Quando decidiu ir à 2ª Guerra Mundial, o Brasil não conhecia as dificuldades que iria enfrentar. Não apenas à frente dos campos de batalha, mas já a partir da organização de seus contingentes – marcados pelas precárias condições de saúde e sociais de grande parte da tropa.
Relatórios secretos dos generais João Batista Mascarenhas de Morais e Eurico Gaspar Dutra, obtidos pelo Correio, mostram a realidade do país entre 1942 e 1945, além do cotidiano dos nossos combatentes. Nos documentos, Mascarenhas de Morais, comandante da Força Expedicionária Brasileira (FEB), relata a principal dificuldade enfrentada para tomar o Monte Castelo, um episódio que quase dizimou as tropas brasileiras, mas que acabou tornando-se um dos principais feitos da FEB na Itália.
A 148ª Divisão Alemã se entregou aos Brasileiros na Itália (acima)
Além disso, os relatórios mostram outro triunfo dos combatentes da FEB, que foi a rendição de 15 mil alemães, inclusive dois generais inimigos. O pracinha brasileiro, que saiu desacreditado do país, lutou como herói, mas teve que enfrentar as intempéries da Europa.Enquanto os soldados lutavam na Itália, a situação política interna era grave. Dutra, então ministro da Guerra, apresentou ao presidente Getúlio Vargas o retrato sombrio do país, destacando a reação da população em torno dos problemas causados pelo conflito. Os principais fatos do período serão mostrados na série de reportagens que começa hoje e termina na quinta-feira, com uma apresentação da atual situação de quase abandono dos heróis brasileiros da 2ª Guerra Mundial .
Pouco mais de 5 mil homens estão reunidos e esperando o momento de embarcar para Nápoles. Ali está o perfil do brasileiro da época. Pelo menos, o da classe baixa. Pessoas pobres, com capacidade física precária, vindas de todas as regiões do país. E foi com esse contingente que o Brasil realizou seus principais feitos na Itália: a tomada de Monte Castelo e a prisão de 15 mil alemães, incluindo dois generais. Os relatórios secretos da guerra obtidos pelo Correio mostram que o país não estava preparado para a batalha.
Mesmo com uma população de 42 milhões de habitantes na época, o Brasil teve grandes dificuldades para recrutar o primeiro grupo que iria desembarcar na Europa.
Precisou abrir mão de exigências sobre o perfil do efetivo ideal e amargou dificuldades ao preparar esses homens para enfrentar as tropas alemãs e italianas. Mas os relatos feitos pelo comandante da Força Expedicionária Brasileira (FEB), general João Batista Mascarenhas de Morais, ressaltam que as dúvidas sobre o potencial combativo desses homens foram aos poucos sendo dissipados pela brava atuação em combate.
Para ir à guerra, segundo os relatórios, os soldados não poderiam ter pés chatos, sofrer de doenças venéreas, de problemas pulmonares e cardíacos e precisavam possuir pelo menos seis pares de dentes articulados.
As dificuldades para selecionar homens com o perfil ideal ocorriam em todas as regiões do país, segundo Mascarenhas de Morais. Ele observou que, para alcançar um número mínimo de recrutados para a guerra, foi necessário abrir mão de algumas exigências.
Cruzador Bahia - Acima: Durante a 2ª Guerra Mundial, realizou missões de patrulhamento no
Atlântico Sul e participou de diversos comboios dos cargueiros aliados.
No dia 04 de julho de 1945, o navio zarpou em patrulha e foi ordenada a
realização de exercícios de tiro com suas metralhadoras antiaéreas.
Para isso, o Bahia lançou ao mar um alvo flutuante, iniciando uma
sequência de disparos. Uma explosão atingiu o navio, provavelmente por
um erro de cálculo que derivou em tiros sobre as cargas de profundidade
alojadas na popa. A violenta explosão ocorreu quando o navio estava
próximo aos Rochedos de São Pedro e São Paulo. Na catástrofe, perderam a
vida o seu comandante, Capitão-de-Fragata Garcia D’Ávila Pires de
Albuquerque e mais 339 dos 372 homens que estavam a bordo, inclusive 4
marinheiros americanos. Em 8 de julho, foram salvos apenas 36
tripulantes por um navio mercante inglês.
