Richard Haass: O que falta para o Brasil ser potência
Fonte: Revista ÉPOCA - VIA NOTIMP FAB: 252/2008 de 08/09/2008
Para o estudioso americano, o país é uma economia importante. Precisa agora definir seu papel político
Peter Moon
Até 1939, o mundo tinha várias grandes potências. Do fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, até o colapso da União Soviética, em 1991, o planeta ficou dividido em dois pólos, um capitalista e outro comunista. Seguiu-se um breve monopólio de poder da superpotência americana. Mas ele acabou, diz o cientista político Richard Haass, de 57 anos, em artigo na revista Foreign Affairs. Para Haass, vivemos hoje num mundo não-polar, onde nenhum país ou grupo de nações detém o poder e dá as cartas no tabuleiro mundial. Entidades como a Fundação Bill Gates, a rede de TV Al Jazira e os terroristas da Al Qaeda também fazem parte do jogo. Embora o Brasil seja uma potência na América Latina, para ser um ator global, diz Haass, precisa escolher qual papel quer desempenhar no mundo.
QUEM É
Cientista político e embaixador, Haass, de 57 anos, é presidente do Council on Foreign Relations, que edita a revista Foreign Affairs
O QUE FEZ
De 2001 a 2003, foi assessor do secretário de Estado americano, Colin Powell. Coordenou o processo de paz na Irlanda do Norte
O QUE PUBLICOU
Seu mais recente livro é The Opportunity – America’s Moment to Alter History’s Course (A Oportunidade – O Momento da América de Alterar o Curso da História, 2005)
ÉPOCA – Por que o senhor diz que vivemos num mundo não-polar?
Richard Haass – Há uma grande diferença entre um mundo multipolar e um não-polar. O multipolar é dominado por uns poucos países, três, cinco ou sete. Vivemos num mundo onde o poder, em suas diversas formas, está muito mais distribuído. Não temos apenas cinco ou seis potências, temos dúzias. Isso sem falar nos inúmeros atores ou entidades que não são Estados nacionais. Por exemplo, a Fundação Bill e Melinda Gates (a maior fundação de caridade do planeta), as redes de TV Al Jazira e CNN, a rede terrorista Al Qaeda, o banco americano Citigroup e os fundos soberanos, administrados por países exportadores como a China e a Arábia Saudita, usados para adquirir participações em empresas estrangeiras. O mundo nunca teve tantos atores.
ÉPOCA – Quais são as principais potências deste mundo não-polar?
Haass – Obviamente, os Estados Unidos, a China, a Índia, o Japão, a Rússia e a União Européia. Mas também o seu país, o Brasil. E, em alguma extensão, o México, a África do Sul, a Nigéria, a Austrália, a Coréia do Sul, a Coréia do Norte, Israel, o Irã e a Arábia Saudita. Há dúzias do que eu chamaria de Estados de poder intermediário, que são atores locais, regionais ou, em alguns casos, até globais.
ÉPOCA – Qual é o papel do Brasil neste novo cenário global?
Haass – O Brasil é um dos países mais importantes do Ocidente. É impossível falar das Américas sem levar em consideração o Brasil. Mas o país também está se elevando no cenário global, particularmente na esfera econômica, nas discussões sobre comércio, energia e alterações climáticas. Por outro lado, apesar de seu tamanho e poder econômico, o Brasil ainda é em alguns aspectos um país em desenvolvimento. Vocês precisam discutir qual papel querem desempenhar no mundo. Essa discussão está faltando. O papel de um país no mundo nunca é algo automático. Ele reflete seus recursos, mas também suas escolhas. Eu ainda não sei qual papel seu país quer desempenhar. Qual é o papel do Brasil no mundo? Essa é uma boa pergunta para fazer aos políticos e intelectuais brasileiros.
ÉPOCA – Quais são os aspectos do Brasil como país ainda em desenvolvimento?
Haass – Há uma grande parte da população pobre e com baixa escolaridade. Em termos de desenvolvimento econômico, a renda per capita do brasileiro está muito atrás dos americanos e europeus.
ÉPOCA – A renda per capita brasileira é muito maior que a indiana. Mas a Índia é considerada um ator global. Por quê?
