"Que ninguém se atreva a vir para cá para nos aplicar a ‘fórmula líbia’. Sairia muito caro (a qualquer país) meter-se com a Venezuela", afirmou Chávez em rede nacional, anunciando a chegada do armamento que "faz falta para a defesa do país".
Contudo, na opinião do cientista político venezuelano Alfredo Ramos Jiménez, juntamente com o aumento de 50% no soldo dos membros das Forças Armadas, a medida foi adotada porque a popularidade de Chávez é a mais baixa em relação aos períodos eleitorais anteriores nos quais ele disputou a reeleição.
Popularidade e violência
Ramos afirma que investir em defesa externa em detrimento da segurança interna prejudica a aprovação do líder também entre os mais pobres – responsáveis pela maior base eleitoral de Chávez, graças aos programas sociais de seu governo. A Venezuela não publica dados de violência desde 2003, mas se estima que na capital do país, Caracas, a taxa de homicídio seja de 220 a cada 100 mil habitantes, mais alta que a de Ciudad Juárez, no México, considerada a localidade mais violenta do mundo.
Para Ramos, o presidente também investe em defesa "por causa de sua política de amedrontar a oposição; para dizer ‘olhe, eu tenho as armas, e muitas’, indicando que ele não reconhecerá facilmente uma derrota (nas urnas)". Segundo o analista, o comércio de armamento com os russos serve ainda para que Chávez consiga o apoio de comandantes militares venezuelanos que se beneficiariam com esses negócios. Ramos afirma ainda que, ao aumentar os soldos dos membros das Forças Armadas, Chávez ainda estimula uma disputa entre civis e militares na Venezuela. O Partido Comunista do país, por exemplo, exigiu nesta segunda-feira que os mesmos 50% de aumento sejam repassados ao salário mínimo e às "diversas categorias" de trabalhadores.
Nos últimos cinco anos, Caracas comprou quase US$ 11 bilhões em equipamento bélico. Em agosto, foi anunciado um crédito de US$ 4 bilhões para a compra de armas russas pelo governo de Caracas. O deputado opositor Julio Borges afirmou nesta segunda à imprensa venezuelana que, em sua análise sobre o orçamento de 2012, detectou cortes de até 63% em moradias e desenvolvimento urbano, além do aumento de 65% do investimento nas Forças Armadas.
Fonte: Estadão
3 Comentários
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Por que Gaddafi recebeu cartão vermelho
01/09/2011, por Pepe Escobar, Asia Times Online
http://www.atimes.com/atimes/Middle_East/MI01Ak02.html
Observando a Líbia devastada, num gabinete aconchegante recheado de televisões de plasma mais fininhas que panqueca, num palácio em Pyongyang, o Amado Líder da República Popular Democrática da Coreia, Kim Jong-il, balançava a cabeça, pensando no suplício do coronel Muammar Gaddafi.
“Grande tolo”, murmura o Amado Líder. Claro. Ele sabe que o Grande Gaddafi assinou virtualmente a própria sentença de morte, num dia em 2003, quando aceitou a sugestão daquela sua lamentável prole – arrogantemente europeizados –, para que cancelasse seu programa de armas de destruição em massa e quando, no mesmo ato, pôs o futuro de seu governo nas mãos da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).
Sim. Saif al-Islam, Mutassim, Khamis e o resto do clã Gaddafi ainda não conheciam a diferença entre detonar em farra barra-pesadíssima em St. Tropez e ser detonado por Mirages e Rafales. O Grande Gaddafi, esteja onde estiver, em Sirte, no deserto central ou numa silenciosa caravana para a Argélia, com certeza os está amaldiçoando para toda a eternidade.
Gaddafi supunha que fosse parceiro da OTAN. Agora, a OTAN quer arrancar-lhe a cabeça. Que parceria é essa?
O monarca sunita ditador permanece no Bahrain; nada de bombas “humanitárias” sobre Manama, nada de recompensa por sua cabeça. O clube de ditadores da Casa de Saud permanece; nada de bombas “humanitárias” sobre Riad, Dubai ou Doha – nada de recompensa por aquelas cabeças coroadas apaixonadas pelo ocidente. Estão pegando bem leve até com o ditador sírio – pelo menos por enquanto.