“Estabelecendo as condições mínimas a satisfazer para integrar a FEB, diversas juntas de inspeção, em todas as regiões interessadas, começaram seu penoso trabalho, constatando-se desde logo, as maiores decepções, pela massa de homens, oficiais e praças que nem sequer se classificavam na categoria de ‘normais’ (a classificação exigida inicialmente era chamada de ‘especial’, com aptidões físicas excelentes, ficando os ‘normais’ impedidos de participar da guerra)”, descreveu o comandante.
No centro da foto o General Mascarenhas de Morais
Em seu relatório secreto, Mascarenhas de Morais mostrou, por exemplo, que em São João Del Rey (MG), apenas um capitão, um sargento e um soldado conseguiram a classificação “especial”, a exigida para compor a FEB. “O mesmo descalabro se assinalava em todas as outras unidades. Tão calamitosa apresentou-se a situação que a diretoria de saúde recebeu instruções para admitir, também, os homens da categoria ‘normal’”, escreveu o general. Até a exigência de homens com dente perfeitos, conforme a determinação norte-americana, foi reduzida.
“Na organização dos três primeiros escalões que formaram o grosso da nossa 1ª DIE, não levamos em consideração a insuficiência dentária, porquanto não podíamos exigir muito, nesse sentido, da nossa gente, sabido que somente as pessoas de algum recurso, nos grandes centros, tratam dos dentes”, afirmou o então ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, em um outro relatório enviado ao presidente Getúlio Vargas, em 1944.
Dissabores e vexamesPorém, a redução das exigências traria “amargos dissabores e pesados vexames” na chegada ao exterior, como revelou Mascarenhas de Morais.
Ao chegar em Nápoles, os 5 mil combatentes da FEB passaram por uma inspeção de saúde, tendo sido constatada a necessidade de se fazer 20 mil extrações. O relatório do ministro da Guerra complementa: “Das baixas verificadas na Itália ao chegar o 1º Escalão, 70% eram ocasionadas pelas doenças venéreas contraídas no Brasil”. Ainda durante a viagem, foram descobertos casos de tuberculose e caxumba.
“Foi grande o trabalho de preparar homens para a guerra, a fim de que o Brasil cumprisse sua palavra empenhada. Os esforços despendidos por nós para preparar 5 mil homens é (sic) bem maior do que outra nação adiantada para organizar um contingente de 25 mil homens. A subnutrição, a falta de higiene e a sífilis, as três em ação combinada com o analfabetismo, são elementos negativantes na formação de qualquer tropa em terras brasileiras”, relatou Dutra a Vargas.
O Norte do país, até então uma região desconhecida e com pouca ligação com os grandes centros, foi onde o recrutamento mostrou a realidade do povo brasileiro. De 3.715 homens inspecionados no Amazonas, Pará e nos então territórios do Acre, Rio Branco (hoje Roraima), Guaporé (RO) e Amapá, apenas 846 foram considerados aptos e 77,2% dispensados. “Isto confirma, claramente, o conceito de que o amazônida é um tipo fisicamente fraco já pela sua alimentação já mesmo pelas condições biogeográficas do imenso anfiteatro amazônico”, escreveu Dutra.
Dúvidas
Mas não era apenas a Amazônia que apresentava os mais sérios problemas. Minas Gerais, mesmo sendo um dos estados mais importantes do país, teve 77% de seus 4.220 inspecionados considerados incapazes. O maior problema dos mineiros era a insuficiência de dentes.
“Há necessidade de uma ação governamental incisiva para combater os males sociais que afligem nossa população: o analfabetismo, o baixo estalão de vida, a alimentação parca e pouco nutritiva, a higiene precária, a sífilis, a lepra e as doenças venéreas”, recomendou Dutra a Vargas.
Por causa do perfil, Mascarenhas de Morais contou que havia uma incerteza quanto ao comportamento do soldado brasileiro na Itália, eliminada logo nas primeiras batalhas. “Sua ação em combate, em lugar de ser encarada como um simples dever de cidadão, servia para estimular-lhe a vaidade, tornando-o importante diante de si mesmo, e o levava a se vangloriar de seus feitos”, escreveu o comandante da FEB.
