A guerra na Ucrânia, os drones no Mar Vermelho e a saturação das defesas antiaéreas mostraram algo bem claro: aviões de combate tripulados, caros e dependentes de pistas gigantes, não dão mais conta sozinhos.

É nesse cenário que entra uma nova geração de vetores: caças-drones “loyal wingman” (ala fiel) e, mais recentemente, jatos de combate VTOL autônomos, capazes de decolar de navios pequenos, ilhas e bases improvisadas.

Os Estados Unidos aparecem com o X-BAT, da Shield AI. A China responde com drones VTOL a jato e o FH-97A como “líder de enxame” para o J-20. A Rússia aposta em UCAVs pesados como o S-70 Okhotnik-B e o Grom.

Abaixo, um panorama dessas aeronaves para situar essa corrida tecnológica.

1. X-BAT – o “caça VTOL” da Shield AI

A Shield AI, já conhecida pelo V-BAT (drone VTOL de hélice, em uso pela US Navy), deu um salto em 2025 ao revelar o X-BAT, apresentado oficialmente como um “AI-piloted VTOL fighter jet for contested environments” – um caça a jato não tripulado, de decolagem vertical, pensado para operar em ambientes altamente contestados. (Shield AI)

Conceito geral

Segundo a própria empresa e matérias especializadas, o X-BAT é: (Breaking Defense)

  • Um UAV de grande porte (Grupo 5 NATO), com dimensões comparáveis a um caça leve.
  • Propulsado por um motor a jato classe F-16, com performance de caça subsônico de alta energia.
  • Capaz de decolar e pousar verticalmente por meio de um sistema de empuxo vetorado, sem necessidade de catapulta ou ski-jump.
  • Projetado para operar como “loyal wingman” de caças tripulados ou como vetor autônomo independente.

A Shield AI fala em alcance acima de 2.000 milhas náuticas (cerca de 3.700 km), teto operacional próximo de 50.000 pés e envelope de manobra que permitiria empregar armamento ar-ar e ar-solo com razoável agressividade. (Breaking Defense)

Armamento e carga útil

O X-BAT foi desenhado com:

  • Baia interna de armamentos, para reduzir assinatura radar.
  • Pontos externos para mísseis e cargas volumosas (por exemplo, mísseis de cruzeiro ou pods de guerra eletrônica).
  • Capacidade de levar mísseis ar-ar AIM-120 e bombas guiadas, segundo análises técnicas do conceito. (Inside Unmanned Systems)

A filosofia é clara: um drone com “punch” de caça, capaz tanto de limpar o caminho (SEAD/DEAD, ataques contra radar e SAM) quanto de atuar em combate ar-ar BVR ao lado ou à frente de caças tripulados.

Hivemind: o cérebro autônomo

O coração do sistema é o Hivemind, suíte de IA da Shield AI. A promessa é que o X-BAT consiga: (Shield AI)

  • Voar e combater sem GPS, em ambiente de guerra eletrônica intensa.
  • Dispensar link de dados contínuo com operadores – ou seja, receber a missão, planejar rotas, reagir a ameaças e engajar alvos de forma autônoma.
  • Operar em time com outros X-BATs e com aeronaves tripuladas, compartilhando taticamente a carga de trabalho.

Em termos doutrinários, isso aponta para enxames de caças-drones sendo comandados por poucos pilotos humanos, ou até por um centro de operações remoto.

Onde o X-BAT quer operar

Um dos pontos mais interessantes do conceito é o emprego sem pista:

  • De navios de pequeno e médio porte (inclusive navios adaptados, como porta-contêineres modificados).
  • De ilhas, estradas, plataformas e bases rudimentares.
  • De veículos terrestres rebocados, com o drone em posição vertical pronto para lançar em poucos minutos. (Inside Unmanned Systems)

A Shield AI vende essa ideia como “airpower without runways”, criando múltiplos pontos de dispersão que complicam o planejamento inimigo de ataques de saturação. (Inside Unmanned Systems)

Status do programa

Hoje, o X-BAT é um programa em desenvolvimento:

  • A empresa declara cerca de 1,5 ano de desenvolvimento até aqui.
  • Testes em solo e validação de airframe/propulsão já foram realizados.
  • Previsão divulgada para o primeiro voo VTOL está por volta de 2026, com capacidade plena estimada para 2028, se tudo correr bem.