Portanto, a pergunta, levantada por vários leitores de Asia Times Online, é inevitável: qual a linha vermelha crucial que Gaddafi transgrediu, transgressão que lhe valeu o cartão vermelho?
‘Revolução’ made in France
Há tantas linhas vermelhas transgredidas pelo Grande Gaddafi – e tantos cartões vermelhos – que a tela do computador acabaria tingida de vermelho sangue.
Comecemos pelo básico. É coisa dos franceses. Vale a pena repetir: a guerra na Líbia é guerra francesa. Os americanos nem chamam a guerra na Líbia, de guerra: é só “ação cinética”, ou coisa que o valha. O Conselho Nacional de Transição ‘rebelde’ é invenção francesa.
E, sim, sim – sobretudo é guerra do neoplatônico presidente Nicolas Sarkozy. Sarkozy é o George Clooney do filme (coitado do Clooney). Todos os demais, de David das Arábias Cameron, ao ganhador do Prêmio Nobel da Paz e inventador emérito de guerras Barack Obama, são coadjuvantes.
Como o Asia Times Online noticiou, a guerra da Líbia começou em outubro de 2010, quando o chefe de protocolo de Gaddafi, Nuri Mesmari, desertou e voou para Paris. Ali foi contatado pela inteligência francesa e, para todas as finalidades práticas, construíram um coup d'état militar, envolvendo desertores na Cyrenaica.
Sarkô tem uma mala de motivos para desejar vingar-se do Grande Gaddafi.
Empresas francesas contaram a Sarkô que Gaddafi decidira não comprar aviões Rafale e não contratar franceses para construírem uma usina nuclear; preferia investir em serviços sociais.
A gigante francesa de energia Total queria fatia maior do bolo energético líbio – que estava sendo devorado, do lado europeu, pela italiana ENI, sobretudo porque o premiê Silvio “bunga bunga” Berlusconi, fã de carteirinha do Grande Gaddafi, já tinha acertado negócio complexo com Gaddafi.
Assim, o golpe militar foi aperfeiçoado em Paris, até dezembro; as primeiras manifestações populares na Cyrenaica em fevereiro – instigadas em larga medida pelos golpistas – foram capturadas. O filósofo da autopromoção Bernard Henri-Levy meteu num avião para Benghazi a sua camisa branca aberta no peito e foi encontrar-se com os “rebeldes”, de onde telefonou para Sarkozy e virtualmente ordenou que reconhecesse os tais “rebeldes”, já no início de março, como ‘governo legítimo’ (como se Sarkô carecesse de estímulos).
O Conselho Nacional de Transição foi inventado em Paris, mas a ONU também providenciou para inflá-lo como “legítimo” governo da Líbia. E a OTAN, que não tinha mandado da ONU para converter uma zona aérea de exclusão em bombardeio “humanitário” indiscriminado. Tudo isso culmina hoje no cerco da cidade de Sirte.
Os franceses e os britânicos redigiram o que viria a ser a Resolução n. 1.973 da ONU. Washington uniu-se alegremente ao convescote. O Departamento de Estado dos EUA combinou um negócio com a Casa de Saud, pelo qual os sauditas assegurariam um voto da Liga Árabe, como prelúdio à resolução da ONU; em troca, os sauditas seriam deixados em paz para reprimir qualquer protesto pró-democracia no Golfo Persa – o que os sauditas fizeram, com selvageria, no Bahrain.
O Conselho de Cooperação do Golfo (então convertido em Clube Contrarrevolucionário do Golfo) também tinha toneladas de razões para querer livrar-se de Gaddafi. Os sauditas adorarão acomodar um emirado amigo no norte da África, sobretudo se, simultaneamente, se livrarem da furiosa animosidade que separa Gaddafi e o rei Abdullah. Os Emirados querem novo local para investir e “desenvolver”. O Qatar, muito íntimo de Sarkô, queria fazer dinheiro – gerindo os novos negócios de venda de petróleo dos “legítimos” ‘rebeldes’.
A secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton pode até ser muito amiga da Casa de Saud ou dos al-Khalifas assassinos no Bahrain. Mas o Departamento de Estado também vergastou Gaddafi pesadamente por suas “políticas cada vez mais nacionalistas no setor energético”; e, também, por estar “libianizando” a economia.
O Grande Gaddafi, jogador esperto, deveria ter visto o escrito no muro. Desde que o primeiro-ministro Mohammad Mossadegh foi deposto essencialmente pela CIA no Irã em 1953, a regra é que ninguém se mete a antagonizar o Big Oil globalizado. Para nem falar de antagonizar o sistema financeiro/banqueiro internacional – promovendo ideias subversivas como usar a economia nacional em benefício da população local.
Quem seja pró-o-próprio-país é automaticamente inimigo dos que mandam – bancos ocidentais, megacorporações, “investidores” nebulosos à caça de lucrar com qualquer coisa que cada país produza.
investiu em programas sociais nos países subsaharianos mais pobres; financiou o Banco da África, com o que tornou possível, para muitos países, também escapar das garras do Banco Mundial e, principalmente, do Fundo Monetário Internacional; financiou um sistema de telecomunicações para todo o continente africano, graças ao qual escapou das redes ocidentais de telecomunicações; e ofereceu aos líbios excelente padrão de vida. A lista dos pecados de Gaddafi é infinita.
Por que não telefono para Pyongyang
E há ainda o ângulo militar crucialmente importante do Pentágono/Africom/OTAN. Nenhum país africano quis receber uma base do Comando Africano (Africom) do Pentágono. O Africom foi inventado no governo George W Bush, como meio para controlar de perto a África e para combater, escondido, os avanços comerciais da China.
Dado que ninguém quis acolher o Africom na África, o Africom escolheu local super africano: Stuttgart, na Alemanha.
A tinta em que se escreveu a Resolução n. 1.973 ainda nem secara, e o Africom, de fato, já estava bombardeando a Líbia com mais de 150 Tomahawks – antes de o comando das operações ser transferido para a OTAN. Foi a primeira guerra africana do Africom, e prelúdio do que virá.
Fixar uma base permanente na Líbia é negócio já praticamente resolvido – parte da militarização neocolonial, não só do norte da África mas de todo o continente.
A agenda da OTAN para dominar todo o Mediterrâneo e convertê-lo em lago da OTAN, é tão definida quando a agenda do Africom para converter-se em Robocop da África. Os únicos pontos difíceis eram a Líbia, a Síria e o Líbano – três países que não são membros da OTAN nem ligados à OTAN por qualquer tipo de “parceria”.
Para compreender o papel de Robocop global que a OTAN aspira a desempenhar – legitimado pela ONU –, basta prestar atenção à boca dura do secretário-geral da OTAN general Anders Fogh Rasmussen.
Trípoli ainda estava sendo bombardeada, quando ele disse que “Quem não consiga manter tropas além das próprias fronteiras não terá influência internacional, e o vácuo será ocupado por potências emergentes que não necessariamente partilham nosso pensamento e nossos valores”.[1]
Portanto aí está, tudo dito. A OTAN é uma milícia high-tech ocidental para defender interesses dos EUA e de países europeus e isolar os BRICS emergentes e outros, e para manter curvados os “nativos”, sejam africanos ou asiáticos. O negócio fica mais fácil, porque a coisa está fantasiada de R2P – “responsabilidade de proteger”, não os civis, mas o saque subsequente.
Jogando contra todas essas forças, não surpreende que o Grande Gaddafi tenha recebido cartão vermelho, expulso do jogo para sempre.
Poucas horas antes de o Grande Gaddafi ter de começar a lutar pela própria vida, o Amado Líder bebericava champanhe russa com o presidente Dmitry Medvedev, trocando ideias sobre o gambito em curso no Oleodutostão. Lembrou, por acaso, que gostaria de conversar sobre seu arsenal nuclear ainda ativo.
Aí está o motivo pelo qual o Amado Líder sobe, enquanto o Grande Gaddafi despenca.
[1] Wall Street Journal, 24/8/2011, em
http://online.wsj.com/article/SB10001424053111903461304576524503625829970.html
http://grupobeatrice.blogspot.com/2011/08/por-que-gaddafi-recebeu-cartao-vermelho.html