração do pré-sal.
Além disso, a estatal era a única empresa autorizada a fazer as
operações de extração de petróleo nessas reservas de grande
profundidade.
As mudanças no governo Temer
A legislação que regula a exploração de petróleo no pré-sal é alvo de
disputa política desde que Michel Temer assumiu a presidência
interinamente, em virtude da abertura do processo de impeachment contra
Dilma Rousseff, em maio de 2016.
Nomeado para presidência da Petrobras por Temer, também em maio de
2016, Pedro Parente defendia que a estatal não tivesse a exclusividade
de operação do pré-sal. Para o executivo, a regra obrigava a Petrobras a
investir muitos recursos em projetos do pré-sal, inviabilizando a
realização de outros investimentos que poderiam ser prioritários.
O fim da exclusividade de operação da Petrobras foi aprovado em
novembro de 2016, a partir de projeto de lei apresentado pelo senador
José Serra (PSDB).
Os primeiros leilões de campos do pré-sal com participação de
consórcios 100% privados ocorreram em outubro de 2017 e foram alvo de
protestos.
Os incentivos às empresas estrangeiras
Com a permissão para que empresas privadas explorassem o pré-sal, o
governo precisou adequar as regras de tributação do setor, que antes
eram voltadas apenas para a Petrobras. Entre elas está um conjunto de
isenções fiscais em atividades de exploração e produção de petróleo.
A extensão dos benefícios fiscais a empresas privadas foi instituída
pela Medida Provisória 795 de 2017, emitida pelo governo em 15 de
agosto, e ainda precisa ser aprovada no Congresso para que vire lei.
Para 2018, o governo estima que as empresas de petróleo ficarão isentas
de pagar R$ 162 bilhões em impostos – quase três vezes mais do que o
governo arrecadou no leilão do pré-sal.
INCENTIVO A EMPRESAS
Outra isenção fiscal garantida pelo governo Temer foi a prorrogação
do Repetro até 2040. O Repetro é um regime que suspende a cobrança de
impostos portuários nas atividades de pesquisa e lavra de jazidas de
petróleo. Se não tivesse sido renovado, o regime acabaria em 2020.
As justificativas para as mudanças
O objetivo do governo, ao implementar as duas decisões, era diminuir
os custos de operação das empresas e tornar o leilão de campos para
exploração do pré-sal mais atrativo.
O leilão chegou a ser suspenso pela Justiça Federal sob argumento de
prejuízo ao patrimônio público, por conta do baixo valor do lance
inicial. A decisão foi revertida e o leilão ocorreu normalmente.
O critério para decidir o consórcio vencedor é o percentual de barris
da produção que fica com o governo brasileiro. Os percentuais variaram
entre 11% e 80%.
Lobby é ilegal ou não?
Em junho de 2016, o presidente da Shell no Brasil, André Araújo,
declarou em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo que era favorável
tanto à prorrogação do Repetro, quanto à abertura do pré-sal para
exploração de empresas privadas.
Ao jornal Folha de S.Paulo, Pedrosa, que se encontrou com o ministro
do Reino Unido, disse que “foi uma discussão normal entre representantes
de dois países”.
“A palavra lobby é usada pelo jornal [The Guardian] como se houvesse
segundas intenções —e não foi assim”, disse o secretário-executivo de
Minas e Energia à Folha.
Para saber em quais circunstâncias a influência de empresas sobre a
decisão de governos é legal ou ilegal, o Nexo conversou com Neusa Maria
Pereira Bojikian, especialista em negociações internacionais e
professora de pós-graduação do Programa San Tiago Dantas.
A negociação entre o governo do Brasil e do Reino Unido foi legal?
NEUSA MARIA PEREIRA BOJIKIA É difícil responder de bate-pronto porque
essas questões são delicadas e é necessário estudar em que
circunstâncias as negociações desse caso específico ocorreram.
Em linhas gerais, esse tipo de negociação ou diálogo entre países é
feito com o respaldo de equipes de advogados muito competentes.
Geralmente, eles acham brechas na legislação para garantir que não vai
ocorrer nenhum grande problema em decorrência daquela conversa ou da
medida que for tomada a partir dali.
Muitas leis possuem margem de interpretação e, em uma negociação
importante, os atores envolvidos quase sempre são acompanhados das
melhores bancas de advogados para terem segurança jurídica e evitarem
problemas [de acusação de ilegalidade].
A gente ainda não sabe exatamente o que ocorreu nesse caso específico
entre Brasil e Reino Unido, mas em termos gerais esses atores costumam
se precaver.
As grandes corporações também costumam participar de negociações de
forma bastante cuidadosa. Se alguém acha que ocorreu uma ilegalidade, é
possível investigar e abrir alguma ação, mas isso é muito caro e
demorado.
O que esses atores negociam muito provavelmente não vai gerar um resultado com erros grosseiros.
Essa é uma interpretação ampla de como essas negociações ocorrem,
porque para poder fazer uma avaliação pontual do caso entre Brasil e
Reino Unido seria necessário ter acesso a muito mais informação do que
já saiu.
Mesmo que a negociação tenha ocorrido dentro da lei, existe algum problema na forma como ela foi feita?
NEUSA MARIA PEREIRA BOJIKIA Olha, normalmente, é a própria empresa
que envia um representante [para defender seus interesses]. Esses
representantes ficam nos bastidores das negociações, ajudando a formatar
os acordos, não aparecem de uma forma explícita.
Já o ministro geralmente fala em nome dos interesses nacionais. É
muito difícil ele falar em nome de uma ou outra empresa porque grupos
que se sentirem preteridos acabam questionando essa atuação.
Podemos pensar da seguinte forma: o que é um interesse nacional? Se
for pensar em uma democracia, com a sociedade sendo formada por diversos
grupos de interesse, eles geralmente vão brigar pelos direitos deles.
Então a atuação de um ministro em nome de empresas pode dar margem para
que outros grupos ou o próprio legislativo não ratifique algo que ele
prometeu quando negociou em nome de empresas.
Via de regra, os acordos são feitos de forma que os países possam
internalizar o que foi negociado e aprovar no legislativo. O ministro,
isoladamente e buscando dar apoio a empresas, não possui essa garantia.
Do NEXO Via Blog do Sorrentino
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