Ou seja, é real, mas ainda na fase de protótipo e demonstrações.

 

2. O VTOL a jato chinês: “todo navio vira porta-aviões”

Enquanto os EUA ensaiam o X-BAT, a China vem testando um conceito que, em filosofia, lembra bastante a mesma ideia: um drone a jato VTOL de alta velocidade, pensado para operar de praticamente qualquer navio.

Trabalhos divulgados por pesquisadores da Beihang University descrevem um UAV que: (South China Morning Post)

  • Usa um turbofan para o voo de cruzeiro em alta velocidade.
  • Dispõe de módulos de sustentação vertical (rotores ou fans) para decolagem e pouso.
  • Foi testado em protótipo de cerca de 45 kg, atingindo velocidades na casa de 230 km/h, com transição suave entre modo VTOL e voo horizontal.

As reportagens resumem o objetivo em uma frase midiática: “transformar qualquer destroyer, fragata ou navio anfíbio em um pequeno porta-aviões”, com drones a jato decolando e pousando em conveses menores, inclusive com mar agitado. (South China Morning Post)

Pelos dados disponíveis, o foco inicial parece ser ISR, guerra eletrônica e eventualmente ataques de precisão, mais do que um “caça” puro-sangue. Mas, em termos de conceito – jato VTOL naval, runway-independent – a China já colocou um pé nesse terreno.

3. FH-97A – o “loyal wingman” chinês para o J-20

No campo dos “loyal wingmen” tradicionais (sem VTOL), a China também se movimenta com o Feihong FH-97A.

Perfil da aeronave

Desenvolvido pela Aerospace Times Feihong, o FH-97A é descrito como um UCAV de baixa observabilidade, pensado para: (Wikipedia)

  • Voar em conjunto com caças furtivos J-20 e futuros J-35.
  • Cumprir supressão de defesas aéreas (SEAD), ataque ao solo, guerra eletrônica e reconhecimento.
  • Voar à frente da formação tripulada, absorvendo os primeiros disparos inimigos e alimentando a consciência situacional.

O FH-97A tem:

  • Baia interna de armas para manter o perfil stealth.
  • Capacidade de carregar até oito mísseis ar-ar ou loitering munitions.
  • Potencial para atuar como líder de enxame, comandando drones menores.

Algumas fontes mencionam lançamento por catapulta, inclusive em porta-aviões, bem como o uso de boosters para takeoff sem pista longa, embora não se trate de uma aeronave VTOL. (Wikipedia)

Na prática, ele joga no mesmo campeonato de conceitos como XQ-58 Valkyrie (EUA) e MQ-28 Ghost Bat (Austrália/Boeing), com foco em acompanhar caças tripulados em missões de alto risco.

4. Rússia: S-70 Okhotnik-B e Grom

A Rússia, por sua vez, segue outra linha: UCAVs pesados e runway-dependent, porém com foco claro no conceito de ala fiel.

S-70 Okhotnik-B

O Sukhoi S-70 Okhotnik-B é provavelmente o UCAV russo mais conhecido: (Wikipedia)

  • Configuração de asa voadora furtiva, lembrando em linhas gerais o B-2.
  • Peso na casa das 20 toneladas, envergadura de cerca de 20 metros.
  • Velocidade próxima de 1.000 km/h e raio de combate estimado em 4.000 km.
  • Capacidade de levar armamentos internamente, incluindo bombas guiadas e mísseis de cruzeiro.
  • Missões previstas: reconhecimento, interferência eletrônica e ataque, inclusive em conjunto com o Su-57 (já houve voos combinados em teste).

Notícias mais recentes apontam para o emprego do Okhotnik inclusive em cenários ligados à guerra da Ucrânia, com todos os riscos de teste em combate real. (ElHuffPost)

É um vetor claramente pensado para substituir ou complementar bombardeiros táticos e caças pesados em missões de alto risco, mas sempre dependente de pista.

