As pretensões brasileiras de obter uma vaga permanente no Conselho de Segurança (CS) da ONU foram o principal ponto de dissensão nos debates do aguardado relatório sobre o Brasil elaborado pelo Council on Foreign Relations (CFR), um dos mais prestigiados e influentes centros de estudos americanos, com divulgação prevista para breve e ao qual O GLOBO teve acesso. O documento recomenda que o governo Barack Obama "apoie totalmente" o Brasil como um membro permanente do CS, e que incentive negociações com esse objetivo.

"Um endosso formal para o Brasil contribuiria muito para superar a suspeita remanescente dentro do governo brasileiro de que o compromisso dos EUA com uma relação madura entre iguais é em grande parte retórica. (...) Há pouco a perder e muito a ganhar com o apoio americano oficial a um assento brasileiro permanente neste momento", diz o texto prévio do "Independent Task Force on Brazil" (Força-Tarefa Independente sobre o Brasil), dirigido por Julia Sweig, reputada especialista em América Latina do CFR.

Num adendo, porém, nove dos cerca de 30 colaboradores do documento discordaram dos termos escolhidos e apresentaram nuances à forma do apoio americano. O grupo dissidente reconhece os méritos da demanda de Brasília, mas acredita que uma abordagem "mais gradual" seria mais eficaz em meio às complexidades diplomáticas no caso de um firme apoio americano. O grupo teme que um declarado endosso de Washington - como foi feito na visita de Obama à Índia, em relação as mesmas ambições de Nova Délhi - poderia ter repercussões adversas imediatas na América Latina e causar problemas para os EUA nas relações com aliados na região. Os dissidentes aprovam o tom aberto e menos conclusivo da declaração feita por Obama no Brasil, em março, e aconselham consultas prévias ao Congresso americano como a estratégia mais adequada para pavimentar com sucesso o caminho brasileiro na busca da vaga permanente.

Entre os vários nomes que participaram das discussões para a costura do documento estão Riordan Roett (Johns Hopkins University), Nelson W. Cunningham (conselheiro no governo Bill Clinton), David Rothkopf (CFR), Joy Olson (Washington Office on Latin America), James Wolfensohn (ex-presidente do Banco Mundial), Louis Caldera (Center for American Progress), Shepard Forman (Center on International Cooperation), Samuel Bodman (ex-secretário de Energia) ou Eileen Claussen (PEW Center on Global Climate Change). A seguir, os principais pontos.

ORIENTE MÉDIO: Outro ponto de discórdia foi a participação do Brasil em questões de segurança no Oriente Médio. O documento avalia que o envolvimento nas negociações de paz entre Israel e Palestina era coerente com a política externa expansiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "Especialmente à luz do episódio do Irã em 2010 (em que Brasília e Washington se confrontaram na forma de abordar o controle do programa nuclear iraniano), a Força-Tarefa considera que o envolvimento do Brasil, nas questões de segurança do Oriente Médio, pode enfraquecer as credenciais do país para negociar em outras questões de interesse internacional em que sua participação é não só mais lógica como mais necessária", diz o texto. A recomendação, no entanto, não foi unânime: "Consideramos que seria impróprio tanto para um relatório como este como para os EUA procurar ditar como o Brasil deve conduzir seus interesses nacionais pelo mundo", escreveram vozes dissonantes.

IRÃ: Na avaliação do grupo, embora pareça que a presidente Dilma Rousseff "tenha minimizado a importância da dimensão de segurança nas relações com o Irã", a iniciativa do Brasil em negociar com Teerã no ano passado não foi "meramente produto das personalidades que estavam à época no poder". "A experiência do Irã ilustra a necessidade de os dois países estabelecerem mecanismos para prevenir e mitigar mal-entendidos e visões conflitantes das questões de segurança internacional", diz o texto.

DIREITOS HUMANOS: O relatório elogia o compromisso demonstrado por Dilma Rousseff na defesa dos direitos humanos e destaca os esforços feitos nos primeiros meses de governo nesse tema em relação à América Latina, ao Oriente Médio e ao Irã. "A posição de Dilma quanto a algumas questões de segurança do Oriente Médio - a condenação das atrocidades na Líbia e o voto para aprovar um relator especial de direitos humanos para o Irã - tem assinalado uma diferenciação da abordagem estritamente não intervencionista de Lula. Ainda assim, o Brasil se absteve de votar no Conselho de Segurança para autorizar a intervenção na Líbia". Para o grupo, o apoio formal do Brasil numa iminente votação na ONU sobre o Estado palestino também indicará até que ponto Dilma "vai diferenciar sua política externa daquela exercida por seu predecessor com respeito ao Oriente Médio".

ABSTENÇÃO DE VOTOS: O documento aconselha os americanos a compreenderem que o padrão brasileiro de se abster em votações em importantes fóruns internacionais, como a ONU, não reflete necessariamente uma discordância com a proposta da resolução. "Os brasileiros empregam a abstenção para expressar sua frustração com o tratamento não sistemático das questões, levantando frequentemente a contradição, por exemplo, de a comunidade internacional censurar o Irã, mas não a Arábia Saudita". Ao mesmo tempo, alerta o texto, o Brasil não corre o risco de perder sua independência quando, vez ou outra, votar em conjunto com os EUA.

AMÉRICA LATINA: O Brasil é elogiado pela defesa da democracia no continente, mas criticado por não se aliar aos EUA na promoção dos direitos humanos e democráticos em países como Venezuela, Cuba, Colômbia ou Nicarágua: "Por exemplo, embora não apoie os abusos de Poder Executivo e direitos humanos do presidente venezuelano, Hugo Chávez, o atual governo brasileiro não faz esforços visíveis para encorajá-lo a cessar essas atividades."

ETANOL: O Congresso americano deve eliminar os subsídios para os produtores de etanol do país. O grupo recomenda que os EUA usem o fim da subvenção para negociar a redução de barreiras comerciais para produtos americanos no Brasil.

CÂMBIO: Brasil e EUA devem expandir os canais de comunicação entre suas políticas comerciais e monetárias, especialmente em relação à China. O grupo sugere que os dois países "encontrem uma linguagem comum" para enfrentar os desafios apresentados pela China, a fim de convencê-la a permitir a valorização do iuan.

BRASIL E EUA: O relatório defende uma relação promissora e de alto nível entre Brasília e Washington, e sugere que Obama organize um encontro interministerial entre os dois países, como promovido pelo presidente George W. Bush em 2003. Também recomenda diretores exclusivos para o Brasil no Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca e no Departamento de Estado, à parte do Cone Sul, como é hoje. "Os presidentes Obama e Rousseff estabeleceram a base para o progresso em muitas frentes. O momento de construir sobre essa fundação positiva é agora".

Fonte: O Globo