Texto do Itamaraty revela descaso de Evo com Brasil
Brasil regularizou situação de 42 mil bolivianos ilegais
La Paz não resolveu drama de nenhum brasileiro ilegal
Fazendeiros brasileiros perderão terras em Santa Cruz
Agricultores pobres serão expulsos da zona fronteiriça
Resposta do Planalto: socorro de US$ 230 mi à Bolívia
Escrito por Josias de Souza
Chamado por Lula de “irmão mais novo”, Evo Morales vem sendo tratado pelo Brasil à base de pão-de-ló. Em retribuição, a Bolívia oferece o descaso.
Em resposta à desatenção de La Paz, Brasília acentua a generosidade. O último gesto de apreço de Lula ganhou contornos monetários.
Em protocolo assinado no dia 17 de julho de 2008, o Brasil concedeu à Bolívia um empréstimo de US$ 230 milhões. Em reais: R$ 483 milhões.
Não é coisa de irmão para irmão. Nem de pai para filho. É negócio de avô para neto. O prazo de resgate da dívida é de 20 anos.
O prazo de carência é de quatro anos. Significa dizer que, nesse período, o governo Evo não precisará desembolsar um mísero ceitil.
O dinheiro do contribuinte brasileiro vai untar projetos de infra-estrutura no território boliviano. Financiará a exportação de bens e serviços.
Um pedaço do crédito (US$ 199 milhões) sairá do BNDES. A taxa de juros é açucarada: 3,15% ao ano.
O naco restante (US$ 31 milhões) escoará do Proex, um programa voltado ao financiamento de exportadores brasileiros. Os juros são ainda mais adocicados: 2,07% ao ano.
Os dados constam de um documento oficial do Itamaraty. Tem 11 páginas. É datado de 19 de setembro de 2008. Traz a assinatura do chanceler Celso Amorim.
Trata-se de uma resposta do Executivo a um requerimento de informações do deputado Raul Jungmann (PPS-PE), membro da Comissão de Relações Exteriores da Câmara.
O documento está disponível no blog do deputado. Leia a íntegra aqui.
Amorim utiliza uma linguagem macia. Ainda assim, o texto é revelador. Expõe em minúcias o descompasso que permeia as relações bilaterais entre Brasil e Bolívia.
Eis alguns exemplos:
1. Regularização de ilegais: Brasília e La Paz firmaram, em 2005, um acordo de regularização de imigrantes.
Desde então, 42 mil bolivianos que viviam ilegalmente no Brasil tiveram a situação regularizada. A Bolívia não entregou papéis a nenhum brasileiro.
Decorridos três anos da assinatura do acordo, a gestão Evo alega que os dados sobre a comunidade brasileira ainda estão sendo recolhidos.
Há, por ora, míseros 63 processos de regularização abertos. Nenhum deles resultou ainda em regularização efetiva da situação de patrícios que se aventuram na Bolívia.
2. Reforma agrária: Brasileiros que plantam soja e criam gado em Santa Cruz de La Sierra convivem, desde novembro de 2006, com o risco de perder suas terras.
Serão alcançados pela reforma agrária de Evo. O Itamaraty diz que “acompanha com atenção”. Alega que o início do processo depende da ratificação da nova Constituição.
3. Faixa de fronteira: Famílias de pequenos agricultores brasileiros sobrevivem do cultivo de terras na zona de fronteira, sobretudo em duas localidades: Beni e Pando.
São 336 famílias –243 compostas integralmente por brasileiros; 93 integradas por casais em que um dos cônjuges é boliviano.
La Paz decidiu remover essas famílias de sua fronteira, que considera zona de segurança. As que têm bolivianos devem ser incluídas no programa de reforma agrária.
As outras são consideradas “vulneráveis”. Para socorrê-las, o Planalto enviou ao Congresso, em abril de 2007, medida provisória liberando R$ 20 milhões.
Foi aprovada a toque de caixa na Câmara e no Senado. Em novembro de 2007, o Itamaraty depositou o dinheiro na conta da embaixada brasileira em La Paz.
A despeito da pressa, nenhum tostão foi aplicado até agora. Em maio, a Bolívia fez uma proposta de reassentamento das famílias. Longe da fronteira.
O Brasil não gostou. Prepara, segundo Amorim, uma “contra-proposta”. Quando fica pronta? “Em breve,” limita-se a informar o chanceler.
4. Drogas: ONU “divulgou relatório que indica aumento na produção de coca na Bolívia pelo quinto ano consecutivo”, anota Amorim. Algo que preocupa enormemente o Brasil.
A Bolívia é grande fornecedora de matéria-prima para a cocaína que abastece praças como o Rio e São Paulo e é exportada para outros países a partir do Brasil.
O vizinho vinha se recusando a compartilhar informações com o Brasil e com os organismos multilaterias de combate ao narcotráfico.
Amorim informa em seu texto que, agora, a Bolívia “tem buscado reforçar sua imagem de país comprometido com a luta contra o narcotráfico (‘Cocaína cero’)...”
“...Ainda que mantenha sua política da valorização da folha de coca como expressão do patrimônio cultural”.
É a segunda vez que o Itamaraty remete à Câmara relatório sobre Bolívia. O texto anterior, já noticiado aqui, fez aniversário de um ano.
Fora motivado por um outro requerimento de informações do deputado Raul Jungmann. Relatava os mesmíssimos problemas. Dava conta da mesma ausência de soluções.
Entre um e outro relatório, produziu-se uma única e escassa novidade: o novo mimo de Lula a Evo, materializado no empréstimo de US$ 230 milhões.
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