Grom / Grom-U

Outro projeto russo é o Grom, da Kronstadt: (Aviation Week)

  • Apresentado como “loyal wingman” para escoltar Su-35 e Su-57.
  • Desenvolvido inicialmente com foco em ataques contra sistemas de defesa aérea inimigos (SEAD/DEAD).
  • A variante mais recente, Grom-U, teria abandonado parte da filosofia stealth em troca de maior velocidade e flexibilidade de armamentos.

Apesar do discurso russo sobre IA, documentos e folhetos técnicos indicam um nível de autonomia ainda limitado, com forte dependência de controle em solo. (AeroTime)

Assim como o Okhotnik, o Grom não é VTOL; continua preso à lógica clássica de bases aéreas e pistas adequadas.

 

5. Três filosofias, um mesmo destino

Colocando tudo isso lado a lado:

Estados Unidos (X-BAT e programas CCA)

  • Foco em dispersão: caças-drones que não precisam de pista, operando de navios menores, estradas, ilhas.
  • Ênfase em IA avançada (Hivemind) e capacidade de operar com pouca ou nenhuma intervenção humana em ambientes “denied”. (Shield AI)
  • Filosofia de “camadas” de drones: desde pequenos quadricópteros até grandes caças VTOL, criando saturação de alvos e aumentando o custo de cada engajamento para o inimigo. (Fast Company)

China (VTOL naval + FH-97A)

  • De um lado, o VTOL a jato que transforma qualquer navio em mini porta-aviões – ideal para ganhar profundidade no Pacífico Ocidental. (South China Morning Post)
  • De outro, o FH-97A como ala fiel stealth para o J-20, com capacidade de comandar enxames de drones menores e ampliar o alcance letal da força de caça chinesa. (Wikipedia)
  • A combinação sugere uma estratégia de negação de área em várias camadas, com drones baseados tanto em terra quanto em mar.

Rússia (Okhotnik e Grom)

  • Aposta em poucos vetores pesados, com grande raio de ação, pensados para operar junto à frota limitada de caças de 5ª geração.
  • Depende de bases aéreas e infraestrutura tradicional.
  • A integração de IA e operações realmente autônomas ainda parece mais aspiração do que realidade no curto prazo. (AeroTime)

 

6. O que isso tudo muda na prática?

Se esses programas chegarem à maturidade, o cenário de médio prazo pode ser algo assim:

  1. Caças tripulados cada vez mais “nobres” e raros, usados como “quarterbacks” – coordenadores táticos de formações cheias de drones.
  2. Caças-drones VTOL (como o X-BAT e seus futuros equivalentes) operando de:
    • navios de apoio,
    • navios mercantes militarizados,
    • ilhas avançadas,
    • bases improvisadas próximas à linha de frente.
  3. Enxames e formações mistas homem-máquina entrando primeiro no espaço aéreo contestado, absorvendo firepower inimigo e atacando sensores, radares e nós de comando.
  4. Ciclo de vida mais curto dos vetores: em vez de manter um caça por 40 anos, como um F-16, a lógica tende a ser de plataformas mais “descartáveis”, focadas em 10–15 anos de uso intensivo, como já se comenta no X-BAT. (Inside Unmanned Systems)

Para quem olha de fora, parece ficção científica. Para quem acompanha os programas de CCA, é só a próxima etapa da evolução.

Conclusão

O X-BAT simboliza um passo além do simples “drone de ataque”: ele leva o conceito de caça-drone autônomo, VTOL e runway-independent para o centro do debate. A China já se mexe com seu VTOL a jato naval e o FH-97A, enquanto a Rússia insiste nos seus UCAVs pesados Okhotnik e Grom.

A grande pergunta não é mais se veremos esses vetores em operação, mas quando eles serão produzidos em massa e quem vai conseguir integrar melhor homem, máquina e doutrina. Nos próximos 5 a 10 anos, é bem possível que as asas de combate do mundo passem a ter mais “robôs” do que pilotos humanos na linha de frente.

 

Referências