Haass – A Índia tem se envolvido muito mais com questões políticas globais. Ela também possui maior capacidade militar – o que, obviamente, inclui armas nucleares. A Índia possui relações complexas com os Estados Unidos, com a China e outros. Ela tem um grande setor de alta tecnologia e está na Ásia, a região mais dinâmica da economia mundial. Sim, a Índia é um país em desenvolvimento, mas possui muitos intelectuais que estão pensando mais e há mais tempo (do que os brasileiros) o papel da Índia no mundo. A maioria dos debates no Brasil tem sido sobre questões internas ou regionais, e não globais.
ÉPOCA –Um mundo não-polar não é um mundo mais instável?
Haass – Um mundo não-polar tem o potencial de se tornar desordenado e confuso, ou até coisa pior. Uma razão é que muitos atores são destrutivos, como os grupos terroristas. Outra razão é que um mundo não-polar possui tantos atores que tende a ser difícil de ordenar. Um exemplo são as negociações para a liberalização do comércio mundial, a chamada Rodada de Doha, que se arrastaram por anos apenas para fracassar, em julho. Um mundo não-polar é difícil de ser ordenado porque não há ninguém em condições de fazê-lo, como os Estados Unidos e a União Soviética no mundo bipolar entre 1945 e 1991.
"O papel de um país nunca é algo automático. Ele reflete seus recursos, mas também suas escolhas. Ainda não sei qual papel o Brasil quer desempenhar"
ÉPOCA – As instituições internacionais criadas após a Segunda Guerra devem mudar para refletir esta nova realidade?
Haass – Sim. Isso já aconteceu no caso da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar entre os EUA e a Europa. A Otan é hoje bem maior. Absorveu muitos dos antigos inimigos do Pacto de Varsóvia, a antiga aliança militar liderada pela União Soviética. A Otan também atua hoje em lugares como o Afeganistão, lutando contra os radicais islâmicos do Taleban. Por outro lado, a Organização das Nações Unidas não mudou, especialmente com relação ao Conselho de Segurança. Os cinco membros permanentes com direito a veto, Estados Unidos, Reino Unido, França, Rússia e China, não refletem o mundo atual.
ÉPOCA – Brasil, Alemanha, Índia e Japão querem ser do Conselho de Segurança.
Haass – Será extraordinariamente difícil. Talvez impossível. É muito difícil construir um consenso em torno da mudança no Conselho de Segurança. Cada plano ou esquema imaginado satisfaz a alguns países e deixa outros insatisfeitos. A China, por exemplo, não aceita o Japão. A Rússia barra a Alemanha. O México e a Argentina não querem que a vaga sul-americana vá para o Brasil. Ao mesmo tempo que se busca um entendimento, talvez devêssemos adaptar as outras organizações existentes ou criar novas. Um exemplo é a mudança climática. Faz mais sentido criar um grupo dos países com maior responsabilidade na liberação de carbono na atmosfera que tentar chegar a um acordo internacional perfeito e inatingível.
ÉPOCA – O que ameaça a paz mundial?
Haass – O que mais me preocupa hoje é a proliferação nuclear. É o risco de que, como aconteceu com a Coréia do Norte, o Irã obtenha a bomba. Também temo o risco de terrorismo e de uma deterioração na economia internacional. Esta pode acontecer em função do aumento do protecionismo ou pelo rápido declínio do dólar. Outros riscos são os preços elevados da energia e os efeitos das alterações climáticas.
ÉPOCA – Um ataque israelense às instalações nucleares iranianas é iminente?
Haass – Essa não é a principal questão. A grande questão é saber se os Estados Unidos e o mundo conseguirão impedir o Irã de continuar enriquecendo urânio até poder construir armas nucleares. Se conseguirmos parar o programa nuclear do Irã, a possibilidade de uma ação militar israelense desaparece. Se a diplomacia não for capaz de deter o Irã, estaremos diante de duas opções desagradáveis: teremos de conviver com essa realidade ou recorrer à força. Se a diplomacia falhar, não apenas Israel, mas também a Casa Branca terá de considerar os prós e os contras do uso da força militar contra o Irã.
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