A Embraer e a Boeing estão em um estágio avançado nas discussões sobre o modelo de combinação de seus negócios de aviação comercial, com o objetivo de apresentar ao governo federal uma proposta que exclua a área de defesa da nova empresa a ser criada. A preocupação, contudo, segundo uma fonte próxima das negociações, é preservar a possibilidade de a Boeing usar a sua força de venda para comercializar o KC-390, o jato de carga e transporte militar desenvolvido pela área de defesa da Embraer, que permaneceria sob o controle exclusivo da companhia brasileira.
O argumento da Embraer para convencer o governo a aprovar o negócio tem sido o de haver uma certa dúvida sobre a sustentabilidade da empresa, que, na prática, seria reduzida à atual divisão de defesa, sem uma parceria comercial com a Boeing, que aliás colabora com o projeto do KC-390. De acordo com o balanço de 2017 da empresa, da receita total, de R$ 18,7 bilhões, 50,7% vieram da aviação comercial, 33,2%, da executiva e apenas 15,8% da área da defesa.
— O KC-390 é um bom avião. Em defesa, no entanto, ter um bom modelo não é fator determinante para o sucesso do negócio, mas sim um posicionamento geopolítico estratégico e forte diante do mundo, coisa que o Brasil não tem — explicou um executivo com conhecimento na área, que pediu para não ser identificado.
Fôlego para lançar nova família de aeronaves
O modelo de negócio que os executivos da Embraer e da Boeing estão elaborando terá como foco principal a proposta de criação de uma nova empresa de aviação comercial, da qual a Boeing deteria o controle de 80% das ações, com os 20% restantes ficando com a brasileira. Paulo Cesar de Souza e Silva, diretor-presidente da Embraer, disse, no fim de fevereiro, que, se não houvesse necessidade do aval do governo, “o negócio já teria saído”.
No âmbito da aviação comercial, a união com a Boeing é estratégica, segundo fontes, porque a Embraer não teria fôlego para desenvolver uma nova família de aviões para lançar ao mercado daqui a cinco ou dez anos, dando início ao que internamente chama-se de “terceira onda” da empresa. Dentro da Embraer, considera-se que a história da companhia até aqui dividiu-se em duas ondas. A primeira vai desde sua fundação até a privatização, em 1994, e a segunda, começa no pós privatização, com o sucesso do Tucano, e terminaria agora, quando começam as entregas dos modelos da nova família de jatos (os E2), com os maiores modelos já produzidos no Brasil, com até 150 lugares.
Abrindo os resultados da Embraer de acordo com a área de negócios, é possível entender melhor o que as fontes envolvidas nas negociações do modelo de venda dizem. Enquanto o segmento de jatos regionais, que representa 50,7% das receitas da empresa, tem proporcionado margens e retornos elevados à Embraer, respondendo por 85% do lucro operacional da fabricante de aeronaves desde 2013, os resultados do segmento de defesa vão do positivo para o negativo de um ano para outro.
— É um sonho de uma noite de verão pensar que os orçamentos militares do Brasil poderão manter uma Embraer Defesa viva — avalia o engenheiro Adalberto Febeliano, especialista em economia do transporte aéreo.
Febeliano calcula que, se não houver uma amarração no modelo de negócios para que a Boeing venda o KC-390, “certamente a Embraer Defesa será desidratada e morrerá em, no máximo, dez anos”. Ele diz ainda que a gigante americana poderá viabilizar a entrada do KC-390 na Força Aérea dos Estados Unidos, além do Exército e da Marinha daquele país, e ainda auxiliar a brasileira na obtenção de uma série de certificações exigidas pelas forças armadas dos EUA, Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), ou mesmo do Japão, aliado dos americanos.
— Sem a associação com a Boeing, a Embraer poderá vender uma centena dos jatos KC. Com o negócio, venderá milhares — diz Febeliano.
Potencial para dobrar encomendas
A Embraer é líder mundial no segmento de aviação regional, com mais de 50% do mercado global para modelos de até 130 lugares. Neste segmento, porém, há dúvida se é promissor fazer aeronaves ainda maiores que os jatos E2 para concorrer. Outro ponto que está no radar da empresa brasileira, e que também tem sido usado como argumento para impulsionar as negociações com o governo, é o fortalecimento dos seus concorrentes diretos.
A Bombardier, por exemplo, fechou, no ano passado, um acordo de parceria com a gigante europeia Airbus para a produção de sua nova linha de jatos regionais, os C-Series. No início deste ano, ainda, foi beneficiada com a suspensão da sobretaxa que havia sido imposta pelo governo americano.
Paralelamente, a japonesa Mitsubishi está investindo pesado no segmento para apresentar em breve uma linha de aviões de até 130 lugares, além da russa United Aircraft e da chinesa Comac, que estão na reta final de desenvolvimento de seus modelos.
Num exemplo do efeito da força de vendas que a Boeing daria aos modelos da Embraer, o Bradesco BBI estima que a americana poderia acrescentar 462 aviões à atual carteira de pedidos da Embraer — número equivalente à frota de jatos regionais operados pelos 26 clientes da Boeing. A carteira de pedidos firmes para esses jatos na Embraer hoje é de 435 aeronaves.