Esqueça Dilma, o papa Francisco e o chinês Xi Jinping. A discussão que dominará os debates da septuagésima sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas que começam na semana que vem em Nova York diz respeito à Síria. Mais especificamente, ao que fazer para deter o avanço do Estado Islâmico (EI) sobre a região. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, reforçou a presença militar russa no enclave que mantém o ditador Bashar Al-Assad e tentará, na segunda-feira, convencer o presidente americano, Barack Obama, de que a intervenção miltar em apoio a Assad é a melhor forma de combater o EI. Não se sabe qual será a resposta ou a reação de Obama.

Desde que a Rússia abrigou Edward Snowden, o ex-prestador de serviços da Agência Nacional de Segurança (NSA) que vazou dados a respeito dos programas de espionagem americano, não há um encontro oficial agendado entre Putin e Obama. O último foi na Irlanda do Norte, em 2013 (foto). A ofensiva Rússia na Ucrânia e a posterior anexação da Crimeia contribuíram para estremecer ainda mais as relações russo-americanas. Mas o combate ao EI põe os dois novamente do mesmo lado. Obama sabe que, sem Putin, não será possível formular qualquer resposta à gravíssima situação na Síria, por isso aceitou recebê-lo. Daí a importância da reunião de segunda-feira.

“Não há outra solução para a crise síria, que não seja o reforço da estruturas existentes de governo e a ajuda para que elas combatam o terrorismo”, afirmou Putin em entrevista ao programa de TV “60 minutes”, da CBS. “Mas, ao mesmo tempo, devemos engajá-las em um diálogo positivo com a oposição racional e conduzir reformas.” O significado dessa declaração ambígua, de acordo com diplomatas ouvidos pelo jornal The New York Times, é que Putin está em princípio disposto a aceitar a saída de Assad do poder, desde que possa manter sua influência e seu poderio militar na região. A Rússia tem  apoiado a Síria desde que o Baath, partido do pai de Assad, Hafez, assumiu o poder num golpe em 1963. Hafez deu um segundo golpe em 1970 e ampliou ainda mais esses laços.

A atitude de Obama em relação à Síria tem sido um desastre militar e humanitário, como já descrevi aqui. “Raramente um presidente americano abandonou sua responsabilidade de forma tão abjeta”, escreveu em editorial a respeito a revista britânica The Economist. Mas uma aliança com Putin – mesmo com a improvável derrubada de Assad – será difícil de engolir para o governo americano.

Analistas sustentam que Putin decidiu reforçar suas bases na Síria apenas para criar mais um problema, depois ceder em troca de alívio às sanções econômicas e de manter seus interesses intactos na Ucrânia. “Um regime de sanções prolongado, ao estilo do Irã, prejudicaria seriamente as perspectivas russas de desenvolvimento de longo prazo, que acabariam por se manifestar na política interna”, afirma Ben Aris na Business News Network.

O dilema de Obama é ainda mais complexo. Está descartada uma intervenção de grande escala, no estilo Iraque e Afeganistão. Também está fora de cogitação uma coalizão semelhante à que derrubou o tirano líbio Muammar Khaddafi, depois brutalmente assassinado num país hoje retalhado entre vários grupos, entre eles o próprio EI. A tentativa canhestra dos americanos de financiar rebeldes “sunitas moderados” na Síria esbarrou na força incontornável dos vários grupos jihadistas, sobretudo o Jihat al-Nusra (ainda ligado à al-Qaeda) e o EI. “Os Estados Unidos devem parar de insistir na derrubada de Assad e ouvir com atenção as outras potências com interesses nos desdobramentos, inclusive a Rússia”, afirma o especialista em política internacional Stephen Walt, da Universidade Harvard, na Foreign Policy.
A política, diz Walt, é a arte do possível. A verdade é que os erros cometidos na região, sobretudo pelo governo Obama como reação à guerra na Síria, transformaram um problema que já era incrivelmente difícil noutro talvez impossível de resolver – pelo menos em prazo curto. É imperativo fazer algo. O custo da inação certamente será maior, em vidas e para o futuro da região. “Talvez o maior obstáculo seja o próprio Obama", diz a Economist. "Neste momento, seu legado registrará não apenas a reaproximação com Irã e Cuba, mas também a consolidação de um califado jihadista e incontáveis refugiados."


Do G1