A União é responsável pela morte do tenente aviador Alexandro Bosco Prado, que desapareceu no litoral cearense após um acidente aéreo no dia 4 de julho de 2000. O xavante AT-26 prefixo 4626 que ele pilotava caiu no mar a 25 quilômetros da costa, durante uma missão de treinamento do 1º Esquadrão “Pacau” do 4º Grupo de Aviação (1º/4º GAv), sediado na Base Aérea de Fortaleza. A aeronave e o corpo do piloto jamais foram encontrados.
A condenação transitou em julgado no Supremo Tribunal Federal (STF) na última sexta-feira (16). O ministro Edson Fachin rejeitou um recurso extraordinário em que a Advocacia Geral da União (AGU) tentava anular uma sentença do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), em Recife. Como a AGU não recorreu da decisão de Fachin, fica mantido o acórdão do TRF-5, que em 2010 condenou a União a indenizar em R$ 150 mil a viúva do segundo tenente, a arquiteta Adriana Prado. Não há previsão de quando a indenização por danos morais será paga.

O relator do caso no TRF-5 foi o desembargador federal Francisco Wildo, hoje aposentado. Ele entendeu que a morte de Alexandro Prado “se deu por falta de manutenção da aeronave”, que perdeu uma das asas em pleno voo. “Ao executar procedimento de curva, a asa esquerda da referida aeronave veio a desprender-se, fazendo com que o avião, descontrolado, começasse a cair em direção ao mar”, afirmou Wildo na sentença. A decisão da Justiça confirma reportagens publicadas pelo O POVO na época do acidente. A partir de entrevistas com fontes da Força Aérea Brasileira (FAB), o jornal antecipou com exclusividade que a queda do xavante havia sido provocada por falha de manutenção e perda da asa esquerda. Uma série de matérias sobre acidentes aéreos militares no Brasil, escritas por mim e pelos jornalistas Demitri Túlio e Cláudio Ribeiro, venceu o Prêmio Esso de Jornalismo — Região Nordeste, em 2000. Durante o processo, a AGU contestou a tese de falha de manutenção do xavante. Para os advogados da União, “a aeronave estava com suas inspeções em dia” e a morte de Alexandro Prado “foi ocasionada exclusivamente pelo fato de que o piloto descumpriu a ordem de ejetar-se”. A AGU tentou reduzir o valor da indenização, com o argumento de que a Administração Pública não contribuiu para o acidente. Mas a alegação não convenceu o TRF-5: para o desembargador Francisco Wildo, “não houve imprudência ou imperícia dos pilotos envolvidos”.

A viúva de Alexandro Prado pedia inicialmente uma indenização de R$ 1,5 milhão por danos morais. Mas o TRF-5 fixou a reparação em 10% desse valor. O tribunal entendeu que é preciso compensar a viúva “pelas imensuráveis sequelas provocadas pela morte abrupta de seu jovem esposo e pela presumida dor e privação decorrente da perda de seu companheiro”. O piloto morreu aos 24 anos. Adriana Prado estava casada com o militar havia sete meses e tinha 25 anos quando ficou viúva. Após o desastre, ela apresentou quadro de depressão, sofreu paralisia provisória do lado esquerdo do corpo e abandonou temporariamente a faculdade de Arquitetura.

INFORMAÇÕES SECRETAS

1. O tenente André Schineider disse em depoimento que “observou muitos fragmentos ao redor do avião pilotado pelo tenente Alexandro Prado” durante a manobra de curva à esquerda. Em seguida, Schineider relata, “viu nitidamente que a asa esquerda tinha se desprendido da aeronave”. 

2. No momento do acidente, o tenente Ricardo Beviláqua estava no controle do xavante 4626. No assento traseiro da aeronave, ele “sentiu o avião afundar bruscamente” quando iniciou a curva à esquerda. Antes de puxar a alavanca do assento ejetor, Beviláqua “comandou a ejeção do tenente Prado cerca de oito vezes pelo interfone da aeronave”. 3. O avião começou a girar em parafuso em direção ao mar: despencou cerca de 2 mil metros em poucos segundos. No meio dos destroços que se soltavam do xavante, o tenente Alan Knoll, piloto da aeronave “dois”, “reconheceu algo branco, que poderia ser o paraquedas” de Alexandro Prado. Mas percebeu que havia algo de errado com o colega do 4626. “Notou que ele (Prado) estava inconsciente, por não ter inflado as boias” e “viu o paraquedas começar a afundar junto com o piloto”.
4. O capitão Fábio Faria estava no mesmo avião do tenente Alan Knoll. O comandante do treinamento disse que a aeronave deles “quase colidiu com alguns destroços do FAB 4626 que ainda estavam no ar”. No entanto, nenhum dos pilotos viu o local ou o momento exatos em que o xavante caiu no mar. 5. Quem comandou a sindicância da Base Aérea de Fortaleza foi o tenente Thomas Ahrens, que também participava da missão de treinamento 11FT59. Ele afirma que, nas condições em que se encontrava, o tenente Alexandro Prado “conseguiria sobreviver apenas três dias”. 6. Thomas Ahrens presume que o colega está morto porque no lugar do acidente, a 25 quilômetros da costa, “não há acidentes geográficos como ilhas ou arrecifes”. “Não havendo assim possibilidade de o referido oficial ter logrado êxito na tentativa de sobrevivência a nado”. O responsável pela sindicância conclui que o acidente com o xavante 4626 “não apresentou indícios de crime ou contravenção, transgressão disciplinar e nem tampouco indisciplina de voo”. Thomas Ahrens recomendou o arquivamento da investigação. (DA)  