Segundo ele, esse fenômeno, que deve ser levado à conta de uma educação falha, não diminuía a sua qualidade de combatente. “Pelo contrário, servia como um incentivo para o seu espírito de corpo, pois sua vaidade o levava a julgar o seu regimento como o melhor da divisão, assim como seu batalhão o melhor do regimento, e assim, sucessivamente, até garantir que o melhor dos batalhões era o seu”, observou o general.
Por: Edson Luiz - Correio Braziliense
Dividido, país entra no conflito
Depois do flerte com a Alemanha, Getúlio finalmente decide ir para a batalha ao lado dos Aliados
Palácio do Catete, Rio de Janeiro, 22 de agosto de 1942
O presidente Getúlio Vargas reúne seu ministério. Em seguida, a decisão: o Brasil entra na guerra. Pouco antes, navios mercantes brasileiros haviam sido torpedeados por submarinos inimigos, com cerca de 600 mortos. “Diante da comprovação dos atos de guerra contra a nossa soberania, foi reconhecida a situação de beligerância entre o Brasil e as nações agressoras”, dizia o comunicado oficial.
A decisão dos brasileiros de apoiar os Aliados (liderados pelos Estados Unidos e pela Grã-Bretanha) contra o Eixo (Alemanha, Itália e Japão) havia sido tomada em conjunto com outros países da América do Sul, em 15 de janeiro do mesmo ano. “A notícia de que o Brasil cortou relações com a Alemanha, Japão e Itália comoveu-me profundamente. Ela assegura-me uma vez mais o apoio do vosso grande país nesta hora de amarga luta contra forças cujas ações e políticas têm sido unanimemente condenadas pelas 21 nações americanas”, agradeceu o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt.
Seis dias antes, o Itamaraty recebera em Londres um alerta de que os submarinos inimigos estavam a par da movimentação de navios brasileiros, por meio de informantes infiltrados no continente.
“Segundo dados fornecidos ao governo britânico, agentes alemães e italianos, por meio de estações emissoras clandestinas, localizadas no Brasil, Argentina, no Chile e no Equador estariam informando submarinos dos movimentos dos navios aliados na América do Sul”, relata o documento confidencial encaminhado ao Estado-Maior do Exército.
A informação era precisa. Nos dias 15, 18 e 25 de fevereiro, os navios Buarque, Olinda e Cabedelo foram torpedeados pelos submarinos alemães e italianos. Morreram 55 pessoas. Mas só depois dos ataques aos navios, uma retaliação alemã, é que o governo decidiu entrar na guerra.
Antes, até houve uma pequena aproximação com os alemães, por causa da demora dos Estados Unidos em prestar ajuda econômica ao país, o que acabou acontecendo poucos meses depois. Uma correspondência de 20 de novembro de 1940 entre o ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, e Vargas mostra o flerte.
“Cabe-me, em conclusão, declarar a V. Excia que da leitura deste relatório mais revigorada sinto a necessidade de prosseguirmos, com todo o afinco, nas tentativas de receber o material encomendado no Reich e que por este país vem sendo posto à nossa disposição, malgrado as tremendas dificuldades que atravessa, dentro dos prazos e das quantidades estipuladas em contrato”, narra Dutra, referindo-se a um documento sobre a negociação com os alemães.
Feito o acordo com os Estados Unidos, o Brasil começou a preparar seu efetivo, que iria desembarcar na Itália em 1944. Mas o país também atravessava um período político turbulento. Nas ruas, manifestações contra o regime autoritário de Vargas resultavam em mortes e prisões. O Ministério da Guerra temia que os movimentos chegassem aos soldados e prejudicassem a preparação para a ida à Europa.
Por isso, criou um novo serviço de contra-informação, cuja finalidade foi definida em um documento secreto de circulação restrita. “Neutralizar e reprimir quaisquer atividades exercidas por indivíduos ou associações, no sentido de perturbar, por atos ou palavras, a disciplina no interior ou exterior dos quartéis”, determinava.
