Americana busca parceria para entrar em mercado de jatos regionais, em
que a empresa brasileira é líder. Incertezas, porém, rodeiam possível
acordo. Embraer
e a Boeing estão em conversações a respeito de uma potencial combinação
de seus negócios. A união entre as empresas brasileira e americana
seria uma resposta à europeia Airbus, que comprou em outubro a
participação majoritária (50,01%) do programa da canadense Bombardier
chamado C-Series, que produz aviões de médio alcance para entre 70 e 130
passageiros, exatamente o segmento dominado pela Embraer.
O interesse da Airbus
e Boeing, líderes mundiais na fabricação de aviões com mais de 100
lugares, de entrar neste mercado de jatos regionais está alinhado a uma
nova tendência mundial de oferecer uma família completa de aeronaves aos
clientes. Isso permite a elas negociar contratos maiores, exclusivos e
com melhores condições.
Em 2017, a Airbus recebeu 1.109 pedidos, contra os 912 da Boeing. Já
quanto às entregas, a americana liderou com 763 em comparação aos 718 da
europeia.
Com a brasileira ao seu lado, a Boeing poderá entrar no segmento de
aviões regionais para fazer frente à Airbus-Bombardier e lutar palmo a
palmo também pela liderança deste mercado.
A Embraer já possui um produto altamente competitivo: os jatos
regionais E-Jets, e a segunda geração deles, os E2, que está em fase de
certificação.
"A parceria entre canadenses e europeus reforça ainda mais o
interesse da americana pela Embraer”, diz Marcos José Barbieri Ferreira,
economista da Unicamp e especialista em indústria aeroespacial.
A americana também está de olho na estrutura produtiva da Embraer,
privatizada em 1994 no governo Itamar Franco e que se tornou a terceira
maior fabricante de aviões do mundo. A Boeing poderá usar as fábricas
para verticalizar sua produção, ou seja , produzir ela mesma partes dos
aviões que são, atualmente, compradas de terceiros. Essa intenção,
revelada em 2016, reduziria a dependência de fornecedores, além de
aumentar os lucros ao se apropriar dos ganhos na cadeia produtiva.
A Boeing poderá ainda absorver a capacidade e know-how da Embraer no
desenvolvimento de novas aeronaves. A brasileira praticamente encerrou
os projetos da nova linha regional E2, do cargueiro militar KC-390 e da
família de aviões executivos Legacy.
"A Embraer tem uma capacidade de desenvolvimento que é invejada por
outros players mundiais. Desta maneira, a Boeing busca absorver esta
capacidade para auxiliar no desenvolvimento de suas próprias aeronaves”,
diz Ferreira.
Possíveis acordos
Desde que o jornal americano The Wall Street Journal vazou
as intenções da Boeing de comprar a Embraer e pegou de surpresa o
governo federal, políticos em Brasília vinham afirmando categoricamente
que não pretendiam vender o controle da brasileira. Em entrevista à
imprensa brasileira, o presidente Michel Temer disse que "o controle continua com o poder público federal”.
Apesar de a Embraer ter sido privatizada em 1994, o governo
brasileiro possui uma "golden share”, ação que dá direito a veto, por
exemplo, à transferência do controle acionário da empresa. As ações
estão pulverizadas entre diversos acionistas, entre eles, os nacionais
BNDES Participações (com 5,4%) e o fundo de pensão do Banco do Brasil, a
Previ (4,8%); além dos internacionais Brandes Investments Partners
(15%), Mondrian Investments Partners (10%) e Blackrock (5%).
Para Oliver Stuenkel, professor de relações internacionais da FGV,
poucos governos no mundo abririam mão de uma empresa como a Embraer que
tem grande importância estratégica e que produz aviões militares.
"Quando outra nação compra aviões militares da empresa, isso
automaticamente tem uma conotação geopolítica importante e implica numa
parceria de longo prazo com Brasília. Por exemplo, quando os EUA vendem
caças, eles podem, num conflito, cortar o envio de peças, o que gera uma
situação de dependência”, comenta.
Com a posição negativa do governo federal de a Embraer se tornar uma
subsidiária da Boeing, a americana teve que fazer uma nova proposta.
Especula-se que gigante queira criar uma nova empresa, que abarcaria
toda a área de aviação comercial da brasileira, e controlaria de 80% a
90% das ações. Além de ter a participação minoritária da nova companhia,
a Embraer manteria a área de defesa, uma das exigências de Brasília,
que quer manter o setor sob controle nacional.
Influência das Forças Armadas
Para Ferreira, a Embraer terá muitas dificuldades se a Boeing ficar
com a área de jatos comerciais e a parte de defesa permanecer com a
brasileira, já que este último setor não se sustenta sozinho. Como
exemplo, o especialista em indústria aeroespacial cita as grandes
empresas – como Airbus e Boeing – que desenvolvem e fabricam aviões
civis e militares, além de sistemas de defesa e radares, para ganhar
escala.
"A área de defesa traz novas tecnologias. Já a comercial gera escala e
rentabilidade. Se eu vender uma parte, a outra não se manterá a longo
prazo”, sublinha Ferreira. "E a venda do controle não é vantajosa, pois a
Embraer deixaria de existir como empresa global e seria se
transformaria numa subsidiária, o centro de decisões iria para o
exterior. E isso poderá afetar principalmente a parte de desenvolvimento
de aviões, que possivelmente seria absorvida pela Boeing.”
Como alternativa à sua venda e à criação de uma terceira empresa, a
Embraer poderia fazer uma aliança estratégica que não envolva o controle
da empresa. E, como líder mundial no segmento de jatos regionais, a
brasileira teria cacife para isso. Como exemplo, o Brasil fechou a
compra de 36 caças Gripen NG, da sueca Saab, e 15 deles serão fabricados
no Brasil pela Embraer como parte do processo de transferência de
tecnologia previsto no contrato.
"Se a Embraer não conseguir fechar um acordo com a Boeing, ela até
mesmo poderá perder mercado e, sem dúvida, terá uma concorrência maior
para enfrentar, principalmente se a americana entrar no segmento de
jatos regionais sozinha”, explica Ferreira. "Mas nada impede a
brasileira de fazer acordos com outras empresas. Afinal, se ela tem
ativos tão bons aos olhos da Boeing, por que não fechar uma aliança com
as condições dela com outras companhias?”
Já Stuenkel lembra que muitos detalhes ainda precisam ser alinhados.
Como se trata de um setor com grande importância política e a empresa
tem uma importância econômica e no imaginário brasileiro, o governo
brasileiro poderá bloquear a transação.
"Acho difícil ter um acordo antes das eleições, pois ele seria
explorado pela oposição. Além disso, a concretização do negócio não
depende só de Temer, mas das Forças Armadas que podem bloquear uma
possível união”, opina.
por Deutsche Welle
—Via Carta Capital
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