Por DANTE ACCIOLY DE BRASÍLIA - Especial para O POVO

 
Documentos quebram sigilo de quase duas décadas
O processo movido pela arquiteta Adriana Prado contra a União revela detalhes de uma história que o Comando da Aeronáutica tenta manter em segredo há 18 anos. A ação de indenização por danos morais agora aguarda execução na Justiça Federal do Rio Grande do Norte, em Natal. Uma das peças incluídas nos autos nº 2005.84.00.006293-5 é a sindicância 003/2000-C, instaurada pela Base Aérea de Fortaleza 13 dias após o acidente. As 37 páginas do documento estão carimbadas com o selo de “CONFIDENCIAL”. A sindicância reúne papéis sigilosos sobre a rotina do Esquadrão “Pacau” e depoimentos de oficiais que participaram do treinamento na manhã de 4 de julho de 2000. 

Os aviões do 1º/4º GAv eram divididos em grupos identificados pelos naipes do baralho: Paus, Ouros, Copas e Espadas. Os três xavantes escalados para a missão de combate 11FT59, prevista no Programa de Instrução e Manutenção Operacional, pertenciam à esquadrilha de Paus. O exercício fazia parte da “Fase de Combate Aéreo”. A ordem de instrução do Esquadrão “Pacau” previa objetivos para a missão: preparar os jovens aviadores para “utilizar a aeronave AT-26 em manobras de combate”; “aperfeiçoar o emprego das táticas e técnicas ofensivas e defensivas em oposição a um inimigo isolado” e “exercer a liderança”.

Alexandro Prado era o primeiro piloto do avião “ás” e tinha como segundo piloto o tenente Ricardo Beviláqua. Na aeronave “dois”, estavam o comandante do treinamento, capitão Fábio Farias, e o tenente Alan Knoll. Na aeronave “três”, os tenentes André Schineider e Thomas Ahrens. A escala de voo daquele dia previa a decolagem do xavante 4626 às 8h15. O tenente Ricardo Beviláqua tinha outra missão marcada para o mesmo dia, às 12h15. Alexandro Prado permaneceria em solo após a atividade da manhã.

A partir do depoimento dos militares, a sindicância reconstituiu a dinâmica do acidente. “Quando era executado o procedimento de curva à esquerda, a aproximadamente a 5 mil metros de altitude, foram observados pelos pilotos das duas outras aeronaves vários fragmentos no ar. Logo em seguida, viram a asa esquerda desprender-se, e o avião começar a girar em direção ao mar”.

Depois que a asa se soltou do xavante 4626, o comandante da missão, capitão Fábio Farias, determinou via rádio que os tenentes Alexandro Prado e Ricardo Beviláqua ejetassem da aeronave. De acordo com a sindicância, o segundo piloto ejetou-se rapidamente, acionou as boias de flutuação e foi resgatado com vida após três horas e meia no mar. Sem apontar um motivo, a investigação destaca que o tenente Alexandro Prado “ejetou-se bem depois”.  
Por DANTE ACCIOLY DE BRASÍLIA - Especial para O POVO




Para Cenipa, morte foi "culpa exclusiva da vítima"
O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) jamais divulgou o relatório final sobre as causas do acidente com o xavante 4626 no litoral cearense. Mas uma Informação Jurídica emitida pelo próprio órgão em 2005 classifica a perda da asa da aeronave como “uma fatalidade” e sugere que a morte do tenente Alexandro Prado ocorreu por “culpa exclusiva da vítima”. 

O documento foi enviado à Advocacia Geral da União (AGU) em setembro de 2005 pelo chefe do Cenipa, coronel Mauro Teixeira. A AGU incluiu a Informação Jurídica no processo movido em Natal (RN) pela viúva do tenente Alexandro Prado, a arquiteta Adriana Prado. O documento de 13 páginas foi usado para “subsidiar a defesa da União”. 

A Informação Jurídica confirma que “a asa esquerda da aeronave soltou-se em voo, provocando uma imediata perda de controle”. O documento menciona ainda que o tenente Ricardo Beviláqua ejetou sobre mar a uma atitude de 3.500 metros, enquanto o tenente Alexandro Prado abandonou a aeronave a 1.800 metros.

Embora reconheça uma “falha da aeronave provocou a soltura da asa”, o Cenipa argumenta que “o evento morte não foi uma consequência direta do problema na asa”. “Se o piloto (Alexandro Prado) tivesse ejetado no momento em que recebeu a ordem para ejeção ainda estaria vivo, a exemplo do co-piloto (Ricardo Beviláqua)”, registra o documento.