Fora dos quartéis, a guerra aguçava o patriotismo e o imaginário dos brasileiros. Um morador do Rio de Janeiro enviou ao Palácio do Catete um modelo de capacete com as cores da bandeira nacional, sugerindo que ele fosse usado por Vargas e seus auxiliares em solenidades públicas.
Da Bahia, um telegrafista identificado apenas como Ezequiel enviou uma carta ao presidente falando sobre as propriedades explosivas da palha de ouricuri, “podendo o caso interessar à indústria de guerra”. Bastava transforma-la em pó, dizia o baiano.
O major americano C. Booth também enviou uma carta a Vargas oferecendo uma invenção para os tempos de guerra. Era, segundo o Militar, uma mistura de quatro ingredientes domésticos com o açúcar, que se transformaria em uma bomba com poder 40% maior que a dinamite.
Os outros componentes Booth manteve em segredo, mas revelou “que podem ser procurados em qualquer drogaria ou casa de secos e molhados”. A Diretoria de Material Bélico do Ministério do Exército rejeitou a invenção e vários outros projetos, como os dos aviões lançadores, contra aeronaves inimigas, de óleo quente e de uma rede de aço.
Sem entusiasmoDias antes do embarque para a Itália, os soldados brasileiros não mostravam entusiasmo — alguns, inclusive, desertaram para visitar familiares, segundo revelavam relatórios secretos feitos diariamente. Muitos não acreditavam que o Brasil participaria da guerra. “Isto é o efeito da opinião de grande parte da população civil e mesmo de parte dos oficiais do Exército que não estão incluídos na FEB”, diz o documento, observando que o trabalho psicológico feito na tropa estava parcialmente neutralizado pelas opiniões das ruas.
As análises dos Militares se baseavam na chamada participação “platônica” do Brasil na Primeira Guerra, entre 1914 e 1918, que não passou de realizações de passeatas e manifestações públicas, sem sequer ter ido aos campos de batalha. Avaliações de 1943 mostravam uma população alheia à ida do Brasil à Itália.
“Isto ainda está se sucedendo e o nosso povo ainda não está compenetrado de que estamos em guerra”, disse Dutra em um relatório secreto enviado a Vargas, em 1944.
Além disso, o povo brasileiro não estava gostando das sanções aplicadas durante o período de guerra. A falta de alimentos em algumas regiões determinou um rigoroso racionamento.
“No interior do país, a grita é imensa pela má distribuição de sal e de gasolina”, relata Dutra a Vargas.
“De outro lado, a sanha dos aproveitadores que, sem se apiedarem do sofrimento alheio, mercadeiam os mais necessários produtos da alimentação popular, explodindo na imprensa daqui e dos estados, constantemente, noticias escandalosas referentes à carne, ao leite, à manteiga, ao peixe, ao carvão e até mesmo à banana.”
Na avaliação dos Militares, a situação do país afetava o ambiente antes da partida para a Itália.
“Tudo isto reflete na ambiência para a guerra, porque uma família não preparada psicologicamente para os sofrimentos decorrentes do estado de guerra, lendo nos periódicos as mais contristadoras notícias tangentes à economia popular, não vê com bons olhos a convocação de um filho para o cumprimento do sagrado dever de defender a pátria”, constata Dutra. Da declaração de guerra até a ida para a Itália, foram pelo menos dois anos de preparativos para oito meses de luta — que resultou em 456 mortos.
Por Edson Luiz - Fonte: Correio Brasiliense - Via NOTIMP FAB: 237/2008 de 24/08/2008
NOTA: A idéia das imagens nestes textos (diagramação) é mostrar que mesmo diante dos relatórios negativos e das adversidades inerentes a Guerra, o Brasil foi lá na Europa e realizou o seu papel. Não devemos nos esquecer que a campanha envolveu também homens e mulheres valorosos que tanto lá como aqui arriscaram suas vidas no cumprimento do dever.
Mais imagens do esforço de Guerra Brasileiro estão abaixo:
Americanos ajudaram enomemente os Brasileiros na Batalha do Atlântico
Primeiro grupo de Aviação de caça - Senta Pua
Primeiro grupo de Aviação de caça - Senta Pua
Parnamirim Field (acima)
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