A Informação Jurídica lembra que o comandante da missão de treinamento, capitão Fábio Farias, determinou a ejeção dos pilotos quando percebeu o problema na asa do xavante. Ressalta ainda que Beviláqua “comandou oito vezes a ejeção do tenente Prado pelo interfone da aeronave”. O Cenipa sugere duas hipóteses para explicar a decisão do piloto de só abandonar o xavante a 1.800 metros de altitude: “uma possível análise incorreta da situação da aeronave” ou “a tentativa de controlá-la”. “A opção por querer permanecer na aeronave e tentar controlá-la, em detrimento da ordem do instrutor, foi determinante para a ocorrência do falecimento”.

De acordo com a Informação Jurídica, a ejeção de Alexandro Prado se deu “à baixa altura e na ordem inversa em que deveria ter ocorrido”. “A sequência correta para a ejeção seria, no primeiro momento a saída do piloto (Prado) e, em seguida, a saída do co-piloto (Beviláqua). Isso ocasionaria uma ruptura completa do ‘canopy’ (cobertura do cockpit do avião), prevenindo a ocorrência de lesões nos pilotos por ocasião da ejeção”, conclui o documento.

O Cenipa dedica apenas um parágrafo à analise das condições do xavante 4626. De acordo com o órgão, a aeronave fabricada pela Embraer “estava com as inspeções em dia, tendo sido consideradas periódicas”. E conclui: “o fato de a asa ter se desprendido da aeronave foi uma fatalidade que não pode ser melhor investigada em virtude de que a aeronave e seus componentes não foram encontrados, tendo submergido no mar”.


A Consultoria Jurídica do Cenipa deduz que não há “relação de causalidade entre o dano sofrido (morte do piloto) e o acidente (queda do avião)” e sugere que a União não poderia ser responsabilizada civilmente pela morte do tenente Alexandro Prado. Sobre o pedido de indenização feito à Justiça pela arquiteta Adriana Prado, o Cenipa opina que “não há que se falar em danos morais”. “O militar falecido não deixou filhos, e a viúva é bastante jovem, com ampla possibilidade de trabalhar e recomeçar sua vida”, sugere o documento.
Por DANTE ACCIOLY DE BRASÍLIA - Especial para O POVO
 


"Finalmente, ele foi inocentado", desabafa viúva do piloto
A arquiteta Adriana Prado comentou ontem a decisão da Justiça, que condenou a União pela morte do marido dela, o tenente aviador Alexandro Prado. Para a viúva do piloto, o desfecho da ação foi “uma grata surpresa”. “Não tem um dia sequer que eu não pense nele (Alexandro Prado) e em como tudo isso mudou minha vida. Alguma ‘justiça’ foi feita. Não repara nada, mas acho que, de onde ele estiver, deve sentir que finalmente foi inocentado publicamente”, afirmou.

A advogada de Adriana Prado, Celimari Freire Castim, criticou a “morosidade do Judiciário”, que levou mais de uma década para julgar o processo. Ela explica que a viúva do militar ainda vai ter que esperar para receber os R$ 150 mil de danos morais. “Infelizmente, Adriana ainda não poderá receber os valores da indenização, pois necessitará executar a decisão, o que levará mais alguns anos”, afirmou. 

Celimari Freire Castim destaca, no entanto, que a sentença “traz um certo alento”. “Mesmo que tardia, a decisão representa o reconhecimento de que o acidente não ocorreu por falha do piloto, e sim em razão da manutenção falha da aeronave, já que parte da asa se partiu em pleno voo”, disse.
Por DANTE ACCIOLY DE BRASÍLIA - Especial para O POVO



Comando da Aeronáutica mantém em sigilo relatório final do Cenipa
 O Comando da Aeronáutica se recusa a divulgar o relatório final sobre os fatores que podem ter contribuído para a queda do xavante 4626. O Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), que apura as causas de todos os acidentes aéreos civis e militares no Brasil, é vinculado ao Ministério da Defesa.

Em novembro de 2013, a reportagem do O POVO buscou obter uma cópia do relatório final do Cenipa por meio da Lei de Acesso à Informação, que havia entrado em vigor no ano anterior. O pedido foi negado. Na reposta ao requerimento, o Comando da Aeronáutica argumentou que os relatórios finais de investigação de acidentes com aeronaves militares possuem caráter reservado. “Tornar público o teor dos relatórios pode comprometer a segurança nacional, assim como expor a operação estratégica da Força Aérea Brasileira”. 

O Comando da Aeronáutica salienta ainda que a divulgação do relatório poderia expor “atividades operacionais, estruturais e estratégicas” da FAB, assim como tornar públicas “ferramentas de guerra, transporte e arsenal”. De acordo com o órgão, essas informações “podem comprometer, de forma indelével, a defesa e segurança da nação”.

Os relatórios produzidos pelo Cenipa não têm finalidade punitiva. Servem para identificar fatores contribuintes e evitar novos acidentes.
Por DANTE ACCIOLY DE BRASÍLIA - Especial para O POVO